Agricultura: “O sonho de voltar à terra”

Reportagem:

Agricultura: “Produtores de castanha enfrentam dificuldades na venda da sua colheita”

A castanha deste ano é de boa qualidade, no entanto, com a atual pandemia e o cancelamento das feiras, os produtores estão e enfrentar dificuldades inesperadas na venda e escoamento das suas colheitas a um preço justo.

Ilídio Fernandes (ao centro) com os pais, Bárbara e António Fernandes. (HA)

A tradição familiar

Ao longo de duas a três semanas, Ilídio Fernandes acorda diariamente às 5h30 da manhã, para viajar de Miranda do Douro, até à aldeia raiana, de São Marinho de Angueira. Aí chegado, toma o pequeno-almoço com os pais, António e Bárbara Fernandes, e é em família que começam o trabalho da apanha da castanha, às 7h00 da manhã. Este ano, e por causa da atual pandemia, são apenas três pessoas a realizar o trabalho. Habitualmente, também vem esposa, Sofia, o filho, Francisco, e a irmã, Vera, com os sobrinhos. O trabalho da apanha da castanha não é difícil, basta usar umas luvas, de preferência industriais porque são mais resistentes para abrir os ouriços. O mais difícil é, segundo o Ilídio, andar curvado oito horas por dia, a apanhar as castanhas do chão. O jovem agricultor graceja com esta dificuldade dizendo que ao final do dia basta tomar um comprimido “ben-u-ron” para as dores de costas. Se essa é uma dificuldade, por outro lado, o trabalho da apanha da castanha acaba por ser também um bom motivo para praticar exercício físico. “É um ginásio! Todos os anos, no final da colheita emagreço sempre quatro a cinco quilos” – assegura, Ilídio.

A apanha da castanha

Para quem não sabe, a apanha da castanha acontece de modo diferente da colheita da amêndoa ou da azeitona, onde se utilizam varejadores. O mesmo não acontece com a castanha, pois há que esperar que caia do castanheiro. E há anos em que a castanha amadurece e cai de uma só vez. Como há também outros anos, em que as castanhas, consoante a sua variedade, amadurecem mais tarde e por isso também tardam mais tempo em cair para o chão. Por vezes, a apanha da castanha prolonga-se por várias semanas, como está a acontecer neste ano. E quando assim acontece, Ilídio e os pais, têm que dar a volta ao souto diariamente para apanhar as castanhas que vão caindo, caso contrário, vêm uns “intrusos” chamados javalis (ou outros!) e comem as castanhas. De acordo, com IIídio Fernandes, a colheita deste ano é de boa qualidade, embora, o calibre seja ligeiramente inferior ao do ano passado. Segundo o jovem produtor, a qualidade da castanha vê-se sobretudo pelo sabor e não só pelo calibre. E entre as várias variedades de castanha, as mais saborosas, são, segundo Ilídio, a “longal” e a “martaínha”.

A pandemia e o cancelamento das feiras da castanha

Com a atual pandemia e o cancelamento das feiras dedicadas à comercialização da castanha, como são as feiras de Carrazeda de Montenegro ou de Bragança, os produtores estão a enfrentar dificuldades inesperadas no escoamento da castanha a um preço justo. Apesar desta contrariedade, Ilídio Fernandes diz que está a conseguir escoar a produção, mas o grande problema é mesmo o preço. E justifica assim a sua insatisfação: “Eu passo todo o dia a apanhar castanhas e ao final da jornada, já de noite, carrego os sacos na carrinha e viajo 100 km, ida e volta até Bragança. Chegado à fábrica, tenho de esperar algumas horas na fila para ser atendido e entregar a minha produção. Depois regresso a casa já noite dentro. E poucas horas depois, tenho que voltar à apanha da castanha. É por isso, que o preço da castanha tem que refletir e compensar todo este trabalho”, reivindica. Para obter um preço mais justo, o jovem agricultor diz que tem procurado vender a sua produção para vários sítios e ao melhor preço possível. Revela, por exemplo, que tem recorrido aos contatos obtidos em feiras e formações agrícolas para escoar a sua produção. “Recentemente, veio uma pessoa das Caldas da Rainha, comprar castanhas para vender no mercado biológico”, disse.

