Pecuária: Cordeiro mirandês reinventa-se para a Páscoa

Pecuária: Cordeiro mirandês reinventa-se para a Páscoa

Os produtores de cordeiro mirandês garantem que se reinventaram para escoar este produto apreciado em tempo de Páscoa, mas continuam as quebras significativas no negócio e a concorrência é forte para um produto certificado.

Este ano, a Associação de Criadores de Ovinos de Raça Churra Galega Mirandesa (ACORCM), em parceria com o município de Miranda do Douro, no distrito de Bragança, estão a preparar iniciativas para a divulgação desta carne certifica com Denominação de Origem Protegida (DOP), tendo como ação principal a realização de um ‘Showcooking’, agendado para o dia 26, tendo em vista mostrar as potencialidades gastronómicas deste produto.

“A iniciava será feita com recurso às redes sociais onde o público poderá interagir e, desta forma, ficar com mais conhecimento para a confeção de pratos gastronómicos provenientes desta carne de qualidade superior e de uma forma não convencional”, disse à Lusa a secretária técnica da ACORCM, Andrea Cortinhas.

A demonstração gastronómica estará a cargo dos chefs Marco Gomes e Chacal.

Para a responsável, em pandemia de covid-19 esta é uma forma de promover um produto endógeno de grande valor económico e ao mesmo tempo mostrar todo o potencial gastronómico de uma carne com características organolépticas distintas, dando-lhe um toque de modernidade às suas mais diversas formas de confeção.

“Temos de aproveitar este tempo de vendas baixas provocadas pela pandemia que nos afetou há já dois períodos de Páscoa, sendo esta altura aquela em que mais cordeiro mirandês era consumindo”, vincou a responsável.

Agora, a esperança dos produtores de cordeiro mirandês está na retoma da restauração, para que estes produtos comecem a ser mais procurados e valorizados economicamente.

“Apesar da crise que o setor atravessa, não podemos estar parados e continuamos a valorizar o nosso produto”, vincou Andrea Cortinhas.

A secretária técnica disse que, por “experiência própria” e nesta altura de “crise”, os negociantes deste tipo de produto “aproveitam um pouco das fragilidades que o mercado atravessa neste momento, bem como as grandes superfícies comerciais”.

Contudo, para contrariar a especulação no negócio neste tipo de vendas, muitos produtores fazem-nas junto das suas explorações e poucos passam pela cooperativa de produtores.

“Esta carne é de qualidade excecional e o consumidor tem dado retorno disso mesmo. Apesar deste reconhecimento, até à data, destinados à Páscoa só temos encomendados 12 cordeiros, o que é muito pouco”, observou Andrea Cortinhas.

Esta situação tem-se vindo a agravar e, face à Páscoa de 2020, a situação “está bem pior”, apesar de terem sido implementadas várias plataformas de vendas ‘online’ para dinamizar o mercado deste produto.

Segundo dados avançados por Andrea Cortinhas, em período homólogo, a cooperativa ChurraCop – entidade responsável pela comercialização – vendeu cerca de 300 quilos desta carne certificada.

“Esta ano nem por sombra chegamos a estes valores. Está tudo muito pior devido ao cancelamento de diversos eventos promocionais, como as feiras gastronómicas e outros certames”, concretizou.

“Estamos a cerca de 15 dias da Páscoa e as perspetivas não são animadoras. Até ao momento há muito poucas encomendas. Isto é assustador. Se procurarem, neste momento, o cordeiro mirandês foi às grandes superfícies comerciais a preço mais baixo e como carne corrente”, lamentou a responsável.

A estratégia passa agora por convencer o mercado com várias iniciativas para alavancar as vendas e não criar impactos negativos num setor já fragilizado.

“Sabemos que os produtos alimentares continuam a ser procurados e esta é uma altura ideal para valorizar os produtos nacionais e certificados, e não dar preferência aos alimentos importados”, enfatizou Andrea Cortinhas.

O efetivo pecuário dos ovinos de raça Churra Galega Mirandesa ronda as 6.700 cabeças.

Lusa | HA

Entrevista: «A raça churra galega mirandesa contínua em vias de extinção» – Engenheira Andrea Cortinhas.

Entrevista: «A raça churra galega mirandesa continua em vias de extinção» – Engenheira Andrea Cortinhas

A criação de ovinos no planalto mirandês é uma atividade que tem contribuído para a fixação da população nas zonas rurais. Nestas aldeias, merece uma especial atenção a raça Churra Galega Mirandesa. São uns ovinos de pequeno porte, com lã abundante e que providenciam uma carne de qualidade. Mas, tal como todas as raças autóctones corre o risco de extinção, informou a engenheira Andrea Cortinhas, administradora da Cooperativa de Ovinos Mirandeses, CRL.

A engenheira Andrea Cortinhas é a administradora da Churracoop – Cooperativa de Ovinos Mirandeses, CRL

Terra de Miranda – Notícias: Porque se chama a esta raça de ovinos Churra Galega e Mirandesa?

Andrea Cortinhas: O nome “churra” deriva da lã grosseira, comprida e lisa que “veste” estas ovelhas. A designação “galega” remete para os nossos vizinhos espanhóis e diz respeito ao tronco comum dos animais. E a raça diz-se “mirandesa” porque é mesmo originária daqui, do planalto mirandês.

T.M.N.: O que a distingue a raça Churra Galega Mirandesa das outras raças de ovinos?

A.C.: Os ovinos da raça churra galega mirandesa são de pequeno porte, comparativamente com as outras raças. A sua pequena estatura é a principal razão pela qual a raça tem sofrido uma diminuição significativa. Os criadores de ovinos optam por raças de maior porte, que lhes garantam uma produção e um rendimento mais rápido. Por exemplo, os cordeiros da raça churra galega mirandesa quando nascem, têm um peso reduzido, pelo que demoram mais tempo a atingir o escalão que se pretende para a sua venda.

