Dia da Cidade, 10 de julho

Entrevista: «Desde que o homem queira tudo se faz» – Abílio Barril

Abílio Domingues Pires Barril é o atual presidente da freguesia de Miranda do Douro, cargo que lhe foi confiado em quatro mandatos. Ao celebrar o dia da Cidade, 10 de julho, disse que Miranda do Douro (e todo o concelho) tem um enorme potencial para crescer, mas é preciso força de vontade para o realizar.

Abílio Barril, presidente da freguesia de Miranda do Douro.

A política

Começou a participar na política local sem qualquer ambição pessoal. Foi encorajado pelas pessoas que veem nele uma pessoa íntegra, coerente e dedicada. Inspirou-se no exemplo de um amigo espanhol, ex-alcaide de Alcañices que afirmava: “Para mim, a política são as pessoas”. Passados 16 anos de dedicação à causa pública, o atual presidente da freguesia de Miranda do Douro, diz que a primeira condição para exercer um cargo político é a retidão. “Tem que ser-se honesto consigo próprio e com as outras pessoas”, diz.

Ao refletir sobre o que aprendeu na política ao longo dos anos disse que este trabalho não é de uma pessoa só. “É um trabalho de equipa”. Na freguesia de Miranda do Douro, por exemplo, a equipa é constituída pelo presidente, pelo vice-presidente, o secretário e o tesoureiro. “As decisões são tomadas em conjunto”, explicou.

“Para mim, a política são as pessoas”.

Terra de Miranda – Notícias: Miranda do Douro foi elevada a cidade no dia 10 de julho de 1545, pelo rei D. João III. Na sua perspetiva, que momentos foram mais marcantes nestes 476 anos da cidade?

Abílio Barril: Miranda do Douro foi o berço da diocese, aqui foi construída a Sé Catedral e outrora esta cidade foi um importante centro religioso, cultural e económico da região. Nas décadas 1950/ 60, a cidade cresceu muito com a construção das barragens de Picote e de Miranda e por cá passou muita gente boa e amiga. A passagem internacional para a vizinha Espanha permitiu desenvolver o comércio e o turismo. Mas depois, Miranda do Douro parou no tempo e não acompanhou o desenvolvimento de outras cidades.

T.M.N.: Porque razão a cidade não conseguiu desenvolver-se mais?

A.B.: Miranda do Douro foi sempre desprezada pelos sucessivos governos. E refiro, por exemplo, o desmantelamento da linha ferroviária do Sabor, que terminava em Duas Igrejas e que estranhamente nunca chegou à cidade. Agora volta a falar-se da possibilidade de trazer o comboio novamente para Trás-os-Montes.

“Nas décadas 1950/ 60, a cidade cresceu muito com a construção das barragens de Picote e de Miranda e por cá passou muita gente boa e amiga.”

T.M.N.: Em vez de investimento, houve desinvestimento?

A.B.: Sim, e o exemplo do comboio é bem elucidativo. Muitas vigas da linha ferroviária foram roubadas e as estações continuam ao abandono e a degradar-se como é o caso da estação de Duas Igrejas. E é com tristeza que não vejo nem os políticos nem os jovens a interessarem-se pela recuperação deste património edificado na nossa terra.

T.M.N.: O que podem fazer os políticos locais para mudar esta realidade?

A.B.: À autarquia compete chamar à atenção e pressionar o governo para a recuperação destes imóveis de interesse público e que são também locais de interesse histórico e turístico. Quando se reivindica, não perdemos nada! E a autarquia deve começar por aí, por reivindicar. Já o ditado ensina que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Não podemos é ficar calados e mudos.

“À autarquia compete chamar à atenção e pressionar o governo para a recuperação destes imóveis de interesse público e que são também locais de interesse histórico e turístico.”

T.M.N.: Que outros desinvestimentos houve em Miranda do Douro?

A.B.: Também a construção do Itinerário Complementar (IC5) parou inexplicavelmente em Duas Igrejas e não chegou à cidade Miranda do Douro. A instalação do polo universitário da UTAD, que chegou a ter cerca de 500 estudantes, também trouxe muito dinamismo à cidade. Mas passados uns anos encerrou. Temos um centro de saúde, com instalações, valências e condições para funcionar como um hospital, mas na prática, encerra às 22h00. A partir dessa hora, as pessoas doentes são obrigadas a deslocar-se para Mogadouro (46 km) ou para Bragança (72 km). E para agravar ainda mais a situação, em Bragança há falta de médicos especialistas, o que nos obriga a ir para o Porto. Também nos transportes públicos, estamos muito mal servidos. E com a pandemia, as viagens de autocarro para Bragança e para o Porto chegaram mesmo a estar suprimidas.

“A instalação do polo universitário da UTAD, que chegou a ter cerca de 500 estudantes, também trouxe muito dinamismo à cidade. Mas passados uns anos encerrou.”

T.M.N.: Se todos estes investimentos tivessem permanecido em Miranda do Douro, a cidade seria outra?

A.B.: Não tenho dúvidas que, com o comboio, o IC5, o polo universitário e o hospital, a cidade de Miranda do Douro teria crescido muitíssimo mais e estaria ao nível de Bragança ou outras cidades de média dimensão.

