Entrevista: “O povo transmontano é hospitaleiro, resiliente e perseverante” – Dom Nuno Almeida

Na recente visita a Miranda do Douro, para presidir à solenidade da Epifania do Senhor e festa do Menino Jesus da Cartolinha, no dia 7 de janeiro, o Bispo de Bragança-Miranda, Dom Nuno Almeida, concedeu uma entrevista na qual abordou o problema do despovoamento na região, elogiou a identidade e a cultura do povo transmontano e destacou a importância da escuta, do diálogo e da formação bíblica nas comunidades.

Terra de Miranda – Notícias: Dom Nuno Almeida tomou posse como bispo da diocese de Bragança-Miranda no dia 25 de junho de 2023. Percorrido meio ano por terras transmontanas, que realidade encontrou? É uma realidade muito diferente da arquidiocese de Braga?

Dom Nuno Almeida: Sim, a realidade de Trás-os-Montes é muito diferente da região do Minho, sobretudo na densidade populacional. No âmbito da diocese, a primeira grande diferença é a vastidão geográfica que carateriza o território transmontano. E aqui a população está mais envelhecida e há uma maior dificuldade em fixar os jovens. Por outro lado, ao longo destes meses comecei a descobrir a identidade e a cultura do povo transmontano, recheada de muitos valores humanos, que são uma enorme riqueza, a começar pela hospitalidade, a resiliência e a perseverança. No âmbito espiritual, constato que há uma vivência de fé que se entrelaça com a cultura e que é necessário valorizar e dar a conhecer.

“Comecei a descobrir a identidade e a cultura do povo transmontano, recheada de muitos valores humanos, que são uma enorme riqueza, a começar pela hospitalidade, a resiliência e a perseverança.”

T.M.N.: Esse entrelaçar da fé com a cultura é bem evidente nas expressões culturais mirandesas?

D.N.A.: Sim, em Miranda do Douro há tradições muito enraizadas. As danças dos pauliteiros são disso exemplo e são uma expressão da alma desta gente.

T.M.N.: Na abertura do novo ano litúrgico pastoral, Dom Nuno Almeida afirmou que pretende visitar e acompanhar todas as comunidades da diocese. Como se propõe visitar estas comunidades tão dispersas?

D.N.A.: Faz parte da missão do bispo diocesano visitar as comunidades, com a chamada visita pastoral, a visita do pastor. No fundo, pretendo aproximar-me das pessoas e ouvir os seus anseios e necessidades. Ao mesmo tempo, com a visita pastoral pretendo dar visibilidade às coisas belas que existem na diocese e procurar soluções para os problemas.

“Com a visita pastoral pretendo dar visibilidade às coisas belas que existem na diocese e procurar soluções para os problemas.”

T.M.N.: Segundo o censos de 2021, viviam neste território 122 mil habitantes. No entanto, a Diocese de Bragança-Miranda é a quarta mais extensa do país, com 6599 quilómetros quadrados, onde existem 321 paróquias e mais de 600 comunidades. Um dos problemas na diocese é a diminuição significativa do número de párocos?

D.N.A.: Sim, atualmente existem apenas 43 párocos em toda a diocese de Bragança-Miranda. Quando há 30 anos atrás, havia mais de 100 párocos. Esta realidade mostra a mudança que estamos a viver na Igreja. Com a visita pastoral também pretendo olhar de perto para esta realidade, admitindo que não tenho soluções mágicas para este problema. Mas, como ensina o Santo Padre Francisco, a igreja é sinodal, isto é, caminhamos juntos, olhamos para a realidade, dialogamos e abertos às inspirações do Espírito Santo, tomamos decisões em conjunto.

“Atualmente existem apenas 43 párocos em toda a diocese de Bragança-Miranda.”

T.M.N.: Quando vem visitar o arciprestado de Miranda?

D.N.A.: Vou iniciar a visita pastoral pelo arciprestado de Bragança e Vinhais. Depois, a partir do verão vou visitar as comunidades do arciprestado de Miranda, que compreende as paróquias de Miranda do Douro, Mogadouro e Vimioso.