A raça Churra Galega Mirandesa em concorrência com as raças mais competitivas apresenta-se menos produtiva e daí que a sua exploração continue a sofrer uma diminuição significativa.

T.M.N.: Para além da estatura, a lã é outra marca distintiva desta raça de ovinos?

A.C.: Sim, são animais rústicos e com lã abundante, o que lhes permite enfrentar melhor o frio rigoroso do inverno, tão caraterístico do planalto mirandês. É o tal velho ditado que carateriza o clima desta região: “nove meses de inverno e três de inferno”.

T.M.N.: A criação destes ovinos é uma atividade rentável?

A.C.: Sim, é uma atividade rentável se considerarmos a qualidade da carne que produzem. Mas atenção, a qualidade exige tempo. Como disse anteriormente, os ovinos da raça churra galega mirandesa demoram mais tempo a desenvolverem-se. Enquanto, as outras raças são mais direcionadas para a produção de carne em regime intensivo. A nossa raça de ovinos desenvolve-se num regime extensivo. Ou seja, a criação destes ovinos faz-se através do pastoreio em áreas extensas, no exterior.

“A criação de ovinos no Planalto Mirandês é uma atividade viável em termos económicos, que em muito tem contribuído para a manutenção das populações rurais. As explorações têm como principal fonte de rendimento a atividade pecuária e os ovinos contribuem em grande parte como a principal fonte de rendimento com o produto de venda anual, com o resultado do fornecimento de lã e de carne.”

T.M.N.: Do que se alimenta o cordeiro mirandês?

A.C.: No planalto mirandês, os rebanhos alimentam-se essencialmente das pastagens espontâneas, dos restolhos ou restos de cereais que ficaram nos campos e da flora arbustiva existente.

T.M.N.: Estamos a aproximar-nos da Páscoa, a época do ano em que tradicionalmente se come o cordeiro. Qual é a mais-valia do cordeiro Mirandês ou canhono mirandês, que é considerado um produto de Denominação de Origem Protegida (DOP)?

A.C.: A carne do cordeiro mirandês distingue-se pelo sabor e pela qualidade. Volto a sublinhar que enquanto um cordeiro de outra raça, em 15 dias está pronto para abate, um cordeiro da raça churra galega mirandesa demora cerca de 1,5 mês a dois meses a desenvolver-se. Este maior período de tempo permite que o cordeiro mirandês, alimentando-se da flora típica desta região, adquira um certo tipo de gordura, uma maior formação muscular e por isso, a carne do cordeiro mirandês é extremamente tenra, suculenta e muito pouco aromatizada.

“As feiras de gado mais importantes que se realizavam na Antiguidade no Planalto eram as feiras mensais do Naso a 8 de Setembro e a feira dos Gorazes em Outubro em Mogadouro. A localização geográfica do Planalto Mirandês foi sempre influenciada, durante a sua história, pelas trocas comerciais transfronteiriças.”

T.M.N.: No processo de comercialização do cordeiro mirandês, qual é a missão da Churracoop, a Cooperativa dos Ovinos Mirandeses, CRL?

A.C.: A nossa missão é precisamente valorizar o cordeiro mirandês. Queremos que o nosso produto seja reconhecido pela sua qualidade. E a atribuição da Denominação de Origem Protegida (DOP) é para nós motivo de grande satisfação.

T.M.N.: A pandemia está a prejudicar a vossa atividade?

A.C.: A pandemia começou há precisamente um ano, em plena véspera da Páscoa. Nessa altura, como também agora, fecharam o setor da restauração e nós deixámos de receber encomendas. Esta situação, completamente inesperada, obrigou-nos a uma adaptação. Iniciámos então uma campanha de promoção do cordeiro mirandês através do facebook. E a verdade é que conseguimos vender os nossos cordeiros e também fidelizamos clientes. Este ano, dado que os restaurantes voltam a estar fechados, continuamos a vender o cordeiro mirandês sobretudo através do online.

“O nome da raça corresponde à sua região originária, o Planalto Mirandês, que engloba os concelhos de Miranda do Douro, Mogadouro e Vimioso.” 

T.M.N.: Para além do fornecimento de carne, as ovelhas também contribuem para a limpeza dos campos e a prevenção dos incêndios.

A.C.: Sim, tal como as cabras, as ovelhas são “sapadoras florestais”, pois ao comerem muitos das ervas e arbustos do solo, estão a realizar uma importante tarefa na limpeza dos campos e assim a prevenir incêndios.

T.M.N.: E para além da limpeza dos campos, as ovelhas também contribuem para a fertilização das terras.

A.C.: Sim, os seus excrementos são utilizados para adubar as terras de cultivo. Na aldeia do Palancar, por exemplo, há um senhor, associado da Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa, que continua a utilizar o chamado “chiqueiro” ou cercado. São as tais caniças ou cancelas onde se guardam as ovelhas durante a noite. Ele vai mudando o “chiqueiro” de lugar e assim vai estrumando as suas propriedades. Quando tudo está estrumado, retira de lá as ovelhas e lavra o campo. E assim a terra está pronta para fazer a sementeira. Este método tradicional é valiosíssimo e dispensa a utilização de adubos. E o mais interessante é que as ovelhas sempre tiveram esta função de adubar os solos mais pobres, para a posterior sementeira dos cereais, para o cultivo das hortas, etc.

“O despovoamento das aldeias, acompanhado do envelhecimento da população residente é uma das grandes preocupações.”

T.M.N.: A raça Churra Galega Mirandesa esteve quase em extinção?

A.C.: Sim, a Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa foi criada precisamente para proteger a raça. Inicialmente, coube aos serviços da Direção Regional de Agricultura avançar com o livro genealógico, com a definição do padrão da raça e com os estatutos. E só posteriormente foi criada a associação, em 1996, com sede no Posto Zootécnico, em Malhadas.

