Reportagem:

Agricultura: “Produtores de castanha enfrentam dificuldades na venda da sua colheita”

A castanha deste ano é de boa qualidade, no entanto, com a atual pandemia e o cancelamento das feiras, os produtores estão e enfrentar dificuldades inesperadas na venda e escoamento das suas colheitas a um preço justo.

Ilídio Fernandes (ao centro) com os pais, Bárbara e António Fernandes. (HA)

A tradição familiar

Ao longo de duas a três semanas, Ilídio Fernandes acorda diariamente às 5h30 da manhã, para viajar de Miranda do Douro, até à aldeia raiana, de São Marinho de Angueira. Aí chegado, toma o pequeno-almoço com os pais, António e Bárbara Fernandes, e é em família que começam o trabalho da apanha da castanha, às 7h00 da manhã. Este ano, e por causa da atual pandemia, são apenas três pessoas a realizar o trabalho. Habitualmente, também vem esposa, Sofia, o filho, Francisco, e a irmã, Vera, com os sobrinhos. O trabalho da apanha da castanha não é difícil, basta usar umas luvas, de preferência industriais porque são mais resistentes para abrir os ouriços. O mais difícil é, segundo o Ilídio, andar curvado oito horas por dia, a apanhar as castanhas do chão. O jovem agricultor graceja com esta dificuldade dizendo que ao final do dia basta tomar um comprimido “ben-u-ron” para as dores de costas. Se essa é uma dificuldade, por outro lado, o trabalho da apanha da castanha acaba por ser também um bom motivo para praticar exercício físico. “É um ginásio! Todos os anos, no final da colheita emagreço sempre quatro a cinco quilos” – assegura, Ilídio.

A apanha da castanha

Para quem não sabe, a apanha da castanha acontece de modo diferente da colheita da amêndoa ou da azeitona, onde se utilizam varejadores. O mesmo não acontece com a castanha, pois há que esperar que caia do castanheiro. E há anos em que a castanha amadurece e cai de uma só vez. Como há também outros anos, em que as castanhas, consoante a sua variedade, amadurecem mais tarde e por isso também tardam mais tempo em cair para o chão. Por vezes, a apanha da castanha prolonga-se por várias semanas, como está a acontecer neste ano. E quando assim acontece, Ilídio e os pais, têm que dar a volta ao souto diariamente para apanhar as castanhas que vão caindo, caso contrário, vêm uns “intrusos” chamados javalis (ou outros!) e comem as castanhas. De acordo, com IIídio Fernandes, a colheita deste ano é de boa qualidade, embora, o calibre seja ligeiramente inferior ao do ano passado. Segundo o jovem produtor, a qualidade da castanha vê-se sobretudo pelo sabor e não só pelo calibre. E entre as várias variedades de castanha, as mais saborosas, são, segundo Ilídio, a “longal” e a “martaínha”.

A pandemia e o cancelamento das feiras da castanha

Com a atual pandemia e o cancelamento das feiras dedicadas à comercialização da castanha, como são as feiras de Carrazeda de Montenegro ou de Bragança, os produtores estão a enfrentar dificuldades inesperadas no escoamento da castanha a um preço justo. Apesar desta contrariedade, Ilídio Fernandes diz que está a conseguir escoar a produção, mas o grande problema é mesmo o preço. E justifica assim a sua insatisfação: “Eu passo todo o dia a apanhar castanhas e ao final da jornada, já de noite, carrego os sacos na carrinha e viajo 100 km, ida e volta até Bragança. Chegado à fábrica, tenho de esperar algumas horas na fila para ser atendido e entregar a minha produção. Depois regresso a casa já noite dentro. E poucas horas depois, tenho que voltar à apanha da castanha. É por isso, que o preço da castanha tem que refletir e compensar todo este trabalho”, reivindica. Para obter um preço mais justo, o jovem agricultor diz que tem procurado vender a sua produção para vários sítios e ao melhor preço possível. Revela, por exemplo, que tem recorrido aos contatos obtidos em feiras e formações agrícolas para escoar a sua produção. “Recentemente, veio uma pessoa das Caldas da Rainha, comprar castanhas para vender no mercado biológico”, disse.

A cadeia de comercialização da castanha

Este ano, Ilídio Fernandes afirma que já vendeu o quilo de castanhas a 2, 20 euros. Mas diz também que o preço da castanha varia muito: “Por vezes, o quilo de castanhas começa a 1,50 euros, e depois vai baixando para 1,30, 1,20 euros, etc.”. O jovem produtor explica que a cadeia de comercialização da castanha, até chegar ao consumidor final passa por vários intervenientes: “A castanha sai do produtor a 1,20, 1,30, 1,50 euros. O ajuntador, ou seja, as pessoas que vão às aldeias recolher as produções ganham entre 0,20 cêntimos a 0,50 cêntimos por quilo de castanhas e depois vendem-nas às fábricas. Estas, por sua vez, vendem-nas aos supermercados a 3,5 euros ou quatro euros/quilo. E os supermercados vendem o quilo de castanhas ao público por cinco euros”.

