Entrevista: «A raça churra galega mirandesa contínua em vias de extinção» – Engenheira Andrea Cortinhas.

Entrevista: «A raça churra galega mirandesa continua em vias de extinção» – Engenheira Andrea Cortinhas

A criação de ovinos no planalto mirandês é uma atividade que tem contribuído para a fixação da população nas zonas rurais. Nestas aldeias, merece uma especial atenção a raça Churra Galega Mirandesa. São uns ovinos de pequeno porte, com lã abundante e que providenciam uma carne de qualidade. Mas, tal como todas as raças autóctones corre o risco de extinção, informou a engenheira Andrea Cortinhas, administradora da Cooperativa de Ovinos Mirandeses, CRL.

A engenheira Andrea Cortinhas é a administradora da Churracoop – Cooperativa de Ovinos Mirandeses, CRL

Terra de Miranda – Notícias: Porque se chama a esta raça de ovinos Churra Galega e Mirandesa?

Andrea Cortinhas: O nome “churra” deriva da lã grosseira, comprida e lisa que “veste” estas ovelhas. A designação “galega” remete para os nossos vizinhos espanhóis e diz respeito ao tronco comum dos animais. E a raça diz-se “mirandesa” porque é mesmo originária daqui, do planalto mirandês.

T.M.N.: O que a distingue a raça Churra Galega Mirandesa das outras raças de ovinos?

A.C.: Os ovinos da raça churra galega mirandesa são de pequeno porte, comparativamente com as outras raças. A sua pequena estatura é a principal razão pela qual a raça tem sofrido uma diminuição significativa. Os criadores de ovinos optam por raças de maior porte, que lhes garantam uma produção e um rendimento mais rápido. Por exemplo, os cordeiros da raça churra galega mirandesa quando nascem, têm um peso reduzido, pelo que demoram mais tempo a atingir o escalão que se pretende para a sua venda.

A raça Churra Galega Mirandesa em concorrência com as raças mais competitivas apresenta-se menos produtiva e daí que a sua exploração continue a sofrer uma diminuição significativa.

T.M.N.: Para além da estatura, a lã é outra marca distintiva desta raça de ovinos?

A.C.: Sim, são animais rústicos e com lã abundante, o que lhes permite enfrentar melhor o frio rigoroso do inverno, tão caraterístico do planalto mirandês. É o tal velho ditado que carateriza o clima desta região: “nove meses de inverno e três de inferno”.

T.M.N.: A criação destes ovinos é uma atividade rentável?

A.C.: Sim, é uma atividade rentável se considerarmos a qualidade da carne que produzem. Mas atenção, a qualidade exige tempo. Como disse anteriormente, os ovinos da raça churra galega mirandesa demoram mais tempo a desenvolverem-se. Enquanto, as outras raças são mais direcionadas para a produção de carne em regime intensivo. A nossa raça de ovinos desenvolve-se num regime extensivo. Ou seja, a criação destes ovinos faz-se através do pastoreio em áreas extensas, no exterior.

“A criação de ovinos no Planalto Mirandês é uma atividade viável em termos económicos, que em muito tem contribuído para a manutenção das populações rurais. As explorações têm como principal fonte de rendimento a atividade pecuária e os ovinos contribuem em grande parte como a principal fonte de rendimento com o produto de venda anual, com o resultado do fornecimento de lã e de carne.”

T.M.N.: Do que se alimenta o cordeiro mirandês?

A.C.: No planalto mirandês, os rebanhos alimentam-se essencialmente das pastagens espontâneas, dos restolhos ou restos de cereais que ficaram nos campos e da flora arbustiva existente.

T.M.N.: Estamos a aproximar-nos da Páscoa, a época do ano em que tradicionalmente se come o cordeiro. Qual é a mais-valia do cordeiro Mirandês ou canhono mirandês, que é considerado um produto de Denominação de Origem Protegida (DOP)?

A.C.: A carne do cordeiro mirandês distingue-se pelo sabor e pela qualidade. Volto a sublinhar que enquanto um cordeiro de outra raça, em 15 dias está pronto para abate, um cordeiro da raça churra galega mirandesa demora cerca de 1,5 mês a dois meses a desenvolver-se. Este maior período de tempo permite que o cordeiro mirandês, alimentando-se da flora típica desta região, adquira um certo tipo de gordura, uma maior formação muscular e por isso, a carne do cordeiro mirandês é extremamente tenra, suculenta e muito pouco aromatizada.

“As feiras de gado mais importantes que se realizavam na Antiguidade no Planalto eram as feiras mensais do Naso a 8 de Setembro e a feira dos Gorazes em Outubro em Mogadouro. A localização geográfica do Planalto Mirandês foi sempre influenciada, durante a sua história, pelas trocas comerciais transfronteiriças.”

T.M.N.: No processo de comercialização do cordeiro mirandês, qual é a missão da Churracoop, a Cooperativa dos Ovinos Mirandeses, CRL?

A.C.: A nossa missão é precisamente valorizar o cordeiro mirandês. Queremos que o nosso produto seja reconhecido pela sua qualidade. E a atribuição da Denominação de Origem Protegida (DOP) é para nós motivo de grande satisfação.

T.M.N.: A pandemia está a prejudicar a vossa atividade?

A.C.: A pandemia começou há precisamente um ano, em plena véspera da Páscoa. Nessa altura, como também agora, fecharam o setor da restauração e nós deixámos de receber encomendas. Esta situação, completamente inesperada, obrigou-nos a uma adaptação. Iniciámos então uma campanha de promoção do cordeiro mirandês através do facebook. E a verdade é que conseguimos vender os nossos cordeiros e também fidelizamos clientes. Este ano, dado que os restaurantes voltam a estar fechados, continuamos a vender o cordeiro mirandês sobretudo através do online.

“O nome da raça corresponde à sua região originária, o Planalto Mirandês, que engloba os concelhos de Miranda do Douro, Mogadouro e Vimioso.” 

T.M.N.: Para além do fornecimento de carne, as ovelhas também contribuem para a limpeza dos campos e a prevenção dos incêndios.