T.M.N.: Anualmente, a Associação de Criadores de Ovinos Mirandeses (ACOM) realiza um concurso nacional onde são exibidos e premiados os melhores ovinos. Como se faz esta avaliação?

A.C.: Com um grande conhecimento da raça Churra Galega Mirandesa. Nesse concurso nacional, o júri avalia morfologicamente os animais, consoante a abundância de lã, consoante o careto ou as marcas (pintas) na cabeça, consoante a robustez e beleza do animal. Dado que é sobretudo uma avaliação visual e sendo um concurso, é importante que os criadores tenham um particular cuidado na limpeza e apresentação dos animais.

“O registo rootécnico da raça foi criado em 1994 e a Associação Nacional de Criadores da raça foi fundada em 1996, com sede no Posto Zootécnico de Malhadas, em Miranda do Douro.”

T.M.N.: Atualmente, quantos ovinos de raça churra galega mirandesa existem?

A.C.: Os ovinos de raça churra galega mirandesa ainda correm o risco de extinção. Neste momento, no livro genealógico da raça, estão registados 6762 animais.

T.M.N.: Se eu quiser ser criador de ovinos, o que preciso saber? E fazer?

A.C.: O essencial é ter paixão pelos animais. Depois, há que que ter consciência que é uma atividade que exige uma atenção diária, todos os dias do ano. E no inverno, a atividade é mais difícil pois há que pastorear as ovelhas, ao frio e à chuva. Quem estiver interessado em ser criador de ovinos desta raça, aconselho a contatar a Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa, em Malhadas. Aí, prestamos todas as informações necessárias, tais como onde adquirir animais da raça, como solicitar o pedido de marca de exploração aos serviços de veterinária, etc. Depois de obter a sua marca de exploração já pode iniciar a atividade de pecuária.

“Segundo Andrea Cortinhas existem 6762 ovinos da raça churra galega mirandesa registados, entre a variedade branca e a variedade preta.”

Perfil:

Andrea Cortinhas, nasceu em Miranda do Douro. Licenciou-se em engenharia Zootécnica, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Trabalha na Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa, desde 2015. É também a atual administradora da Churracoop – Cooperativa dos Ovinos Mirandeses, C.R.L.

HA

Entrevista: «É urgente valorizar a carne mirandesa na região onde é produzida» – Engenheiro Nuno Paulo

Entrevista: «Há que valorizar a carne mirandesa na nossa própria região» – Engenheiro Nuno Paulo

O berço da raça bovina mirandesa coincide com a área etnográfica em que se fala o mirandês, a designada Terra de Miranda. Antigamente, esta raça era muito valorizada pela força de trabalho no campo. Hoje é sobretudo apreciada por produzir carne de excecional qualidade. Mas esta qualidade não é devidamente valorizada na nossa própria região, segundo o administrador da Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa.

O engenheiro Nuno Rodrigues Paulo é o administrador da Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa. (HA)

T.M.N.: Antigamente, os animais de raça bovina mirandesa eram muito valorizados pela sua força nos trabalhos agrícolas. Com a mecanização da agricultura houve um decréscimo do número destes animais?

Nuno Rodrigues Paulo: A raça bovina mirandesa foi a que teve maior expressão a nível nacional, havendo registos de 250 mil animais em todo o país. São uma raça dócil no trato e têm uma grande força para os trabalhos agrícolas. É verdade que com a mecanização da agricultura, a raça foi perdendo efetivos. Contudo, estes animais mantêm-se nos seis concelhos que hoje constituem o solar da raça bovina mirandesa: em Miranda do Douro, Mogadouro, Vimioso, Macedo de Cavaleiros, Bragança e Vinhais. Nestes seis concelhos existem atualmente 363 criadores, 4200 vacas e 242 touros. E é aqui, que se produz a Carne Mirandesa qualificada com Denominação de Origem Protegida (DOP).

T.M.N.: O que significa Denominação de Origem Protegida (DOP)?

N.R.P.: A designação DOP é concedida a produtos que correspondem a determinadas caraterísticas e que se submetem a rigorosos sistemas de controlo. Quando se cria uma denominação de origem protegida há que cumprir um conjunto de regras, como são a localização geográfica, as caraterísticas climáticas, o maneio e o saber dos criadores. Por exemplo, os lameiros tradicionais que existem na Terra Fria Transmontana e que servem de pasto aos bovinos, não existem em mais nenhum local do país. Esta e outras caraterísticas delimitam a zona geográfica e determinam a qualidade da carne. É por isso que a carne mirandesa certificada provém dos animais nascidos e criados no solar da raça.

“Os lameiros tradicionais, que existem na Terra Fria Transmontana e que servem de pasto aos bovinos, não existem em mais nenhum local do país.”

T.M.N.: A agricultura no planalto mirandês mudou bastante. Por exemplo, o cultivo de cereais foi substituído pelos olivais e os amendoais. A atividade da pecuária também mudou?

N.R.P.: É verdade que a agricultura e, mais concretamente o cultivo de cereais, mudou por causa da perda de competitividade e da não rentabilidade na sua produção, comparativamente com outras regiões da União Europeia. E a atividade pecuária também mudou. Nas últimas décadas, verificou-se um aumento do número de animais por exploração e passamos do modo de produção tradicional para a produção extensiva. Se antigamente, havia produtores com três e quatro vacas e era muito comum ver os animais a passar no meio das aldeias, hoje isso já não acontece. Atualmente, um produtor que tenha menos de 30 vacas não tem uma atividade rentável. Por razões de competitividade, de organização e de rentabilidade, o que existe é o modo de produção extensivo. Cada produtor tem 70 a 80 vacas, que vivem permanentemente no campo, onde existem infraestruturas ou então árvores que lhes servem de abrigo, contra a chuva, o frio, o calor e o vento. Digamos que se está a aproximar muito mais o animal à natureza.