A necessidade duma associação de produtores

Ilídio Fernandes lamenta a não existência na Terra de Miranda de uma associação de produtores de castanha. “Aqui é cada um para si”, diz com algum pesar. E dá o exemplo da associação que existe Carrazedo de Montenegro, no distrito vizinho de Vila Real, onde há uma associação de produtores de castanha que funciona bem. “Aí, os produtores de castanha são obrigados a vender à associação a quase totalidade da sua produção para ganharem escala. A existir uma associação de produtores de castanha nesta nossa região, o ideal seria uma associação entre concelhos, por exemplo, entre os concelhos de Miranda do Douro e Vimioso”. Para o jovem agricultor, uma associação deste género poderia armazenar, para além da castanha, outras culturas como a avelã, etc.. Ilídio Fernandes diz mesmo que, em São Martinho de Angueira, existem as condições ideais para criar uma associação agrícola, pois à entrada da aldeia existe o antigo celeiro, que é um armazém grande, e que até tem uma balança de pesagem.  “Portanto, era só reutilizar este espaço! E até há projetos para organizar associações de produtores.”, diz com entusiasmo.

O sonho de voltar à terra

Se pudesse escolher entre trabalhar na Terra de Miranda ou no Porto, Ilídio Fernandes, diz sem hesitar, que escolheria regressar ao campo. No entanto, a decisão continua adiada, porque o trabalho no Porto garante-lhe um salário que é fixo, enquanto que o salário que obtém da agricultura é variável. “Há anos em que o rendimento da agricultura é bom e há outros em que o rendimento é inferior”, diz. Para se instalar no interior do país, o jovem agricultor adianta que teria que diversificar a produção agrícola. Para além da produção de castanha, teria, por exemplo, de aumentar a área de produção da avelã ou introduzir outras culturas. E a produção de novas culturas exige sempre um estudo e conhecimento prévio, bem como a visita a plantações e o aconselhamento com outros produtores. Enquanto este sonho vai ganhando forma, Ilídio Fernandes, continua a viver e a trabalhar no Porto. Aos fins-de-semana e nas férias regressa a São Martinho de Angueira, e na companhia dos pais, António e Bárbara, continuam a dedicar-se ao cultivo da terra (de Miranda).

HA

Alcides Meirinhos, natural da aldeia de Cicouro, é licenciado em Comércio Internacional e trabalhou para a Recer, S.A., como responsável pela expedição da logística dos produtos cerâmicos. Este especialista referiu que os produtores de castanha da Terra de Miranda precisam de que as cadeias logísticas funcionem bem para obterem um melhor rendimento com as suas colheitas. No caso da castanha, Alcides Meirinhos diz que “a castanha não tem um circuito de comercialização oleado”. Porquê? Porque o maior lucro fica nos intermediários, quando devia ficar nos produtores de castanha. É por esta razão, que Alcides Meirinhos, especialista em Cadeias logísticas e armazenagem, defende que as cadeias logísticas são fundamentais: “porque na relação entre consumidor e produtor, quanto maior for o número de intermediários, maior será mudança de preço. Daí que seja importante diminuir o número de intermediários”, afirma.

Por outro lado, Alcides Meirinhos, diz que o problema está na desconfiança entre as pessoas: “nesta região, toda a gente desconfia de toda a gente. E diz assim: ‘Tu estás a enriquecer com a minha castanha. Pois não hás de enriquecer. Vou vender a minha castanha aos de fora.’ Para vencer esta desconfiança e para que haja uma melhor distribuição dos lucros da castanha, Alcides Meirinhos sugere a criação de uma cooperativa: “Imagine-se fazer uma cooperativa para a castanha. Em vez dos produtores venderem a castanha a 1 euro/quilo como está a acontecer, e nos supermercados é vendida a 4 ou a 5 euros/ quilo ao consumidor. Ora se esta mesma castanha, nos supermercados está à venda a 4 e 5 euros/quilo, isso significa que no mínimo 50% do lucro vai para os intermediários. E isso é um exagero!”, critica.

Alcides Meirinhos aconselha também os produtores de castanha a investirem na mecanização da apanha da castanha e justifica dizendo: “Uma pessoa apanha manualmente 100 quilos de castanha, por dia. Eventualmente, se as castanhas estiverem muito juntas, poderá apanhar 200 quilos. Agora, se a apanha da castanha for mecanizada apanham-se 700 quilos por dia!”, assegura. De acordo, com o especialista em logística e armazenamento, a partir do momento em que se criam economias de escala, o lucro fica na localidade. “E isso a médio prazo vai trazer investimento”, assegura. Acrescenta depois que no interior do país, o que mais se necessita é de investimento. “É como numa empresa, se não houver investimento, ela vai-se deteriorando. Ou é como numa casa ou moradia, ela necessita constantemente de obras.” Alcides Meirinhos conclui dizendo que para desenvolver as regiões do interior de Portugal, tem que haver muito investimento e muita resiliência das pessoas.

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