A cadeia de comercialização da castanha

Este ano, Ilídio Fernandes afirma que já vendeu o quilo de castanhas a 2, 20 euros. Mas diz também que o preço da castanha varia muito: “Por vezes, o quilo de castanhas começa a 1,50 euros, e depois vai baixando para 1,30, 1,20 euros, etc.”. O jovem produtor explica que a cadeia de comercialização da castanha, até chegar ao consumidor final passa por vários intervenientes: “A castanha sai do produtor a 1,20, 1,30, 1,50 euros. O ajuntador, ou seja, as pessoas que vão às aldeias recolher as produções ganham entre 0,20 cêntimos a 0,50 cêntimos por quilo de castanhas e depois vendem-nas às fábricas. Estas, por sua vez, vendem-nas aos supermercados a 3,5 euros ou quatro euros/quilo. E os supermercados vendem o quilo de castanhas ao público por cinco euros”.

A necessidade duma associação de produtores

Ilídio Fernandes lamenta a não existência na Terra de Miranda de uma associação de produtores de castanha. “Aqui é cada um para si”, diz com algum pesar. E dá o exemplo da associação que existe Carrazedo de Montenegro, no distrito vizinho de Vila Real, onde há uma associação de produtores de castanha que funciona bem. “Aí, os produtores de castanha são obrigados a vender à associação a quase totalidade da sua produção para ganharem escala. A existir uma associação de produtores de castanha nesta nossa região, o ideal seria uma associação entre concelhos, por exemplo, entre os concelhos de Miranda do Douro e Vimioso”. Para o jovem agricultor, uma associação deste género poderia armazenar, para além da castanha, outras culturas como a avelã, etc.. Ilídio Fernandes diz mesmo que, em São Martinho de Angueira, existem as condições ideais para criar uma associação agrícola, pois à entrada da aldeia existe o antigo celeiro, que é um armazém grande, e que até tem uma balança de pesagem.  “Portanto, era só reutilizar este espaço! E até há projetos para organizar associações de produtores.”, diz com entusiasmo.

O sonho de voltar à terra

Se pudesse escolher entre trabalhar na Terra de Miranda ou no Porto, Ilídio Fernandes, diz sem hesitar, que escolheria regressar ao campo. No entanto, a decisão continua adiada, porque o trabalho no Porto garante-lhe um salário que é fixo, enquanto que o salário que obtém da agricultura é variável. “Há anos em que o rendimento da agricultura é bom e há outros em que o rendimento é inferior”, diz. Para se instalar no interior do país, o jovem agricultor adianta que teria que diversificar a produção agrícola. Para além da produção de castanha, teria, por exemplo, de aumentar a área de produção da avelã ou introduzir outras culturas. E a produção de novas culturas exige sempre um estudo e conhecimento prévio, bem como a visita a plantações e o aconselhamento com outros produtores. Enquanto este sonho vai ganhando forma, Ilídio Fernandes, continua a viver e a trabalhar no Porto. Aos fins-de-semana e nas férias regressa a São Martinho de Angueira, e na companhia dos pais, António e Bárbara, continuam a dedicar-se ao cultivo da terra (de Miranda).

HA

Alcides Meirinhos, natural da aldeia de Cicouro, é licenciado em Comércio Internacional e trabalhou para a Recer, S.A., como responsável pela expedição da logística dos produtos cerâmicos. Este especialista referiu que os produtores de castanha da Terra de Miranda precisam de que as cadeias logísticas funcionem bem para obterem um melhor rendimento com as suas colheitas. No caso da castanha, Alcides Meirinhos diz que “a castanha não tem um circuito de comercialização oleado”. Porquê? Porque o maior lucro fica nos intermediários, quando devia ficar nos produtores de castanha. É por esta razão, que Alcides Meirinhos, especialista em Cadeias logísticas e armazenagem, defende que as cadeias logísticas são fundamentais: “porque na relação entre consumidor e produtor, quanto maior for o número de intermediários, maior será mudança de preço. Daí que seja importante diminuir o número de intermediários”, afirma.