A.C.: Sim, tal como as cabras, as ovelhas são “sapadoras florestais”, pois ao comerem muitos das ervas e arbustos do solo, estão a realizar uma importante tarefa na limpeza dos campos e assim a prevenir incêndios.

T.M.N.: E para além da limpeza dos campos, as ovelhas também contribuem para a fertilização das terras.

A.C.: Sim, os seus excrementos são utilizados para adubar as terras de cultivo. Na aldeia do Palancar, por exemplo, há um senhor, associado da Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa, que continua a utilizar o chamado “chiqueiro” ou cercado. São as tais caniças ou cancelas onde se guardam as ovelhas durante a noite. Ele vai mudando o “chiqueiro” de lugar e assim vai estrumando as suas propriedades. Quando tudo está estrumado, retira de lá as ovelhas e lavra o campo. E assim a terra está pronta para fazer a sementeira. Este método tradicional é valiosíssimo e dispensa a utilização de adubos. E o mais interessante é que as ovelhas sempre tiveram esta função de adubar os solos mais pobres, para a posterior sementeira dos cereais, para o cultivo das hortas, etc.

“O despovoamento das aldeias, acompanhado do envelhecimento da população residente é uma das grandes preocupações.”

T.M.N.: A raça Churra Galega Mirandesa esteve quase em extinção?

A.C.: Sim, a Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa foi criada precisamente para proteger a raça. Inicialmente, coube aos serviços da Direção Regional de Agricultura avançar com o livro genealógico, com a definição do padrão da raça e com os estatutos. E só posteriormente foi criada a associação, em 1996, com sede no Posto Zootécnico, em Malhadas.

T.M.N.: Anualmente, a Associação de Criadores de Ovinos Mirandeses (ACOM) realiza um concurso nacional onde são exibidos e premiados os melhores ovinos. Como se faz esta avaliação?

A.C.: Com um grande conhecimento da raça Churra Galega Mirandesa. Nesse concurso nacional, o júri avalia morfologicamente os animais, consoante a abundância de lã, consoante o careto ou as marcas (pintas) na cabeça, consoante a robustez e beleza do animal. Dado que é sobretudo uma avaliação visual e sendo um concurso, é importante que os criadores tenham um particular cuidado na limpeza e apresentação dos animais.

“O registo rootécnico da raça foi criado em 1994 e a Associação Nacional de Criadores da raça foi fundada em 1996, com sede no Posto Zootécnico de Malhadas, em Miranda do Douro.”

T.M.N.: Atualmente, quantos ovinos de raça churra galega mirandesa existem?

A.C.: Os ovinos de raça churra galega mirandesa ainda correm o risco de extinção. Neste momento, no livro genealógico da raça, estão registados 6762 animais.

T.M.N.: Se eu quiser ser criador de ovinos, o que preciso saber? E fazer?

A.C.: O essencial é ter paixão pelos animais. Depois, há que que ter consciência que é uma atividade que exige uma atenção diária, todos os dias do ano. E no inverno, a atividade é mais difícil pois há que pastorear as ovelhas, ao frio e à chuva. Quem estiver interessado em ser criador de ovinos desta raça, aconselho a contatar a Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa, em Malhadas. Aí, prestamos todas as informações necessárias, tais como onde adquirir animais da raça, como solicitar o pedido de marca de exploração aos serviços de veterinária, etc. Depois de obter a sua marca de exploração já pode iniciar a atividade de pecuária.

“Segundo Andrea Cortinhas existem 6762 ovinos da raça churra galega mirandesa registados, entre a variedade branca e a variedade preta.”

Perfil:

Andrea Cortinhas, nasceu em Miranda do Douro. Licenciou-se em engenharia Zootécnica, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Trabalha na Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa, desde 2015. É também a atual administradora da Churracoop – Cooperativa dos Ovinos Mirandeses, C.R.L.

HA

Entrevista: «É urgente valorizar a carne mirandesa na região onde é produzida» – Engenheiro Nuno Paulo

Entrevista: «Há que valorizar a carne mirandesa na nossa própria região» – Engenheiro Nuno Paulo

O berço da raça bovina mirandesa coincide com a área etnográfica em que se fala o mirandês, a designada Terra de Miranda. Antigamente, esta raça era muito valorizada pela força de trabalho no campo. Hoje é sobretudo apreciada por produzir carne de excecional qualidade. Mas esta qualidade não é devidamente valorizada na nossa própria região, segundo o administrador da Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa.

O engenheiro Nuno Rodrigues Paulo é o administrador da Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa. (HA)

T.M.N.: Antigamente, os animais de raça bovina mirandesa eram muito valorizados pela sua força nos trabalhos agrícolas. Com a mecanização da agricultura houve um decréscimo do número destes animais?

Nuno Rodrigues Paulo: A raça bovina mirandesa foi a que teve maior expressão a nível nacional, havendo registos de 250 mil animais em todo o país. São uma raça dócil no trato e têm uma grande força para os trabalhos agrícolas. É verdade que com a mecanização da agricultura, a raça foi perdendo efetivos. Contudo, estes animais mantêm-se nos seis concelhos que hoje constituem o solar da raça bovina mirandesa: em Miranda do Douro, Mogadouro, Vimioso, Macedo de Cavaleiros, Bragança e Vinhais. Nestes seis concelhos existem atualmente 363 criadores, 4200 vacas e 242 touros. E é aqui, que se produz a Carne Mirandesa qualificada com Denominação de Origem Protegida (DOP).

T.M.N.: O que significa Denominação de Origem Protegida (DOP)?

N.R.P.: A designação DOP é concedida a produtos que correspondem a determinadas caraterísticas e que se submetem a rigorosos sistemas de controlo. Quando se cria uma denominação de origem protegida há que cumprir um conjunto de regras, como são a localização geográfica, as caraterísticas climáticas, o maneio e o saber dos criadores. Por exemplo, os lameiros tradicionais que existem na Terra Fria Transmontana e que servem de pasto aos bovinos, não existem em mais nenhum local do país. Esta e outras caraterísticas delimitam a zona geográfica e determinam a qualidade da carne. É por isso que a carne mirandesa certificada provém dos animais nascidos e criados no solar da raça.