“Se antigamente, havia produtores com três e quatro vacas e era muito comum ver os animais a passar no meio das aldeias, hoje, isso já não acontece. Um produtor que tenha menos de 30 vacas não tem uma atividade rentável.”

T.M.N.: A pecuária é uma atividade que dá muito trabalho?

N.R.P.: A pecuária é uma atividade que exige uma total disponibilidade dos criadores. Se na agricultura, as pessoas conseguem conciliar essa atividade com outros empregos, na pecuária isso não é possível. Ao criador é-lhe exigida uma atenção e dedicação constante com o bem-estar dos animais.

T.M.N.: Que cuidados se têm na alimentação dos bovinos de raça mirandesa?

N.R.P.: A Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa tem um grande cuidado com a alimentação que se dá aos animais. Refiro, por exemplo, que 70% desta alimentação é produzida na região. E só utilizamos cereais nobres. Na aldeia de Duas Igrejas, existe uma unidade fabril onde se produz alimento à base do trigo e do centeio produzidos na região. Mas há outros cereais, como o milho e a cevada, em que somos obrigados a comprar noutras regiões.

“70% da alimentação dos bovinos mirandeses é produzida na região, E só utilizamos cereais nobres.”

T.M.N.: Perante o abandono dos campos, como se motivam os jovens para a agropecuária?

N.R.P.: Em primeiro lugar, há que adquirir conhecimentos na área – a agropecuária é uma ciência – para depois se investir. E mesmo os investidores têm que pensar bem, antes de enveredar por esta atividade. Porquê? Porque é uma atividade que exige um investimento muito grande. Por exemplo, para constituir uma empresa agropecuária há que reunir 200 a 300 mil euros para comprar os animais, os terrenos, as máquinas agrícolas, para construir as infraestruturas, etc. . Por norma, as pessoas que se dedicam à agropecuária já conhecem o setor. São, por exemplo, os filhos dos criadores, que vão dar continuidade ao trabalho dos pais. Eles já têm o conhecimento, a empresa já está em atividade e não precisam de realizar um investimento tão avultado. Mas para quem pensa construir uma empresa agropecuária de raiz, para além do elevado investimento, tem que enfrentar também a demora em obter rendimento imediato. Só ao 3º ou 4º ano de atividade é que há retorno financeiro. Em suma, o sucesso nesta atividade depende do conhecimento, do investimento e também da conjuntura económica favorável para que o projeto seja sustentável.

“Por norma, as pessoas que se dedicam à agropecuária já conhecem o setor. São, por exemplo, os filhos dos criadores, que vão dar continuidade ao trabalho dos pais. Eles já têm o conhecimento, a empresa já está em atividade e não precisam de realizar um investimento tão avultado.”

T.M.N.: Qual é a missão da Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa, C.R.L.?

N.R.P.: A missão da Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa, C.R.L. consiste em comercializar a produção, prestar serviços aos seus cooperantes e organizar-se. Desde 1996, que a cooperativa é a entidade gestora da marca “Carne Mirandesa”. E a nossa missão consiste em criar estruturas e canais de distribuição para vender os nossos produtos no mercado.

T.M.N.: A carne mirandesa dá origem a que produtos?

N.R.P.: Temos uma gama de produtos muito vasta. Graças à unidade industrial de transformação, localizada em Vimioso, utilizamos vários processos tecnológicos, como são os refrigerados, os congelados e a charcutaria. Na charcutaria apresentamos várias gamas de produtos como carnes verdes, os picados e os transformados. Para escoar estes produtos, estamos presentes em todos os canais de distribuição, quer no âmbito nacional quer internacional. Por exemplo, através do canal horeka comercializamos as chamadas partes nobres da vitela mirandesa como são a posta, a costeleta, etc. e que se destinam maioritariamente para os restaurantes e hotéis. Temos também a nossa gama de charcutaria, com vários produtos, tais como a Alheira Vitela, a Chouriça Tradicional Especial Assar, o Chouriço Mirandês, o Churrasquito Transmontano, o Paté de Fígado e Paté de Fígado c/ Tomilho.

“Através do canal horeka comercializamos as chamadas partes nobres da vitela mirandesa como são a posta, a costeleta, etc. e que se destinam maioritariamente para os restaurantes e hotéis.”

T.M.N.: Quem são os apreciadores da carne mirandesa?

N.R.P.: Como referi a marca “Carne Mirandesa” está presente no mercado nacional e internacional, sendo que a França é um dos nossos principais mercados. Para além da hotelaria e da restauração, também estamos presentes no mercado das grandes superfícies.

T.M.N.: Como se explica a popularidade do prato “Posta Mirandesa”?

N.R.P.: Desde o início do século XIX, quando os bovinos mirandeses foram a raça mais expressiva no país, que a carne é considerada de muito boa qualidade. E de facto, a carne mirandesa tem qualidades excecionais: tem um sabor e uma suculência únicas. A fama da posta mirandesa começou com a vinda de pessoas de outras regiões do país para aqui comprar animais de raça mirandesa. Depois, na década de 1990, a certificação da carne, a valorização da gastronomia e o desenvolvimento do turismo deram a conhecer ainda mais a qualidade desta carne.

“A carne mirandesa tem qualidades excecionais: tem um sabor e uma suculência únicas.”

T.M.N.: A fraude, isto é, o vender carne não certificada como sendo mirandesa prejudica o vosso trabalho?

N.R.P.: Sim, é um problema. No ano 2020, por exemplo, apenas 2,8% das nossas vendas se destinaram para esta região. E isso deixa-me muito triste. É inacreditável, a quantidade de fraude de carne mirandesa que se pratica no próprio solar da raça. Temos conhecimento desta irregularidade através da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que está constantemente a identificar pessoas que cometem essas transgressões. Nos últimos dois anos, houve 68 processos em todo o país de uso indevido da marca “Carne Mirandesa”, alguns dos quais no solar da raça. Por isso, na minha opinião, é urgente uma mudança de paradigma no setor hoteleiro da nossa região. E a comunicação social pode ter um papel preponderante para ajudar a mudar mentalidades e dar valor ao que à qualidade do tradicional. Penso, por exemplo nos turistas que nos visitam e que muitas vezes vêm com a intenção de provar a qualidade da carne mirandesa e no final são enganados.