Por outro lado, Alcides Meirinhos, diz que o problema está na desconfiança entre as pessoas: “nesta região, toda a gente desconfia de toda a gente. E diz assim: ‘Tu estás a enriquecer com a minha castanha. Pois não hás de enriquecer. Vou vender a minha castanha aos de fora.’ Para vencer esta desconfiança e para que haja uma melhor distribuição dos lucros da castanha, Alcides Meirinhos sugere a criação de uma cooperativa: “Imagine-se fazer uma cooperativa para a castanha. Em vez dos produtores venderem a castanha a 1 euro/quilo como está a acontecer, e nos supermercados é vendida a 4 ou a 5 euros/ quilo ao consumidor. Ora se esta mesma castanha, nos supermercados está à venda a 4 e 5 euros/quilo, isso significa que no mínimo 50% do lucro vai para os intermediários. E isso é um exagero!”, critica.

Alcides Meirinhos aconselha também os produtores de castanha a investirem na mecanização da apanha da castanha e justifica dizendo: “Uma pessoa apanha manualmente 100 quilos de castanha, por dia. Eventualmente, se as castanhas estiverem muito juntas, poderá apanhar 200 quilos. Agora, se a apanha da castanha for mecanizada apanham-se 700 quilos por dia!”, assegura. De acordo, com o especialista em logística e armazenamento, a partir do momento em que se criam economias de escala, o lucro fica na localidade. “E isso a médio prazo vai trazer investimento”, assegura. Acrescenta depois que no interior do país, o que mais se necessita é de investimento. “É como numa empresa, se não houver investimento, ela vai-se deteriorando. Ou é como numa casa ou moradia, ela necessita constantemente de obras.” Alcides Meirinhos conclui dizendo que para desenvolver as regiões do interior de Portugal, tem que haver muito investimento e muita resiliência das pessoas.

Cooperação transfronteiriça: Os alcaides espanhóis vivem entre a esperança e o ceticismo

Cooperação transfronteiriça: Os alcaides espanhóis vivem entre a esperança e o ceticismo

Após a realização da cimeira lusa-espanhola, os alcaides das comarcas de Bermillo de Sayago, Fermoselle, Puebla de Sanabria, Alcañices e Trabazos exigem que as promessas feitas se tornem realidade.

Na cimeira ibérica realizada no passado dia 10 de outubro, os chefes de governo de Portugal e de Espanha, António Costa e Pedro Sanchéz, comprometeram-se a avançar com várias medidas para estimular o desenvolvimento das regiões fronteiriças. Entre estas medidas destacam-se a conclusão do IC5 de Miranda do Douro até Sayago (Zamora), a construção da ligação do IP2 entre Bragança e a Puebla da Sanabria e a autoestrada entre Zamora e a A4, em Quintanilha (Bragança).

No entanto, os alcaides espanhóis querem ver para crer. O alcaide da comarca de Sayago (Zamora), Raúl Rodriguez, afirmou que a ligação do IC5 traria um grande dinamismo à sua terra: “Em Sayago, temos uma zona industrial e estamos recetivos à instalação de novas empresas”, disse o alcaide, sublinhando o desenvolvimento que o IC5 poderá trazer à comarca espanhola.

Por seu lado, o alcaide de Fermoselle, José Manuel Pilo mostrou-se descontente com o traçado do IC5, já que gostaria que a ligação a Espanha passasse antes pela sua comarca. O governante local afirmou que vai insistir para que isso aconteça e espera também que Fermoselle receba um centro base de ambulâncias, no âmbito do acordo ibérico de assistência sanitária.

Para além da construção de estradas, a cimeira luso-espanhola definiu também outras medidas para aumentar a cooperação transfronteiriça, como a criação de escolas bilingues nos dois lados da fronteira, a criação do estatuto de trabalhador transfronteiriço e a coordenação de serviços de emergência para prestar uma melhor assistência às pessoas dos dois países.