“Os lameiros tradicionais, que existem na Terra Fria Transmontana e que servem de pasto aos bovinos, não existem em mais nenhum local do país.”

T.M.N.: A agricultura no planalto mirandês mudou bastante. Por exemplo, o cultivo de cereais foi substituído pelos olivais e os amendoais. A atividade da pecuária também mudou?

N.R.P.: É verdade que a agricultura e, mais concretamente o cultivo de cereais, mudou por causa da perda de competitividade e da não rentabilidade na sua produção, comparativamente com outras regiões da União Europeia. E a atividade pecuária também mudou. Nas últimas décadas, verificou-se um aumento do número de animais por exploração e passamos do modo de produção tradicional para a produção extensiva. Se antigamente, havia produtores com três e quatro vacas e era muito comum ver os animais a passar no meio das aldeias, hoje isso já não acontece. Atualmente, um produtor que tenha menos de 30 vacas não tem uma atividade rentável. Por razões de competitividade, de organização e de rentabilidade, o que existe é o modo de produção extensivo. Cada produtor tem 70 a 80 vacas, que vivem permanentemente no campo, onde existem infraestruturas ou então árvores que lhes servem de abrigo, contra a chuva, o frio, o calor e o vento. Digamos que se está a aproximar muito mais o animal à natureza.

“Se antigamente, havia produtores com três e quatro vacas e era muito comum ver os animais a passar no meio das aldeias, hoje, isso já não acontece. Um produtor que tenha menos de 30 vacas não tem uma atividade rentável.”

T.M.N.: A pecuária é uma atividade que dá muito trabalho?

N.R.P.: A pecuária é uma atividade que exige uma total disponibilidade dos criadores. Se na agricultura, as pessoas conseguem conciliar essa atividade com outros empregos, na pecuária isso não é possível. Ao criador é-lhe exigida uma atenção e dedicação constante com o bem-estar dos animais.

T.M.N.: Que cuidados se têm na alimentação dos bovinos de raça mirandesa?

N.R.P.: A Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa tem um grande cuidado com a alimentação que se dá aos animais. Refiro, por exemplo, que 70% desta alimentação é produzida na região. E só utilizamos cereais nobres. Na aldeia de Duas Igrejas, existe uma unidade fabril onde se produz alimento à base do trigo e do centeio produzidos na região. Mas há outros cereais, como o milho e a cevada, em que somos obrigados a comprar noutras regiões.

“70% da alimentação dos bovinos mirandeses é produzida na região, E só utilizamos cereais nobres.”

T.M.N.: Perante o abandono dos campos, como se motivam os jovens para a agropecuária?

N.R.P.: Em primeiro lugar, há que adquirir conhecimentos na área – a agropecuária é uma ciência – para depois se investir. E mesmo os investidores têm que pensar bem, antes de enveredar por esta atividade. Porquê? Porque é uma atividade que exige um investimento muito grande. Por exemplo, para constituir uma empresa agropecuária há que reunir 200 a 300 mil euros para comprar os animais, os terrenos, as máquinas agrícolas, para construir as infraestruturas, etc. . Por norma, as pessoas que se dedicam à agropecuária já conhecem o setor. São, por exemplo, os filhos dos criadores, que vão dar continuidade ao trabalho dos pais. Eles já têm o conhecimento, a empresa já está em atividade e não precisam de realizar um investimento tão avultado. Mas para quem pensa construir uma empresa agropecuária de raiz, para além do elevado investimento, tem que enfrentar também a demora em obter rendimento imediato. Só ao 3º ou 4º ano de atividade é que há retorno financeiro. Em suma, o sucesso nesta atividade depende do conhecimento, do investimento e também da conjuntura económica favorável para que o projeto seja sustentável.

“Por norma, as pessoas que se dedicam à agropecuária já conhecem o setor. São, por exemplo, os filhos dos criadores, que vão dar continuidade ao trabalho dos pais. Eles já têm o conhecimento, a empresa já está em atividade e não precisam de realizar um investimento tão avultado.”

T.M.N.: Qual é a missão da Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa, C.R.L.?

N.R.P.: A missão da Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa, C.R.L. consiste em comercializar a produção, prestar serviços aos seus cooperantes e organizar-se. Desde 1996, que a cooperativa é a entidade gestora da marca “Carne Mirandesa”. E a nossa missão consiste em criar estruturas e canais de distribuição para vender os nossos produtos no mercado.

T.M.N.: A carne mirandesa dá origem a que produtos?

N.R.P.: Temos uma gama de produtos muito vasta. Graças à unidade industrial de transformação, localizada em Vimioso, utilizamos vários processos tecnológicos, como são os refrigerados, os congelados e a charcutaria. Na charcutaria apresentamos várias gamas de produtos como carnes verdes, os picados e os transformados. Para escoar estes produtos, estamos presentes em todos os canais de distribuição, quer no âmbito nacional quer internacional. Por exemplo, através do canal horeka comercializamos as chamadas partes nobres da vitela mirandesa como são a posta, a costeleta, etc. e que se destinam maioritariamente para os restaurantes e hotéis. Temos também a nossa gama de charcutaria, com vários produtos, tais como a Alheira Vitela, a Chouriça Tradicional Especial Assar, o Chouriço Mirandês, o Churrasquito Transmontano, o Paté de Fígado e Paté de Fígado c/ Tomilho.

“Através do canal horeka comercializamos as chamadas partes nobres da vitela mirandesa como são a posta, a costeleta, etc. e que se destinam maioritariamente para os restaurantes e hotéis.”

T.M.N.: Quem são os apreciadores da carne mirandesa?

N.R.P.: Como referi a marca “Carne Mirandesa” está presente no mercado nacional e internacional, sendo que a França é um dos nossos principais mercados. Para além da hotelaria e da restauração, também estamos presentes no mercado das grandes superfícies.

T.M.N.: Como se explica a popularidade do prato “Posta Mirandesa”?