T.M.N.: Acha possível que Miranda do Douro volte a ter novamente um polo universitário?

A.B.: Desde que o homem queira tudo se faz.

T.M.N.: O turismo, e em particular a visita regular dos vizinhos espanhóis, continua a ser a principal atividade económica da cidade?

A.B.: Sim, graças a Deus, vamos sabendo aproveitar e otimizar a passagem internacional com Espanha, o que nos traz muitos espanhóis ao comércio local e à restauração. Mas com a atual pandemia, até esta mais-valia de ser uma cidade fronteiriça está em risco.

“Sim, graças a Deus, vamos sabendo aproveitar e otimizar a passagem internacional com Espanha, o que nos traz muitos espanhóis ao comércio local e à restauração.”

T.M.N.: Como vê a atual luta e reivindicação do Movimento Cultural da Terra de Miranda (MCTM) por melhores condições de vida para esta terra e estas gentes?

A.B.: Acho que a reivindicação é mais do que justa. A EDP enriqueceu à custa destas barragens e das condições ímpares que esta região do Douro Internacional oferece para a produção de energia elétrica. Portanto, a região e a sua população tem o direito de usufruir da riqueza aqui produzida.

T.M.N.: Que futuro antevê para Miranda do Douro?

A.B.: No imediato, o mundo tem que vencer esta epidemia. Por isso, vamos esperar que isto passe depressa. Espero que Miranda do Douro se desenvolva, porque a cidade e o concelho têm muito potencial. Gostaria sobretudo de ver a gente nova a fixar-se e a trabalhar no concelho.

T.M.N.: Mas os jovens não querem ficar no interior dado que aqui há poucas oportunidades.

A.B.: Quando ouço dizer que Miranda do Douro é uma cidade do interior e que, por isso, tem dificuldade fixar os jovens, penso nas cidades da Guarda, da Covilhã e tantas outras cidades do interior. Estas cidades têm estabelecimentos de ensino superior, têm hospitais, tem boas vias de comunicação, têm indústrias e serviços, etc.. E nós, porque é que não temos direito a beneficiar das mesmas condições?

“A região e a sua população tem o direito de usufruir da riqueza produzida pelas barragens.”

T.M.N.: As próximas eleições autárquicas estão agendadas para o dia 26 de setembro. Fazendo uso da sua vasta experiência como autarca, que conselho daria aos jovens que decidem participar na vida política?

A.B.: Quem queira participar mais ativamente na vida política, aconselharia a fazê-lo pouco a pouco e a ir aprendendo. Ao exercer um cargo político, temos que aprender a estar com as pessoas e a escutá-las. Há vezes em que temos de as defender. Mas também não podemos dizer “ámen” a tudo. Primeiro há que esclarecer bem as coisas. E depois trabalhar e confiar que tudo se resolve.

T.M.N.: A vida de autarca tira muito tempo para a vida familiar?

A.B.: Se soubermos ser disciplinados, há tempo para tudo, para a família, para o trabalho e para estar com os amigos.

“Ao exercer um cargo político há que aprender a estar com as pessoas e a escutá-las.”


Perfil:

Abílio Domingues Pires Barril nasceu em Miranda do Douro, no dia 15 de março de 1942. O seu pai foi guarda-fiscal em vários postos, o que fez com que frequentasse a escola primária em várias aldeias do concelho. Concluiu a quarta-classe em Miranda do Douro e aos 11 anos foi para estudar para os seminários das Missões Católicas Ultramarinas, em Tomar e depois em Cernache do Bonjardim. Diz que o seminário foi uma autêntica escola. Na vida comunitária aprendeu a ser justo consigo mesmo e com os outros. Foi também no seminário que aprendeu a conhecer melhor a Cristo e a Igreja. E foi graças a essa educação, que ainda hoje guarda e pratica os bons princípios cristãos. “Foi no seminário que aprendi a dar a Deus o primeiro lugar na minha vida”, disse.

Trabalhou na construção das barragens de Miranda do Douro e de Bemposta. E em 1964, foi chamado para cumprir o serviço militar obrigatório, na Escola Prática de Infantaria, em Mafra. Nesse ano, já decorria a guerra nas ex-colónias e Abílio Barril, como tantos outros jovens dessa época, preparava-se para partir para a guerra. Após cinco meses de recruta e a aquisição de várias especialidades, entre as quais a de atirador, integrou um batalhão de Artilharia, em Oeiras, para embarcar para a guerra, em Angola. Aí, combateu ao longo de dois anos.

Regressou a Portugal em agosto de 1967. Casou em 1968 e foi pai de duas filhas. Foi bombeiro voluntário ao longo de 37 anos. Trabalhou no posto zootécnico de Malhadas, como técnico auxiliar, até à idade da reforma. Ao desempenhar essa atividade ligada à pecuária, acompanhou de perto o desinvestimento na agricultura do planalto mirandês. Os campos propícios ao cultivo de cereais passaram a ser ocupados por floresta, ou então, foram simplesmente abandonados. Abílio Barril ainda se recorda-se da construção dos silos de cereais em Mogadouro e em Bragança. “Os silos foram um sinal evidente de que, outrora, o nordeste transmontano era uma potência na produção de cerais, como o trigo e o centeio.”

HA

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