“No ano 2020, apenas 2,8% das nossas vendas se destinaram para esta região. E isso deixa-me muito triste. É inacreditável, a quantidade de fraude de carne mirandesa que se pratica no próprio solar da raça mirandesa.”

T.M.N.: A pandemia está a afetar a comercialização da carne mirandesa?

N.R.P.: Sim, a pandemia obrigou-nos a adaptarmo-nos às novas circunstâncias. De um dia para o outro, a hotelaria encerrou e as exportações pararam. De 430 clientes ativos, passamos para apenas 19. Atravessámos um período muito mau, que nos obrigou a repensar a estratégia comercial e os canais de distribuição. Em 2020, tivemos que dirigir os nossos produtos para os supermercados, onde conseguimos triplicar as vendas. Hoje, estamos a vender sobretudo para os supermercados. É a nossa forma de escoar a produção, embora a um preço inferior ao praticado antes da pandemia. Se no ano passado, a cooperativa estava a pagar o quilo de carne ao produtor a 5,5 euros, atualmente pagamos o quilo a cinco euros. Com a pandemia a condicionar a nossa atividade, com os restaurantes e hotéis ainda fechados, continuamos a viver na incerteza. Se vamos retomar esses mercados? Estou convencido que sim. Mas não sei dizer quando.

“Em 2020, com o surgimento da pandemia tivemos que dirigir os nossos produtos para os supermercados, onde conseguimos triplicar as vendas.”

Perfil:

Nuno Rodrigues Paulo, nasceu 20/10/1973 e é natural de Picote (Miranda do Douro). Licenciou-se em Engenharia Agronómica – ramo de Zootecnia e concluiu uma Pós-graduação em Higiene e Segurança no Trabalho e Tenologia de Produtos Agroalimentares. Também é mestre em Tecnologia Alimentar. Desde 1996 que trabalha na Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa, C.R.L e em finais de 2010, assumiu a responsabilidade de Assessor do Conselho de Administração e Gestão de Projetos.

HA

Reportagem: Roscos sagrados

Reportagem: Roscos sagrados

Segundo a UNESCO, património, não é somente os monumentos e sítios, mas também as línguas, o saber-fazer, os rituais e as tradições. Há uma tradição em Águas Vivas e em São Pedro da Silva, em que os protagonistas são os roscos. Uns bolos com a forma de argola, feitos comunitariamente e que são muito apreciados por miúdos e graúdos. O que têm estes roscos de extraordinário? E porque é que as pessoas gostam tanto desta tradição? Fui à procura do sabor dos roscos e do saber da tradição. (por Hugo Anes)

A confeção dos roscos é um trabalho comunitário que gera um grande entusiasmo na aldeia. (Dilar Neto)

Giolanda, a alma dos roscos

Cheguei à aldeia de Águas Vivas e fui recebido pela Dilar Neto, a representante da junta de freguesia local. Quando soube do motivo da minha visita, levou-me ao encontro da dona Giolanda, uma senhora que no próximo mês de maio vai celebrar 92 anos! A dona Giolanda e a Dilar, representam duas gerações diferentes, mas ambas demonstram ter muito carinho à sua aldeia e às tradições. Quando lhes perguntei pela origem da festa dos roscos, vim a saber que a tradição é muito antiga. Conta-se que a festa terá começado após o recrutamento dos jovens da aldeia para uma guerra. O povo, aflito, decidiu fazer uma promessa a Deus: se os jovens regressassem sãos e salvos, organizariam uma festa em ação de graças. Ao que parece, assim aconteceu: os jovens regressaram de boa saúde e o povo decidiu cumprir a promessa. Reuniram-se, pediram-se as esmolas e a tradição começou a realizar-se, na festa de Nossa Senhora das Candeias, a 2 de fevereiro. Mais recentemente, mudaram a tradição para o Domingo gordo, dado que são as férias do carnaval e há mais jovens na aldeia. E são os jovens que organizam a festa. Em cada ano, há duas raparigas, as chamadas mordomas, que têm a missão de chamar as outras para o baile, que decorre de terça-feira a sábado, ao serão, à volta da fogueira.

Os roscos

A confeção dos tão apreciados roscos começa na quarta-feira de manhã. É um trabalho comunitário que gera um grande entusiasmo e azáfama, em toda a aldeia. Em primeiro lugar, há que reunir os ingredientes. São necessários ovos, açúcar, farinha, fermento, manteiga, gordura de porco e um pouco de aguardente para dar aroma aos roscos ou em alternativa, anis. Como ensina a dona Giolanda, para cada três dúzias de ovos, junta-se um quilo de açúcar. E quanto à farinha, houve anos em que se compraram 13 sacos, o equivalente a 150 quilos! Após reunir os ingredientes, as primeiras tarefas são: partir os ovos e preparar a massa. Esta, depois de bem amassada, vai ficar a levedar, até ao dia seguinte. Na quinta-feira, os trabalhos recomeçam bem cedo, pois é dia de colocar a massa nas formas e de as levar ao forno a lenha. A cozedura dos roscos é um trabalho que se prolonga por todo o dia. Por isso, só na sexta-feira é que os roscos estão prontos. No sábado à noite, os jovens mordomos organizam uma pequena festa para a juventude, com o propósito de escolher os “perneiros”. Os “perneiros” são os cinco rapazes que, pela sua generosidade na esmola, vão ter a honra de, no dia da festa, transportar os andores de Nossa Senhora das Candeias e o andor com os roscos.