N.R.P.: Desde o início do século XIX, quando os bovinos mirandeses foram a raça mais expressiva no país, que a carne é considerada de muito boa qualidade. E de facto, a carne mirandesa tem qualidades excecionais: tem um sabor e uma suculência únicas. A fama da posta mirandesa começou com a vinda de pessoas de outras regiões do país para aqui comprar animais de raça mirandesa. Depois, na década de 1990, a certificação da carne, a valorização da gastronomia e o desenvolvimento do turismo deram a conhecer ainda mais a qualidade desta carne.

“A carne mirandesa tem qualidades excecionais: tem um sabor e uma suculência únicas.”

T.M.N.: A fraude, isto é, o vender carne não certificada como sendo mirandesa prejudica o vosso trabalho?

N.R.P.: Sim, é um problema. No ano 2020, por exemplo, apenas 2,8% das nossas vendas se destinaram para esta região. E isso deixa-me muito triste. É inacreditável, a quantidade de fraude de carne mirandesa que se pratica no próprio solar da raça. Temos conhecimento desta irregularidade através da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que está constantemente a identificar pessoas que cometem essas transgressões. Nos últimos dois anos, houve 68 processos em todo o país de uso indevido da marca “Carne Mirandesa”, alguns dos quais no solar da raça. Por isso, na minha opinião, é urgente uma mudança de paradigma no setor hoteleiro da nossa região. E a comunicação social pode ter um papel preponderante para ajudar a mudar mentalidades e dar valor ao que à qualidade do tradicional. Penso, por exemplo nos turistas que nos visitam e que muitas vezes vêm com a intenção de provar a qualidade da carne mirandesa e no final são enganados.

“No ano 2020, apenas 2,8% das nossas vendas se destinaram para esta região. E isso deixa-me muito triste. É inacreditável, a quantidade de fraude de carne mirandesa que se pratica no próprio solar da raça mirandesa.”

T.M.N.: A pandemia está a afetar a comercialização da carne mirandesa?

N.R.P.: Sim, a pandemia obrigou-nos a adaptarmo-nos às novas circunstâncias. De um dia para o outro, a hotelaria encerrou e as exportações pararam. De 430 clientes ativos, passamos para apenas 19. Atravessámos um período muito mau, que nos obrigou a repensar a estratégia comercial e os canais de distribuição. Em 2020, tivemos que dirigir os nossos produtos para os supermercados, onde conseguimos triplicar as vendas. Hoje, estamos a vender sobretudo para os supermercados. É a nossa forma de escoar a produção, embora a um preço inferior ao praticado antes da pandemia. Se no ano passado, a cooperativa estava a pagar o quilo de carne ao produtor a 5,5 euros, atualmente pagamos o quilo a cinco euros. Com a pandemia a condicionar a nossa atividade, com os restaurantes e hotéis ainda fechados, continuamos a viver na incerteza. Se vamos retomar esses mercados? Estou convencido que sim. Mas não sei dizer quando.

“Em 2020, com o surgimento da pandemia tivemos que dirigir os nossos produtos para os supermercados, onde conseguimos triplicar as vendas.”

Perfil:

Nuno Rodrigues Paulo, nasceu 20/10/1973 e é natural de Picote (Miranda do Douro). Licenciou-se em Engenharia Agronómica – ramo de Zootecnia e concluiu uma Pós-graduação em Higiene e Segurança no Trabalho e Tenologia de Produtos Agroalimentares. Também é mestre em Tecnologia Alimentar. Desde 1996 que trabalha na Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa, C.R.L e em finais de 2010, assumiu a responsabilidade de Assessor do Conselho de Administração e Gestão de Projetos.

HA

Entrevista: «Temos de ser pacientes e resilientes com a atual pandemia»

Entrevista: «Temos de ser pacientes e resilientes com a atual pandemia»

César João é o atual presidente da Associação Comercial e Industrial de Miranda do Douro (ACIMD), sendo também empresário conhece bem as dificuldades que as empresas, sobretudo, as ligadas ao comércio, à restauração e ao turismo estão a enfrentar, devido à atual pandemia.

César João é o atual presidente da Associação Comercial e Industrial de Miranda do Douro (ACIMD)

Em Miranda do Douro, o turismo, o comércio, a restauração e a agropecuária são o suporte económico do concelho. Na indústria realça-se a construção civil, a cutelaria, a tanoaria e o fabrico de fumeiro.

O comércio é o setor que tem o maior número de trabalhadores derivado ao turismo e dada a proximidade com Espanha. Ligado ao turismo está também a atividade artesanal, onde se destacam as colchas feitas nos teares tradicionais ou as gaitas de foles.

Terra de Miranda – Notícias: Desde o início da pandemia, em março passado, a atividade económica em Portugal e a confiança das pessoas registou uma acentuada quebra. Como estão as empresas do concelho de Miranda do Douro a enfrentar a paralisação da economia?

César João: Muitas das empresas do concelho de Miranda do Douro, tal como acontece em todos os concelhos transfronteiriços do país, vive muito da interação com a vizinha Espanha. Com a atual pandemia, o medo está a impedir a afluência de espanhóis e de turistas aos comércios e restaurantes da cidade, e por isso, a situação é arrasadora. Para enfrentar esta situação, as empresas estão a conter os custos ao máximo e procuram rentabilizar as poucas vendas que realizam. Em suma, as empresas estão a procurar sobreviver.

2- Quais são os setores de atividade mais afetados?

C.J.: Nesta tradicional época natalícia, o comércio e a restauração costumavam ser os setores mais procurados. No entanto, com atual pandemia, estes vão ser também os setores mais afetados e temo que vai ser um Natal muito pobre em termos comerciais. Neste momento é desolador dar uma volta pela cidade de Miranda do Douro e não encontrar ninguém. Também o setor da restauração, tão procurado e apreciado pelos visitantes e turistas, com a atual pandemia viu-se obrigado a fechar portas ou a suspender temporariamente a atividade. Faço votos de que este interregno ou passo atrás, seja tão só um momento que antecede os muitos passos em frente que se vão dar no futuro.