Finalizada a cimeira ibérica e definidas as medidas a implementar, os alcaides espanhóis afirmam que vão estar vigilantes e vão ser reivindicativos para que o governo de Espanha e o governo autónomo, cumpram o acordado. Raúl Rodriguez, alcaide de Bermillo de Sayago, concluiu dizendo: “Vamos estar vigilantes, porque temos dúvidas que que cumpram o que prometeram.”

(Informações obtidas no jornal La Opinion El correo de Zamora | Manuel Herrera: https://www.laopiniondezamora.es/zamora-ciudad/2020/10/19/alcaldes-frontera-zamora-portugal-esperanza-20138917.html)

Entrevista: «No meio rural, o sentido de identidade e de pertença é muito forte»

Entrevista

Celina Bárbaro Pinto: «Nos meios mais rurais, o sentido de identidade e de pertença é muito forte, porque as relações são mais próximas.»

Celina Bárbaro Pinto começou a trabalhar no Museu da Terra de Miranda, aos 18 anos. Seguiram-se os estudos em antropologia e museologia. Hoje, é a diretora do espaço que guarda a identidade cultural desta região.

Celina Bárbaro Pinto diz que os museus são espaços e meios de aprendizagem (HA)

Terra de Miranda Notícias: O Museu Terra de Miranda foi fundado a 23 de abril de 1982 e abriu ao público a 18 de maio do mesmo ano. Qual é a origem do nome “Terra de Miranda”?

Celina Bárbaro Pinto: A Terra de Miranda, grosso modo é o território compreendido entre os rios Douro e Sabor. No livro “As terras entre Douro e Sabor” (1904) faz-se referência, sobretudo, ás caraterísticas geográficas e morfológicas deste território, onde os rios surgem como barreiras (de)limitadoras. Para além disso, há vários autores, como por exemplo, José Leite de Vasconcelos que afirmou que as caraterísticas comuns desse espaço, também podem ser culturais e linguísticas. Se bem que o mirandês se fala nalgumas aldeias e noutras não, assim como há aspetos culturais comuns numas aldeias e noutras não. Mas, as caraterísticas geográficas e morfológicas são comuns a todo este território a que se chama “Terra de Miranda”. Esta designação “Terra de Miranda” já vem do século XII, ou seja, desde a Idade Média. Possivelmente este território terá sido doado, nessa altura, a um terratenente, um representante do Rei, que foi mandado para esta região para governar estas terras. Atualmente, é um conceito “menos” aplicado, talvez pelo facto de erradamente e muitas vezes ser apenas associada a “Terra de Miranda” ao concelho de Miranda do Douro, o que é um equívoco. Assim, como existem as designações Terras de Bouro, Terras do Barroso, Terras de Basto, Terras do Xisto, Terras de Lafões, etc. Portanto, Terra de Miranda não é só o concelho de Miranda, é um território mais vasto. A designação Terra de Miranda dá uma identidade maior e comum a esta região. E depois há as caraterísticas próprias de cada concelho, de Vimioso, de Mogadouro e de Miranda do Douro. Ninguém retira protagonismo a ninguém. Pelo contrário, quanto mais unidos estivermos, mais fortes seremos. E nesta região já somos tão poucos, não podemos dividir-nos.

TMN: O Museu Terra de Miranda é um museu etnográfico pois dedica-se ao estudo da cultura desta região. O que se pode ver e aprender no Museu da Terra de Miranda?