Chegados ao dia da festa, o Domingo começa com a celebração da Missa. No decorrer da celebração expõe-se o andor ornamentado com os roscos. No final da celebração, o andor é colocado no átrio da Igreja, onde os rapazes o apregoam. O leilão só acontece à meia-noite, na casa do povo. A dona Giolanda diz que, houve anos, em que a venda dos roscos deu uma receita de 600 contos!

Dilar Neto e a Sra. Giolanda explicam o carinho que têm pela tradição dos roscos (HA)

Os roscos no dia de Reis

Em São Pedro da Silva, a tradição dos roscos coincide com o Dia de Reis, que se celebra a seis de janeiro. Também aqui a tradição é organizada pelos jovens solteiros. Cabe assim a duas raparigas e um rapaz, serem os mordomos da festa. No entanto, esta tradição corre o risco de cair no esquecimento. O êxodo dos jovens para as cidades põe em causa a sua continuidade. Segundo Alfredo Cameirão, natural da aldeia e professor, a festa dos Reis era um dos momentos mais importantes da aldeia. “Era uma festa muito querida. Mas, devido ao despovoamento e ao envelhecimento da população, de modo muito expressivo em São Pedro da Silva, a tradição não se fez por vários anos.”. Ainda assim, a chegada do padre Rufino à paróquia trouxe um novo ânimo às pessoas. “Em São Pedro da Silva, sempre houve uma tradição muito fervorosa à volta do dia de Reis. Quando assumi a paróquia de São Pedro da Silva, a tradição estava a ser esquecida, já não estavam a celebrar o dia de Reis nem a confecionar os roscos. E ao escutar as pessoas, animei-as a recuperar a tradição.” Desde então, a comissão fabriqueira da paróquia decidiu organizar novamente a festa e voltaram a confecionar-se os roscos no dia de Reis!

Há a destacar que neste trabalho, as senhoras são as primeiras as arregaçar as mangas. Elisabete Esteves e a senhora Albertina de São Pedro, descreveram como preparam a festa. Dois dias antes, realizam o peditório pela aldeia, para recolher os ingredientes. Pedem-se ovos, farinha, manteiga, leite, aguardente, açúcar e fermento. Depois, distribuem-se as tarefas. Há que bater uma grande quantidade de ovos e misturá-los com o açúcar, até ficar no ponto. Há também que preparar a massa. Depois, as chamadas “feiteiras” colocam a massa nas formas. E ao que parece, os roscos assumem vários formatos. “Desde os utensílios da agricultura, como o arado, uma escada e até o padre a celebrar a Missa serve de inspiração para dar forma aos roscos!” – gracejou o padre Rufino. Na confeção dos roscos, há também que zelar pelo forno a lenha. Quando os roscos já estão cozidos, tiram-se do forno e adiciona-se-lhes um creme. Antigamente, os roscos eram pincelados com a gema do ovo. Mas agora, em São Pedro da Silva, em vez gema do ovo adicionam-lhe um creme de açúcar. Outra tarefa importante e original é esfregar as formas, que curiosamente, são as tampas das latas de tinta! Todo este trabalho comunitário, só está concluído ao final do dia.

No dia seguinte, sábado, é chegado o momento de ornamentar o andor com os roscos. Segundo, o padre Rufino, este é um trabalho que exige muita técnica, pelo que é importante que se transmita este saber às gerações mais novas.

Na noite de sábado, os mordomos percorrem as ruas da aldeia a convidar as pessoas para a degustação das “claras”. As claras são uns roscos pequeninos, feitos propositadamente para convencer as pessoas a comprar os roscos no dia da festa.

Chegados ao dia de Domingo, começa a festa! A celebração da missa é cantada, há a adoração do Menino Jesus e também a bênção do andor com os roscos. No final da celebração traz-se o andor para o adro da igreja, onde é leiloado. Depois, transporta-se o andor dos roscos para o salão da casa do povo, onde se desfaz: os roscos da parte superior destinam-se aos mordomos do próximo ano. O senhor padre também é presenteado com um desses roscos. E os restantes são para vender. Cada rosco custa 6 euros. A Elisabete e a senhora Albertina dizem que se vende tudo rapidamente!

Ao jantar, tradicionalmente come-se o butelo com as cascas. E a festa continua com o baile, que decorre no salão da casa do povo, onde por vezes, quase não se cabe, tanta é a afluência de gente!


A receita

Nesta tradição dos roscos, o que mais chama à atenção é a participação de toda a aldeia na preparação da festa. Há quem ofereça os ingredientes, como os ovos, a farinha ou o açúcar. Outros, arregaçam as mangas e dedicam-se ao trabalho, de partir os ovos, amassar a massa ou ficar responsáveis pelo forno. Há também quem venha à festa só para comprar os roscos.

A participação de toda a comunidade é, afinal, o que torna esta tradição tão querida em cada aldeia. Sob o pretexto da confeção dos roscos, as pessoas aproximam-se, convivem, trabalham juntas, rezam, comem, dançam, cantam, e assim estão a aprofundar o sentido de pertença à sua aldeia e a transmitir às novas gerações a sabedoria das suas tradições.

Quanto ao sabor dos roscos, há que seguir a receita:

Ingredientes utilizados: Ovos, gorduras (manteiga e azeite), açúcar, farinha, leite, aguardente, fermento em pó e bicarbonato de soda e anis.

Modo de preparação: Misturam-se os ovos com o açúcar e vão-se misturando os restantes ingredientes mexendo muito bem, por fim vai-se deitando a farinha até a massa ficar dura, de forma a se poder moldar e deixa-se repousar durante 1 hora. Seguidamente molda-se a massa com as mãos e coloca-se em tabuleiros, estes bolos apresentam-se de várias formas (formato de circulo, letras, entre outros formatos) e pincelam-se com gemas de ovos. Depois disso vão a cozer no forno de lenha, durante aproximadamente 20 minutos.