T.M.N.: Por vezes, estas situações de crise económica exigem novas respostas e apelam à criatividade. Que novos negócios e/ou produtos têm surgido desta situação?

C.J.: Surgiu, por exemplo, o jornal digital local Terra de Miranda – Notícias, que está na sua fase de arranque e pretende ser um órgão de informação local, generalista, e um meio de promoção da identidade cultural da Terra de Miranda, e para o qual desejo os maiores sucessos profissionais. Tenho conhecimento deste projeto e espero que continuem a surgir outros.

Com a construção das barragens de Picote e Miranda, na década de 1950, a região desenvolve-se e a cidade emerge como um ponto comercial, que ainda hoje se mantém. Muitos são os espanhóis que atravessam frequentemente a fronteira em busca dos têxteis, calçado, ourivesaria, da gastronomia mirandeses e das peças de artesanato tradicionais como as colchas feitas nos teares tradicionais, tecidos de Saragoça e Buréis, bordados, gaitas de foles, flautas, castanholas e rocas são alguns dos produtos artesanais característicos da região e com admiradores em todo o país.

T.M.N.: Miranda do Douro continua a ser um centro comercial para os espanhóis. Com atual pandemia e, as restrições à circulação, os espanhóis deixaram de vir a Miranda do Douro?

C.J.: O medo está a impedir os espanhóis de visitar Miranda do Douro. Na verdade, as fronteiras com Espanha continuam abertas. Mas existe uma campanha de desinformação, por parte dos meios de comunicação espanhóis, que dizem às pessoas que as fronteiras entre as comunidades internas estão fechadas, mas esquecem-se de dizer que as fronteiras com Portugal permanecem abertas. Trata-se, portanto, de uma comunicação enviesada, o que faz com que os espanhóis não venham a Miranda do Douro.

O desenvolvimento transfronteiriço

T.M.N.: Na recente cimeira luso-espanhola, os governos de ambos os países, definiram um conjunto de medidas para desenvolver estas regiões transfronteiriças, consideradas das menos desenvolvidas da Europa. Na sua opinião, que medidas são mais necessárias para desenvolver estas regiões de fronteira?

C.J.: As regiões de fronteira, quer do lado português, quer do lado espanhol, sofrem dos mesmos problemas, sendo que o mais grave é o despovoamento destas terras. E as causas que levaram (e continuam a levar) ao despovoamento são o desinvestimento dos governos, português e espanhol, nestas regiões periféricas. Quando se centralizam todos os investimentos no litoral, as pessoas, obviamente, vão para onde há melhores condições de vida. Sobre as decisões tomadas na recente cimeira luso-espanhola, por exemplo, a promessa de conclusão do IC5 até à fronteira, com o objetivo de dinamizar toda esta a região transfronteiriça, aguardo com expetativa o cumprimento dessas promessas. Mas, tal como os alcaides espanhóis, adianto que não estou muito otimista. Estou como São Tomé: quero ver para crer.

T.M.N.: E ao nível local que cooperação transfronteiriça existe?

C.J.: Ao nível das instituições locais sempre tivemos boas relações com as autoridades administrativas espanholas. No âmbito associativo, por exemplo, há conversas regulares e há cooperação entre nós. No entanto, continuamos incapazes de vencer os problemas comuns que nos assolam. E a nossa capacidade reivindicativa junto dos governos centrais simplesmente não é atendida. Não somos ouvidos.


A Estação Biológica Internacional é um empreendimento turístico com vocação ecológica. (flickr)

T.M.N.: Os cruzeiros ambientais que se realizam no rio Douro são um ótimo exemplo de cooperação transfronteiriça.  Estes cruzeiros atraem o interesse de milhares de turistas, pois para além do passeio de barco permitem conhecer a geologia do vale escarpado do Douro, a fauna e a flora. Tal como este, que outros bons exemplos de cooperação transfronteiriça existem nesta região?

C.J.: O Cruzeiro ambiental Douro-Duero é um excelente exemplo de cooperação transfronteiriça e gostaria que houvesse mais projetos como este. Trata-se de uma cooperação entre empresários espanhóis e portugueses. E pela minha experiência entendo que os empresários têm um sentido de oportunidade mais apurado do que as instituições. Ou seja, a cooperação empresarial é sempre mais fácil do que a cooperação institucional. Também ao nível associativo a cooperação transfronteiriça não é a ideal, dado que os nossos recursos humanos não têm disponibilidade para se dedicaram por inteiro às associações comerciais, o que leva a que vivamos um pouco adormecidos. Ainda assim, no âmbito da cooperação entre as associações comerciais e empresariais transfronteiriças, temos alguns acordos programados, e assim que a pandemia nos deixar, esperamos pela oportunidade para os implementar.

T.M.N.: O concelho de Miranda do Douro tem uma área privilegiada para a agricultura. No entanto, desde 1970 tem-se registado uma diminuição sucessiva da população ativa no setor agrícola. Há empresas do setor agropecuário na ACIMD?

C.J.: Os associados da Associação Comercial e Industrial do concelho de Miranda do Douro (ACIMD) são sobretudo empresas ligadas ao comércio. No que concerne aos agricultores, estão agrupados em associações específicas desse sector. Ainda assim, destaco que o setor agropecuário é muito importante na economia do concelho de Miranda do Douro. À riqueza histórica, cultural, etnográfica, gastronómica, ambiental e turística junta-se também a riqueza da agricultura e da pecuária, com destaque para as raças autóctones, como são os bovinos de raça mirandesa, os ovinos de raça churra mirandesa e os asininos de raça mirandesa. Tudo isto, dá muito dinamismo à economia do nosso concelho. No entanto, precisamos de gente nova para explorar ainda mais o setor agropecuário.

T.M.N.: Outro dos problemas desta região, é a dificuldade dos produtores em comercializarem os seus produtos. O que se pode fazer para ajudar os produtores nesta tarefa?