T.M.N: A par do despovoamento, a população da diocese é maioritariamente constituída por pessoas idosas. Num entrevista à agência Ecclesia, D. Nuno Almeida afirmou que gostaria de quebrar a solidão dos idosos com o entusiasmo, dedicação e serviço dos jovens. A juventude está recetiva a este desafio? Como se mobilizam os jovens?

D.N.A.: Após a experiência belíssima e impressionante da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, cuja alegria extravasou as fronteiras da igreja, agora há que aproveitar o entusiasmo juvenil no dia-a-dia das comunidades ou paróquias. E isso implica dar espaço e oportunidades aos jovens. Há que os convidar a participar e a ter protagonismo nas paróquias. Os jovens são capazes de se organizarem em grupos, consoante o que gostam de fazer. Há jovens mais vocacionados para o voluntariado e com sensibilidade para acompanhar os mais idosos, que não raras vezes vivem em sitações de solidão. E vice-versa, não nos esqueçamos que hoje em dia entre os próprios jovens há muita solidão por causa das plataformas digitais. Portanto, é necessário quebrar esta solidão, esta barreira. E dado que os jovens gostam muito de estar em grupo, nada melhor do que ter um projeto voltado para os outros, para criar laços de amizade e de pertença entre todos. Recentemente, em Outeiro, fomos visitar o lar onde vivem 60 pessoas idosas e esta visita foi um momento de profunda alegria.

“Há que dar espaço e oportunidades aos jovens nas paróquias.”

T.M.N: Em Miranda do Douro presidiu à celebração do Crisma, tendo confirmado na fé, 25 jovens mirandeses. Nessa celebração desafiou os jovens e a comunidade local a serem criativos para que a juventude se mantenha na paróquia. O que mais atrai os jovens à Igreja? E como mostrar-lhes que a mensagem e o estilo de vida de Jesus é atrativo?

D.N.A.: Para que os jovens permaneçam nas paróquias há que proporcionar-lhes experiências de encontro com Jesus Cristo. No Evangelho há relatos de jovens que se encontraram com Jesus, como Zaqueu. E este encontro e conhecimento de Jesus mudou-lhes a vida. Também cada um de nós, à sua maneira, fez esta experiência de encontro com Jesus. E é este encontro que nos ajuda a descobrir o nosso caminho e a nossa vocação. Portanto, a pastoral dos jovens consiste em criar condições para que os jovens se encontrem com Jesus e depois façam o seu caminho com Ele.

“A pastoral dos jovens consiste em criar condições para que os jovens se encontrem com Jesus e depois façam o seu caminho com Ele.”

T.M.N.: Outra das novidades que quer implementar na diocese é a formação bíblica das comunidades. O que se aprende ao ler a Bíblia?

D.N.A.: Há uma urgência em criar afeição pela Bíblia. Mas para isso, há que conhecer esta biblioteca, que é constituído por 72 livros, escritos ao longo de milénios, numa cultura diferente da atual. A leitura espontânea da Bíblia não nos leva muito longe. Há que aprender a ler a Bíblia e para isso é necessário alguma formação prévia. Depois, a experiência de leitura e meditação da Bíblia humaniza-nos, isto é, dá-nos o sentido de que somos filhos de Deus e de que somos irmãos de uma mesma humanidade. Ao ler a Bíblia ou Sagrada Escritura aprofunda-se a nossa dimensão espiritual e a capacidade de serviço aos outros. Por isso é urgente aprender a ler a Bíblia. No decorrer da visita pastoral, os capuchinhos, que vão estar na diocese ao longo de três anos, vão ministrar um curso bíblico nas várias comunidades. Depois da formação há que acompanhar os possíveis grupos que daí possam surgir.

“A experiência de leitura e meditação da Bíblia humaniza-nos, isto é, dá-nos o sentido de que somos filhos de Deus e de que somos irmãos de uma mesma humanidade.”

T.M.N.: Na sua mensagem para o tempo de Natal sublinhou que no coração dos homens prevalece a “sede de fraternidade”. Neste novo ano que agora começa, que ações nos tornam mais irmãos, atentos e solidários uns com os outros?