E juntar-lhe uma boa dose de partilha, de entreajuda e de amor, para que tudo tenha mais sabor!


Entrevista: «Agora estamos mais bem preparados para as aulas à distância» – António Santos

Entrevista: «Agora estamos mais bem preparados para as aulas à distância» – António Santos

Com o agravamento da pandemia, os 600 alunos do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD) vão ter aulas através das tecnologias digitais, até que a situação epidemiológica desagrave e permita o regresso dos alunos à escola, informou o diretor do agrupamento.


António Santos é o diretor do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD)

Perfil:

O professor António Santos é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Inglês e Francês. Com um mestrado em Administração Escolar é também diretor do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD). Já lá vão 20 anos desde que assumiu essa responsabilidade. Diz que sente saudades de ser professor, de ensinar e de estar com os alunos, na sala de aula.

Terra de Miranda – Notícias: Ao longo da sua carreira no ensino, a escola mudou muito?

António Santos: Sim, a escola mudou muito. Se é verdade que a missão é a mesma de sempre, há muitos outros aspetos que mudaram e que melhoraram. Por exemplo, a escola que temos hoje, tem muito mais qualidade em termos de conforto para que alunos e professores possam desenvolver o seu trabalho. Introduzimos as novas tecnologias, o que há 20 anos praticamente não existia. E temos conseguido fazer com que a escola acompanhe os tempos da modernidade.

T.M.N.: Hoje, os alunos também são diferentes?

A.S.: Sim, os alunos também estão diferentes. E ao contrário do que, por vezes, o povo diz ou reclama dos jovens, como o “não têm maneiras”, eu vejo-os muito mais ordeiros e bem-comportados. E estou convencido de que isso se deve também ao trabalho que realizamos na escola. Por exemplo, hoje, um dos pontos fundamentais do nosso trabalho é transmitir aos alunos os valores da cidadania, da convivência democrática e do humanismo. Por isso, penso que a juventude de hoje sabe estar e sabe intervir. E isso deixa-me muito satisfeito.

T.M.N.: Pelo facto do decréscimo da população e consequentemente por haver menos alunos na escola, isso contribui para que haja mais ordem e um melhor ambiente para a aprendizagem?

A.S.: Claro que quando há muita gente a partilhar o mesmo espaço é natural que surjam mais atritos e um pouco mais de confusão.  No entanto, o despovoamento das nossas aldeias, onde há pouca gente e quase não há crianças é motivo de muita preocupação. Este abandono do interior entristece-me e é uma das nossas maiores preocupações.

T.M.N.: Que papel é que a escola pode desempenhar junto dos alunos para agir contra o despovoamento?

A.S.: A tendência dos jovens que após a conclusão do ensino secundário ingressam nas universidades, indica que são muito poucos os que regressam ao concelho de Miranda do Douro, após a conclusão dos estudos. A maioria dos jovens vão para onde há emprego e mais oportunidades de trabalho. E isso, infelizmente, continua a concentrar-se, sobretudo, nas grandes cidades do litoral. Localmente, desde há vários anos que estamos a investir na formação profissional, sobretudo nas áreas do turismo e do comércio, dado que Miranda do Douro vive essencialmente destas duas atividades económicas. Alguns dos nossos alunos têm conseguido trabalho nas empresas da região. Os cursos têm também um componente forte de empreendedorismo, em que os alunos desenvolvem projetos pessoais para a sua fixação neste território.

“Os cursos têm também um componente forte de empreendedorismo, em que os alunos desenvolvem projetos pessoais para a sua fixação neste território.”

T.M.N.: Quanto alunos estudam no concelho de Miranda do Douro?

A.S.: No Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD) estudam 600 alunos. Este agrupamento é constituído por sete escolas: a Escola Básica e Secundária de Miranda do Douro, a Escola Básica de Miranda do Douro do 1º Ciclo e o Pré-escolar de Miranda do Douro. Em Palaçoulo, existe a Escola Básica de 1º ciclo e o Pré-escolar. E em Sendim, há a Escola Básica 1/2/3 e o Pré-escolar. Isso significa que todas as crianças e jovens do concelho de Miranda do Douro, que é bastante extenso, estudam nestas sete escolas. Dada a extensão do concelho, muitos alunos vêem-se obrigados a passar uma hora de viagem de manhã nos transportes escolares e outra ao final do dia, o que limita o seu tempo de estudo e de descanso. Para minimizar este problema, só começamos as aulas às 9h00, para permitir que estes alunos façam a viagem sem terem que se levantar ainda mais cedo. E terminamos às 17h00, também para permitir que cheguem a casa ainda de dia.

T.M.N.: Tal como em março do ano passado, a pandemia obrigou a fechar novamente as escolas. As aulas vão decorrer à distância, através dos computadores e da televisão. A poucos dias do reinício das aulas à distância, como estão os preparativos para este desafio? Estão, agora, mais bem preparados do que no ano passado?

A. S.: Sim, estamos mais bem preparados. Os professores já sabem utilizar as plataformas informáticas e receberam formação. Por outro lado, também os pais já passaram por esta experiência do ensino em casa para os seus filhos. Há a dizer, no entanto, que não obstante a escola estar fechada, os alunos que são filhos de profissionais de atividades de risco (ou seja, os que estão na linha da frente no combate a esta pandemia) e os filhos de profissões essenciais que não estão sujeitos ao confinamento obrigatório, a escola, tem a obrigação de cuidar destas crianças e jovens. Significa isto, que os pais que não tenham outra forma de cuidar dos seus filhos, podem confiá-los às escolas de Miranda do Douro ou de Sendim. Também as crianças e jovens indicados pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ), que não têm as condições necessárias em casa para desenvolverem a sua aprendizagem, também vêm para a escola. Finalmente, a escola vai continuar a assegurar as refeições a todos os alunos carenciados que o peçam.