C.J.: Começo por dizer que os nossos produtos, como a carne, o azeite, o vinho, o fumeiro, os frutos e legumes, etc., têm uma qualidade de excelência. No entanto, a maioria dos produtores produzem pequenas quantidades. E há uma grande resistência dos pequenos produtores para se juntarem em associações. Felizmente, ainda temos bons exemplos no concelho de Miranda do Douro, como são a associação de criadores de raça bovina mirandesa, ou a Sendindense – Cooperativa Olivícola, ou ainda a Cooperativa Agrícola Ribadouro.  Nestas associações, os produtores conseguiram agrupar-se para assim comercializar melhor a carne, o azeite e o vinho. Relativamente a outros produtos, como por exemplo, a bola doce mirandesa, o fumeiro, a raça ovina, a castanha, etc., têm sido feitas várias tentativas para agrupar os produtores, mas não temos conseguido. Porquê? Por uma questão cultural, por receio, por desconfiança. Contudo, eu tenho esperança de que mais associações vão surgir, pois as pessoas quando se juntam têm mais força, e assim poderão comercializar e rentabilizar melhor os seus produtos.

T.M.N.: A Associação Comercial e Industrial do Concelho de Miranda do Douro (ACIMD), tem divulgado várias medidas de apoio aos empresários locais para os ajudar a enfrentar as dificuldades provocadas pela paralisação da economia. Que outras medidas de apoio existem?

C.J.: Infelizmente, muitas das medidas anunciadas pelo governo são escassas, inadequadas ou chegam tarde. Ainda assim, neste momento existem duas medidas que são: o programa Apoiar.pt e a Redução do período normal de trabalho. São dois apoios importantes para as empresas, mas insuficientes. Na minha opinião são necessárias mais medidas de apoio às empresas para que estas possam sobreviver à atual paralisação da economia.

O Programa Apoiar.pt

O Programa Apoiar.pt vai financiar empresas da restauração, comércio e cultura, que sofreram quebras de faturação superiores a 25% nos primeiros 9 meses do ano. Em causa estão compensações a fundo perdido, que podem ir até 7500 euros no caso das microempresas e até 40 mil euros no caso das pequenas empresas. Os estabelecimentos que estão encerrados desde março, com é o caso dos bares e discotecas, terão majorações de 50% que elevam os limites dos subsídios para 11 250 euros no caso das microempresas e para 60 mil euros no caso das pequenas empresas.

As empresas beneficiárias têm de ter situação líquida positiva a 31 de dezembro de 2019, e não podem distribuir dividendos aos sócios, promover despedimentos coletivos ou extinguir postos de trabalho por motivos económicos.

No total, são 750 milhões de euros de subsídios a fundo perdido para micro e pequenas empresas dos setores mais afetados pela crise, de setores como comércio, cultura, alojamento e atividades turísticas e restauração, com quebras de faturação superiores a 25% registadas nos primeiros nove meses de 2020 e que tenham a situação fiscal e contributiva regularizada. As candidaturas são submetidas online, através do Balcão Portugal 2020.

Já pode registar a sua empresa ou organização no Balcão Portugal 2020, se pretender requerer este novo apoio dirigido às micro e pequenas empresas dos setores mais afetadas pela pandemia COVID-19.

T.M.N.: Nesta época natalícia estão a surgir iniciativas para apoiar os produtores e as empresas locais. Que mensagem gostaria de transmitir aos mirandeses para fazerem as compras de Natal no comércio local?

C.J.: Neste Natal, é difícil dar uma mensagem de ânimo às pessoas. Há um vírus que continua a condicionar a vida de toda a gente. As empresas estão a atravessar sérias dificuldades. Às pessoas é-lhes dito para ficarem em casa. O que posso dizer às pessoas é que sejam pacientes e resilientes. Ao que parece a vacina está a chegar, para podermos regressar à rua e voltar a dinamizar a economia local.

HA

Economia: “Merc@do de Sabores e Saberes Mirandeses” apela às compras no comércio tradicional

Economia: “Merc@do de Sabores e Saberes Mirandeses” apela às compras no comércio tradicional

Nesta época natalícia ainda envolta pelo medo da pandemia estão a surgir vários apelos e iniciatrivas à compra no comércio tradicional, para apoiar os produtores e os comerciantes locais que estão a ser afetados pela paralisação da economia.

Em Miranda do Douro, está a decorrer uma campanha de sensibilização através da plataforma de comércio eletrónico “Merc@do de Sabores e Saberes Mirandeses”, apelando à compra dos produtos caraterísticos da região.

Para tal, basta aceder ao site: https://mercadosaboresesaberesmirandeses.pt/ e procurar o que deseja para este Natal. O “Merc@do de Sabores e Saberes Mirandeses” proporciona-lhe uma oferta variada de produtos tradicionais tais como alheiras, chouriços, queijos, azeite, compotas, vinho, legumes secos, frutos secos, bola doce, folar, roscos, licores e aguardentes. Nesta plataforma eletrónica é também possível adquirir o artesanato local, como peças feitas em burel, cutelaria, ferro forjado, instrumentos musicais tradicionais e trabalhos em madeira.

O “Merc@do de Sabores e Saberes Mirandeses” é uma plataforma de comércio eletrónico que nasce da iniciativa conjunta do Município de Miranda do Douro, em colaboração com a ACIMD – Associação Comercial e Industrial de Miranda do Douro e a associação Sabores de Miranda – Associação de Produtores Gastronómicos das Terras de Miranda.

HA

Economia: Redução da taxa de IVA é vista como um incentivo à produção de produtos locais

Economia: Redução da taxa de IVA é vista como um incentivo à produção local

A Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás os Montes (CIM-TTM) defende a redução da taxa de IVA para 6% para os produtos transformados a partir de frutos e carnes características do território, informou aquela entidade.

O fabrico de fumeiro é uma das atividades económicas mais caraterísticas no nordeste transmontano. (flickr)

“À semelhança do que o Governo pretende para a castanha e frutos vermelhos, com a redução da taxa de IVA para comercialização destes frutos congelados, a CIM entende que a comercialização de frutos de casca rija transformados (moídos, triturados, laminados, ou em outros formatos) devem ser alvo da mesma descriminação positiva, com a aplicação da taxa de IVA a 6%”, informou, em comunicado, a CIM-TTM, presidida pelo socialista Artur Nunes.