C.B.P.: Dentro deste espaço físico que é o museu pretendemos representar um espaço maior que é a Terra de Miranda. O próprio nome do museu remete o visitante para um contexto geográfico. As salas que apresentam o museu pretendem ser mais do que espaços estáticos, onde se mostram os objetos que representam uma cultura. E os objetos não são meros artefactos que remetem para informações como o nome, a datação ou a utilidade do mesmo. Cada objeto, e cada instrumento transmitem-nos conhecimentos e remete-nos para um ambiente social. É por isso que os museus são espaços e meios de aprendizagem. Para além da recolha e exposição de objetos caráter etnográfico e etnográfico, o Museu da Terra de Miranda também interpreta a forma de estar e de ser da gente desta região. Para isso, recolhem-se também os conhecimentos e saberes, o artesanato, a língua, aspetos da economia, da religião e das crenças, da paisagem, etc. E a paisagem, também é fundamental pois determina o modo como nós nos adaptamos a este território. Por exemplo, na agricultura da Terra de Miranda, o arado romano e o trilho utilizados são diferentes dos utilizados no resto do país. Porquê? Porque os solos e o clima também são diferentes, e o agricultor teve que se adaptar á realidade do território. São estas singularidades que nos chamam à atenção. É por isso que o nosso trabalho no museu é etnográfico, isto é, procuramos entender como é que o homem vive num determinado espaço e tempo. E no âmbito antropológico, procuramos analisar, compreender e interpretar estes diversos modos de vida. Hoje em dia, um museu é um elemento fundamental não só na transmissão e preservação de conhecimentos, como também na dinamização social e cultural de uma região.

TMN: Ao longo dos anos quais foram as maiores transformações que se operaram na vida social, cultural, religiosa e económica das gentes da Terra de Miranda? Atualmente, o que ainda permanece dos tempos antigos?

C.B.P.: A primeira grande transformação aconteceu com a emigração nos anos 60/70 seguida da mecanização da agricultura que se iniciou nos anos 70. Depois seguiu-se a construção das barragens de Picote, Bemposta e Miranda do Douro na década de 60 e a consequente abertura da fronteira com a vizinha Espanha, já posteriormente a entrada de Portugal na CEE, em 1985. Estes foram certamente os acontecimentos que mais terão contribuído para a abertura da região e contribuíram, grosso modo, para o seu desenvolvimento e transformação social, económico e cultural.
O que permanece? Os usos, os costumes, a forma de ser, de estar e de pensar, que se manifesta depois em aspetos como, a música, os colóquios, o folclore, os rituais, a dança dos Pauliteiros, a língua, os saberes, etc, etc… E a língua tem uma importância maior porque se manifesta em todos os contextos, é o meio de comunicação
fundamental e transversal a toda e qualquer ação do homem. Realço que no meio rural, o sentido de identidade e de pertença é muito forte e é por isso que se mantêm estas caraterísticas. Onde é que há tradições? Não é nos grandes centros, é nas localidades mais pequenas, nos meios mais rurais, porque é aí que há um maior sentido de identidade comum, porque as relações são mais próximas, porque convivemos mais, porque a comunidade é transmissora destes conhecimentos. Ao
passo que nas cidades, essa relação de proximidade dilui-se e o conceito de comunidade é diferente.

“Nos meios mais rurais, há um maior sentido de identidade comum, porque as relações são mais próximas, porque convivemos mais, porque a comunidade é transmissora destes conhecimentos. Ao passo que nas cidades, essa relação de proximidade dilui-se e o conceito de comunidade é diferente.”

TMN: Na exposição permanente do Museu da Terra de Miranda é possível conhecer as expressões culturais caraterísticas desta região, em vários âmbitos, como são a habitação, o vestuário, o calçado, os instrumentos de trabalho, etc.. O que chama mais à atenção dos visitantes?

C.B.P.: Os museus etnográficos têm uma forte relação com o passado. E o passado remete-nos muito para a saudade, para a recordação e para sentimentos de pertença daquilo que fomos. Daí que muitos dos visitantes do museu gostam em especial do espaço da cozinha porque desperta memórias familiares, da infância, de convívio, e de amizade. A outra sala do museu que os visitantes mais gostam é a das festas de solstício de inverno, onde estão as máscaras. Aqui, o sentimento que nasce nos visitantes é o interesse em descobrir o oculto, o que está por detrás da máscara, o mítico e o desconhecido. Estas festas de solstício de inverno fazem-se nesta região são únicas no contexto nacional. E o facto de serem únicas desperta ainda mais curiosidade e interesse.