D.N.A.: É muito importante fortalecer os laços de fraternidade entre as pessoas. Os encontros, as celebrações e a atenção às pessoas que passam por maiores necessidades são algumas ações importantes. Contudo, os cristãos têm que ir mais longe e mais fundo, pois amar é uma arte exigente. Para amar há que dar passos concretos. Implica colocarmo-nos no lugar do outro e servir. E muito importante, amar a todos, sem excluir ninguém, até os inimigos. Para que isto seja possível, não basta a boa vontade e é precisa a graça e a orientação do Espírito Santo, que recebemos privilegiadamente na Eucaristia.

“Os encontros, as celebrações e a atenção às pessoas que passam por maiores necessidades são algumas ações importantes.”

T.M.N: Que caminho nos propõe na sua primeira Carta Pastoral, intitulada ‘Unidos para oferecer a todos a alegria e a esperança do Evangelho’?

D.N.A.: A igreja, as paróquias e uma catedral existem para ouvir, tocar e ver o próprio Cristo, que está vivo! Ouvir através da leitura e do anúncio da Palavra da Sagrada Escritura. Tocar o próprio Cristo, através do pão e do vinho no sacramento da eucaristia, onde o Senhor faz-se nosso alimento. E depois se vivermos este amor, Deus promete estar presente. E torna-se visível, por exemplo, numa comunidade que vive fraternalmente unida, fazendo assim resplandecer a presença de Cristo Ressuscitado. Neste primeiro ano, o caminho que proponho é escutar a Palavra. No segundo ano, viver a eucaristia e os sacramentos. E finalmente no terceiro ano, proponho a vivência da caridade, que faz com que Jesus Cristo se torne presente.

“A igreja, as paróquias e uma catedral existem para ouvir, tocar e ver o próprio Cristo, que está vivo!”

Perfil

Nuno Manuel dos Santos Almeida, filho de Manuel dos Santos Almeida e de Maria Adelaide dos Santos Amaral, nasceu em 1 de agosto de 1962 em Sátão, diocese de Viseu.

De 1990 a 1994 exerceu a missão de secretário do Bispo de Viseu, D. António Monteiro, trabalhando também noutros serviços diocesanos: Responsável do Secretariado da Coordenação Pastoral (1991-1993), do Secretariado Diocesano das Missões (1993- 1999) e do Secretariado Diocesano da Educação Cristã (2000-2006).

Em 1996 terminou a licenciatura em Teologia na UCP do Porto com uma tese sobre “O diálogo com os não-crentes”.

De 1994 a 2004 foi Pároco de Sezures, Esmolfe e Trancoselos, no Concelho de Penalva do Castelo.

De 2004 a 2006 foi Chefe de Gabinete do Bispo de Viseu, D. António Marto.

Em 2006 conclui o mestrado na UCP do Porto em “Fé e Psicoterapia” com uma tese que versou o tema: “A dimensão sanante da Reconciliação”.

Em 2011 terminou o 2º grau canónico do Curso de Doutoramento em Teologia na UCP do Porto com a tese “Logos e Salvação. Leitura do Pensamento de Viktor Frankl em Perspectiva Teológica”.

De 2008 a 2012 foi Professor no Instituto Superior de Teologia de Viseu.

Desde outubro de 2013 a 2015 foi Pároco in solidum das 11 paróquias do Arciprestado de Fornos de Algodres.

Em 2012-2013 frequentou a Universidade Salesiana de Roma onde obteve, em 2016, o doutoramento em Teologia dogmática com a tese “Busca de Sentido da Vida e Reconciliação Cristã. Leitura Teológica do Pensamento de Viktor Frankl”.

Em novembro de 2015 foi nomeado Bispo Auxiliar de Braga, com o título de Ruspe, e recebeu a Ordenação episcopal 31 de janeiro de 2016 na Sé Catedral de Viseu.

De 2016 a 2023 foi Vogal da Comissão Episcopal do Laicado e Família e da Comissão Vocações e Ministérios.

Em abril de 2023 foi eleito Presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família.

No dia 19 de maio de 2023, o Papa Francisco escolheu-o para 45.º Bispo da Diocese de Bragança-Miranda. Tomou posse em 25 de junho de 2013, às 16h00, na Catedral diocesana, em Bragança

No dia 19 de maio de 2023, o Papa Francisco escolheu Dom Nuno Almeida para 45.º Bispo da Diocese de Bragança-Miranda.

Fonte: Diocese de Bragança-Miranda

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