A incidência da redução do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) é um pedido feito ao Governo pela CIM-TTM para produtos pecuários e frutos com Denominação de Origem Protegida (DOP) e Indicação Geográfica Protegida (IGP).

“Este é o caso da amêndoa, nozes, avelãs e também da castanha e dos seus subprodutos. O mesmo regime de IVA deve abranger também o fumeiro Indicação Geográfica Protegida (IGP) do território nordestino”, revela também o comunicado.

Como forma de estimular o consumo e dinamizar um setor que se tem assumido como vital para a economia deste território de baixa densidade, a CIM das Terras de Trás-os-Montes pretende também ver reduzida a taxa de IVA a aplicar aos produtos fumados (porco, vitela ou outro).

“Neste caso defende-se a aplicação da taxa intermédia de 16%”, concretiza.

Na área da CIM das Terras de Trás-os-Montes existem 23 produtos DOP e IGP, a maior parte destes, com exceção do fumeiro, beneficia da taxa reduzida de IVA.

“No entanto, o problema prende-se com aquilo que é entendido como a transformação de alguns produtos. Por exemplo: o miolo de amêndoa tem IVA à taxa de 6%, enquanto a amêndoa triturada ou laminada já tem um IVA de 23%”, justifica o documento enviado à Lusa.

Situação semelhante, no entender da CIM trasmontana, pode aplicar-se à charcutaria produzida a partir de raças autóctones do território, a carne beneficia da taxa reduzida, ao produto processado aplica-se a taxa máxima.

Segundo a CIM-TTM esta matéria deveria ser alvo de uma revisão, que no entender do Conselho Intermunicipal daquele organismos que é composto por nove municípios do distrito de Bragança, “a redução da taxa de IVA é entendida como um incentivo à produção, comercialização e consumo deste tipo de produtos, contribuindo para a dinamização da economia local e manutenção e valorização de culturas e produções tradicionais”.

“Numa altura de crise como a que estamos a atravessar, com os produtores a encontrarem dificuldades acrescidas para o escoamento dos produtos assumiria especial importância”, justifica a CIM-TTM.

Lusa | HA

Agricultura: “O sonho de voltar à terra”

Reportagem:

Agricultura: “Produtores de castanha enfrentam dificuldades na venda da sua colheita”

A castanha deste ano é de boa qualidade, no entanto, com a atual pandemia e o cancelamento das feiras, os produtores estão e enfrentar dificuldades inesperadas na venda e escoamento das suas colheitas a um preço justo.

Ilídio Fernandes (ao centro) com os pais, Bárbara e António Fernandes. (HA)

A tradição familiar

Ao longo de duas a três semanas, Ilídio Fernandes acorda diariamente às 5h30 da manhã, para viajar de Miranda do Douro, até à aldeia raiana, de São Marinho de Angueira. Aí chegado, toma o pequeno-almoço com os pais, António e Bárbara Fernandes, e é em família que começam o trabalho da apanha da castanha, às 7h00 da manhã. Este ano, e por causa da atual pandemia, são apenas três pessoas a realizar o trabalho. Habitualmente, também vem esposa, Sofia, o filho, Francisco, e a irmã, Vera, com os sobrinhos. O trabalho da apanha da castanha não é difícil, basta usar umas luvas, de preferência industriais porque são mais resistentes para abrir os ouriços. O mais difícil é, segundo o Ilídio, andar curvado oito horas por dia, a apanhar as castanhas do chão. O jovem agricultor graceja com esta dificuldade dizendo que ao final do dia basta tomar um comprimido “ben-u-ron” para as dores de costas. Se essa é uma dificuldade, por outro lado, o trabalho da apanha da castanha acaba por ser também um bom motivo para praticar exercício físico. “É um ginásio! Todos os anos, no final da colheita emagreço sempre quatro a cinco quilos” – assegura, Ilídio.

A apanha da castanha

Para quem não sabe, a apanha da castanha acontece de modo diferente da colheita da amêndoa ou da azeitona, onde se utilizam varejadores. O mesmo não acontece com a castanha, pois há que esperar que caia do castanheiro. E há anos em que a castanha amadurece e cai de uma só vez. Como há também outros anos, em que as castanhas, consoante a sua variedade, amadurecem mais tarde e por isso também tardam mais tempo em cair para o chão. Por vezes, a apanha da castanha prolonga-se por várias semanas, como está a acontecer neste ano. E quando assim acontece, Ilídio e os pais, têm que dar a volta ao souto diariamente para apanhar as castanhas que vão caindo, caso contrário, vêm uns “intrusos” chamados javalis (ou outros!) e comem as castanhas. De acordo, com IIídio Fernandes, a colheita deste ano é de boa qualidade, embora, o calibre seja ligeiramente inferior ao do ano passado. Segundo o jovem produtor, a qualidade da castanha vê-se sobretudo pelo sabor e não só pelo calibre. E entre as várias variedades de castanha, as mais saborosas, são, segundo Ilídio, a “longal” e a “martaínha”.

A pandemia e o cancelamento das feiras da castanha

Com a atual pandemia e o cancelamento das feiras dedicadas à comercialização da castanha, como são as feiras de Carrazeda de Montenegro ou de Bragança, os produtores estão a enfrentar dificuldades inesperadas no escoamento da castanha a um preço justo. Apesar desta contrariedade, Ilídio Fernandes diz que está a conseguir escoar a produção, mas o grande problema é mesmo o preço. E justifica assim a sua insatisfação: “Eu passo todo o dia a apanhar castanhas e ao final da jornada, já de noite, carrego os sacos na carrinha e viajo 100 km, ida e volta até Bragança. Chegado à fábrica, tenho de esperar algumas horas na fila para ser atendido e entregar a minha produção. Depois regresso a casa já noite dentro. E poucas horas depois, tenho que voltar à apanha da castanha. É por isso, que o preço da castanha tem que refletir e compensar todo este trabalho”, reivindica. Para obter um preço mais justo, o jovem agricultor diz que tem procurado vender a sua produção para vários sítios e ao melhor preço possível. Revela, por exemplo, que tem recorrido aos contatos obtidos em feiras e formações agrícolas para escoar a sua produção. “Recentemente, veio uma pessoa das Caldas da Rainha, comprar castanhas para vender no mercado biológico”, disse.