TMN: A Concatedral de Miranda do Douro faz parte do património cultural desta região e também é gerida pelo Museu da Terra de Miranda. O que há de mais interessante para visitar na Catedral de Miranda do Douro?

C.B.P.: A Concatedral é um monumento de interesse nacional, por isso é gerido centralmente e tutelado pela Direção Regional de Cultura do Norte. O projeto da construção da Catedral de Miranda iniciou-se em 1552, após a elevação da antiga Vila de Miranda à categoria de cidade e de sede de diocese. E isso fez de Miranda do
Douro um centro religioso, espiritual, cultural e económico importantíssimo, desde 1545 até 1780. Este enquadramento histórico e todo o património associado à
Concatedral é um património que deve ser preservado, valorizado e divulgado. Atualmente, o Museu gere também a Catedral e cada dia me surpreendo mais com o valor artístico que ali existe. Para quem pretenda visitar a Catedral sugiro que preste uma particular atenção ao Altar-mor que é uma peça única no contexto europeu; o Cadeiral do Cónegos do século XVI; a escultura da Virgem do Leite, do século XV, também é belíssima; o Menino Jesus da Cartolinha, escultura do século XVII, que está associado a uma lenda da sucessão de Espanha e á defesa de Miranda; o Órgão do século XVIII, com a sua carranca; e o calendário flamengo pintado por Pieter Balten cerca de 1580, que é um “tesouro nacional” constituído por 12 pinturas em madeira, evocando o quotidiano rural, o ciclo dos meses do ano.

“O projeto da construção da Catedral de Miranda iniciou-se em 1552, após a elevação da antiga vila de Miranda à categoria de cidade e de sede de diocese. E isso fez de Miranda do Douro um centro religioso, espiritual, cultural e económico importantíssimo.”

TMN: Recentemente a Concatedral foi um dos monumentos que receberam o Travelers’ Choice Best of the Best 2020 do TripAdvisor. Pode dizer-se que a antiga Sé Catedral é a principal atração turística em Miranda do Douro?

C.B.P.: Eu diria que é a principal atração turística em Trás-os-Montes, porque é o espaço mais visitado em toda a região. No ano 2019, tivemos cerca de 80 mil visitantes, um número relevante considerando o território em questão. Portanto, se é um espaço muito visitado é porque as pessoas valorizam e gostam do acolhimento e do valor histórico e artístico que a Catedral representa.

TMN: O Museu Terra de Miranda tem também a missão de participar no processo educativo, sensibilizando as pessoas para a preservação e a promoção do património cultural desta região. Que iniciativas realizam no âmbito educativo?

C.B.P.: No processo educativo não-formal, em articulação com as escolas, a nossa missão é transmitir aos jovens o conhecimento da vivência social das nossas comunidades. O programa educativo do Museu da Terra de Miranda tem centrado a sua ação na apresentação de coleções que ajudem a consciencializar sobre a importância de preservar e divulgar o património cultural e impulsionar a
criatividade. A pertinência de um serviço educativo nas instituições museológicas é hoje em dia um facto incontestável e os museus começaram a fazer parte das
instituições educadoras.

“No processo educativo não-formal, em articulação com as escolas, a nossa missão é transmitir aos jovens o conhecimento da vivência social das nossas comunidades.”


TMN: O Museu da Terra de Miranda vai ser ampliado, dado que recentemente foi adquirido o edifício contíguo para esse fim. Para quê esta ampliação? Que novidades vão ser apresentadas com a ampliação do Museu?

C.B.P.: O atual espaço do museu é um edifício histórico, belíssimo, do século XVII, sendo que aqui funcionou a antiga Câmara Municipal e a cadeia. Contudo este espaço
apresenta muitas limitações físicas e estruturais. As salas são muito pequenas e isso traz muitas limitações para que possamos cumprir a nossa missão para a exposição
do discurso museológico. Futuramente, com as novas instalações, e numa primeira fase vão ser criados serviços técnicos, administrativos, instalações sanitárias e um
elevador que permita a visita de pessoas com mobilidade condicionada. Estes novos espaços são fundamentais para acolher melhor os visitantes. Posteriormente e no
que concerne à ampliação do Museu da Terra de Miranda vão ser introduzidos novos conteúdos museológicos, e destacar, também a importância da mulher neste
território. A mulher teve sempre um papel muito importante na educação dos filhos, no trabalho do campo, ao acompanhar o marido para todo o lado, era cozinheira, costureira, gestora da casa, etc.; queremos também introduzir no museu a parte imaterial das romarias; da economia; da transformação social desta região, temas como as construções das barragens, etc. Portanto, queremos introduzir novos conteúdos que ainda não estão representados no museu.

“Vamos destacar a importância da mulher neste território. A mulher teve sempre um papel muito importante na educação dos filhos, no trabalho do campo, ao acompanhar o marido para todo o lado, era cozinheira, costureira, gestora da casa, etc.”

TMN: Qual é o perfil das pessoas que vêm conhecer o Museu da Terra de Miranda? São portugueses? São estrangeiros? E de que nacionalidades?

C.B.P.: Recebemos anualmente turistas de todas as partes do mundo, com predominância para os portugueses, espanhóis e também ingleses. Estas são as três
nacionalidades que mais visitam o Museu da Terra de Miranda e a Catedral. Tenho vindo a notar que, quanto mais distante, diferente e desconhecido é o território, mais interesse desperta nas pessoas, e mais intencional torna a sua escolha. E nesta fase da pandemia que estamos a viver, esta tendência para visitar regiões mais
periféricas, como e a Terra de Miranda, acentua-se ainda mais.

TMN: O fundador do Museu da Terra de Miranda, o Padre António Maria Mourinho, apercebeu-se de que, ao preservar e divulgar a identidade cultural desta região estava também a contribuir para o seu desenvolvimento cultural, social, económico. O que pode fazer cada cidadão para preservar e promover a Terra de Miranda?

C.B.P.: Os cidadãos são o bem maior da identidade cultural, sem eles nada existiria, e por isso, considero que cada cidadão, cada mirandês, deve sentir-se responsável pelo seu território e participar na construção da sua identidade. Parafraseando Tolentino Mendonça: “A raiz da civilização é a comunidade. É na comunidade que a nossa história começa.”

HA

Agricultura: Vimioso quer valorizar azeitona “santulhana”

Agricultura: Vimioso quer valorizar azeitona “santulhana”

O município de Vimioso, em parceria com o de Bragança, solicitaram ao Instituto Politécnico (IPB) um estudo para fazer a caracterização e a valorização da azeitona ”santulhana”, originária do concelho de Vimioso.

A santulhana é uma azeitona maior que dá uma grande rentabilidade no azeite. (flickr)

O presidente da Câmara de Vimioso, Jorge Fidalgo, tem a expectativa de que o estudo do IPB possa reconhecer a qualidade dos azeites produzidos com a azeitona “santulhana” e que lhe seja atribuída a Denominação de Origem protegida (DOP) ou Indicação Geográfica Protegida (IGP).

O autarca de Vimioso salientou a importância que a cultura desta azeitona tem, em algumas freguesias, como Santulhão, Matela e Algoso”, situadas na zona mais quente do concelho.

Segundo Jorge Fidalgo, a santulhana é uma azeitona maior e com “grande rentabilidade no azeite”.

Por seu lado, o presidente do IPB, Orlando Rodrigues, explicou que o trabalho de investigação vai ser feito no Centro de Investigação de Montanha (CIMO) e “visa criar condições para proteger a azeitona “santulhana”, que é um património desta região, com maior expressão nos concelhos de Vimioso e Bragança.

Os dois municípios vão apoiar financeiramente o estudo com 60 mil euros, durante três anos,  para conhecer melhor este património e o valorizar, informou o presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias.

Lusa | HA