A cadeia de comercialização da castanha

Este ano, Ilídio Fernandes afirma que já vendeu o quilo de castanhas a 2, 20 euros. Mas diz também que o preço da castanha varia muito: “Por vezes, o quilo de castanhas começa a 1,50 euros, e depois vai baixando para 1,30, 1,20 euros, etc.”. O jovem produtor explica que a cadeia de comercialização da castanha, até chegar ao consumidor final passa por vários intervenientes: “A castanha sai do produtor a 1,20, 1,30, 1,50 euros. O ajuntador, ou seja, as pessoas que vão às aldeias recolher as produções ganham entre 0,20 cêntimos a 0,50 cêntimos por quilo de castanhas e depois vendem-nas às fábricas. Estas, por sua vez, vendem-nas aos supermercados a 3,5 euros ou quatro euros/quilo. E os supermercados vendem o quilo de castanhas ao público por cinco euros”.

A necessidade duma associação de produtores

Ilídio Fernandes lamenta a não existência na Terra de Miranda de uma associação de produtores de castanha. “Aqui é cada um para si”, diz com algum pesar. E dá o exemplo da associação que existe Carrazedo de Montenegro, no distrito vizinho de Vila Real, onde há uma associação de produtores de castanha que funciona bem. “Aí, os produtores de castanha são obrigados a vender à associação a quase totalidade da sua produção para ganharem escala. A existir uma associação de produtores de castanha nesta nossa região, o ideal seria uma associação entre concelhos, por exemplo, entre os concelhos de Miranda do Douro e Vimioso”. Para o jovem agricultor, uma associação deste género poderia armazenar, para além da castanha, outras culturas como a avelã, etc.. Ilídio Fernandes diz mesmo que, em São Martinho de Angueira, existem as condições ideais para criar uma associação agrícola, pois à entrada da aldeia existe o antigo celeiro, que é um armazém grande, e que até tem uma balança de pesagem.  “Portanto, era só reutilizar este espaço! E até há projetos para organizar associações de produtores.”, diz com entusiasmo.

O sonho de voltar à terra

Se pudesse escolher entre trabalhar na Terra de Miranda ou no Porto, Ilídio Fernandes, diz sem hesitar, que escolheria regressar ao campo. No entanto, a decisão continua adiada, porque o trabalho no Porto garante-lhe um salário que é fixo, enquanto que o salário que obtém da agricultura é variável. “Há anos em que o rendimento da agricultura é bom e há outros em que o rendimento é inferior”, diz. Para se instalar no interior do país, o jovem agricultor adianta que teria que diversificar a produção agrícola. Para além da produção de castanha, teria, por exemplo, de aumentar a área de produção da avelã ou introduzir outras culturas. E a produção de novas culturas exige sempre um estudo e conhecimento prévio, bem como a visita a plantações e o aconselhamento com outros produtores. Enquanto este sonho vai ganhando forma, Ilídio Fernandes, continua a viver e a trabalhar no Porto. Aos fins-de-semana e nas férias regressa a São Martinho de Angueira, e na companhia dos pais, António e Bárbara, continuam a dedicar-se ao cultivo da terra (de Miranda).

HA

Alcides Meirinhos, natural da aldeia de Cicouro, é licenciado em Comércio Internacional e trabalhou para a Recer, S.A., como responsável pela expedição da logística dos produtos cerâmicos. Este especialista referiu que os produtores de castanha da Terra de Miranda precisam de que as cadeias logísticas funcionem bem para obterem um melhor rendimento com as suas colheitas. No caso da castanha, Alcides Meirinhos diz que “a castanha não tem um circuito de comercialização oleado”. Porquê? Porque o maior lucro fica nos intermediários, quando devia ficar nos produtores de castanha. É por esta razão, que Alcides Meirinhos, especialista em Cadeias logísticas e armazenagem, defende que as cadeias logísticas são fundamentais: “porque na relação entre consumidor e produtor, quanto maior for o número de intermediários, maior será mudança de preço. Daí que seja importante diminuir o número de intermediários”, afirma.

Por outro lado, Alcides Meirinhos, diz que o problema está na desconfiança entre as pessoas: “nesta região, toda a gente desconfia de toda a gente. E diz assim: ‘Tu estás a enriquecer com a minha castanha. Pois não hás de enriquecer. Vou vender a minha castanha aos de fora.’ Para vencer esta desconfiança e para que haja uma melhor distribuição dos lucros da castanha, Alcides Meirinhos sugere a criação de uma cooperativa: “Imagine-se fazer uma cooperativa para a castanha. Em vez dos produtores venderem a castanha a 1 euro/quilo como está a acontecer, e nos supermercados é vendida a 4 ou a 5 euros/ quilo ao consumidor. Ora se esta mesma castanha, nos supermercados está à venda a 4 e 5 euros/quilo, isso significa que no mínimo 50% do lucro vai para os intermediários. E isso é um exagero!”, critica.

Alcides Meirinhos aconselha também os produtores de castanha a investirem na mecanização da apanha da castanha e justifica dizendo: “Uma pessoa apanha manualmente 100 quilos de castanha, por dia. Eventualmente, se as castanhas estiverem muito juntas, poderá apanhar 200 quilos. Agora, se a apanha da castanha for mecanizada apanham-se 700 quilos por dia!”, assegura. De acordo, com o especialista em logística e armazenamento, a partir do momento em que se criam economias de escala, o lucro fica na localidade. “E isso a médio prazo vai trazer investimento”, assegura. Acrescenta depois que no interior do país, o que mais se necessita é de investimento. “É como numa empresa, se não houver investimento, ela vai-se deteriorando. Ou é como numa casa ou moradia, ela necessita constantemente de obras.” Alcides Meirinhos conclui dizendo que para desenvolver as regiões do interior de Portugal, tem que haver muito investimento e muita resiliência das pessoas.