T.M.N.: Todos os alunos têm computador e acesso à internet?

A. S.: Ainda há muitos alunos sem computadores e sem acesso à internet. É um problema que estamos a tentar resolver, em colaboração com o município de Miranda do Douro. Em março passado, o município já havia contribuído facultando várias ligações à internet para os alunos. Em relação aos equipamentos informáticos, vamos tentar que haja, pelo menos, um computador em cada agregado familiar com ligação à internet.

“Ainda há muitos alunos sem computadores e sem acesso à internet. É um problema que estamos a tentar resolver, em colaboração com o município de Miranda do Douro.”

T.M.N.: Como vai acontecer o ensino à distância?

A. S.: Em relação às aulas à distância temos diferentes níveis de intervenção. No ensino secundário, por exemplo, já está garantido que todos os alunos têm o equipamento com o acesso à internet e as aulas vão decorrer de forma síncrona, isto é, em direto, como se estivessem na escola, com um horário bem definido e com aulas mais curtas para evitar o cansaço. Relativamente, ao terceiro ciclo, também temos a garantia de que os alunos vão ter aulas síncronas, pois já são jovens com autonomia para estar e aprender desta forma. No segundo ciclo, as aulas vão ser mistas, síncronas e também assíncronas. E no primeiro ciclo, dado que as crianças têm muito pouca autonomia para estarem sozinhos em frente a um computador, a sua aprendizagem será sobretudo realizada através dos manuais escolares, na realização de tarefas atribuídas pelos professores, que vão ter que utilizar mais o telefone ou outro tipo de estratégia de comunicação com os alunos. Desta vez, vamos voltar a contar com a colaboração da Escola Segura, que, periodicamente, vai distribuir material de estudo, em papel, aos alunos que, em suas casas, não têm as condições técnicas para o ensino à distância. Numa semana entregam esse material, na semana seguinte recolhem e os professores corrigem.

T.M.N.: A equidade de condições para a aprendizagem preocupa-o?

A. S.: Sim, uma das minhas preocupações é a igualdade de condições no processo da aprendizagem. Quando um professor comunica que numa aula síncrona, apenas um ou dois alunos não participaram, é uma situação que não posso aceitar. As aulas síncronas são para todos os alunos. Ninguém pode ficar de fora. E só podemos ensinar utilizando as tecnologias mais avançadas, quando todos podem fazê-lo. Temos que ter muito cuidado em garantir um ensino que seja justo e igual para todos.

T.M.N.: A quem se destinam as aulas que são transmitidas através da RTP Memória?

A. S.: A chamada telescola é um bom complemento, com aulas para todos os níveis de ensino.  Nós, os professores temos acesso à grelha de programação da RTP Memória, e sempre que alguma das aulas televisivas coincidir com os interesses ou propósitos de ensino de cada professor, eles podem aconselhar os seus alunos a assistirem a essas aulas. Por exemplo, um professor pode recomendar os seus alunos a assistir à aula de português, às 10 horas, na RTP Memória, porque é muito interessante e vai expor os conteúdos que irão trabalhar. Mas repito, telescola é apenas um complemento.

T.M.N.: A partir de segunda-feira, como é que vai ser o dia-a-dia, de um aluno, por exemplo, do 8º ano? Ele vai ter um horário?

A.S.: A escola vai enviar aos pais a informação sobre o nosso procedimento.  O que se pretende é que os alunos cumpram o seu horário que tinham na escola. Se às 9h00 tinham português no ensino presencial, vão continuar a ter português no ensino à distância. Em cada aula, o professor liga a câmara e o microfone (através do zoom ou do google classroom) estabelece a relação com os alunos e inicia a aula.  A única diferença é que se a aula de português no ensino presencial durava 90 minutos, a aula online vai durar apenas 45 minutos. Porquê? Porque está comprovado que se as aulas se prolongarem por mais tempo torna-se cansativo e os alunos perdem o interesse. Os outros 45 minutos serão dedicados ao trabalho autónomo, durante o qual aos alunos podem estudar, desenvolver e aprofundar, sozinhos, os conteúdos recebidos. Depois segue-se o intervalo. De seguida vão ter outra disciplina, por exemplo, físico-química… Claro que estas aulas síncronas, em tempo real, são sobretudo destinadas aos alunos que já têm mais autonomia, como são os do 3º ciclo e do secundário.

“Está comprovado que se as aulas se prolongarem por mais tempo torna-se cansativo e os alunos perdem o interesse. Os outros 45 minutos serão dedicados ao trabalho autónomo, durante o qual aos alunos podem estudar, desenvolver e aprofundar, sozinhos, os conteúdos recebidos.”

T.M.N.: E como vão decorrer as aulas dos alunos do 1ª e 2ª ciclos?

A.S.:  Os alunos mais novos, nomeadamente os do 1º ciclo, sendo que a maioria não tem as condições técnicas para as aulas síncronas, nem tão pouco autonomia para participarem nas aulas à distância, os professores optam por comunicar com eles no início da semana, à segunda-feira, para transmitir-lhes uma série de orientação e atribuir-lhes tarefas para nos próximos dias. No decorrer da semana, os professores contatam os alunos sempre que for necessário. E na sexta-feira, os professores voltam a contatar todos os alunos, para fazer correção e a avaliação da semana, para dar o feedback aos alunos do trabalho que realizaram.

T.M.N.: Há quem diga que nesta modalidade de ensino à distância, as crianças e os jovens tornam-se mais preguiçosos, mais apáticos, sem entusiasmo? São horas infindáveis nas redes sociais, nos jogos, o que os priva da dinâmica e do interesse pelo aprender. Concorda?

A.S.: Sim, há esse risco. Eu compreendo que a tentação de estar em casa e poder fazer o que lhe apetece, ver os jogos ou outro tipo de canais e não estar com a câmara ligada para o professor, é uma preocupação que existe. Mas temos que trabalhar para evitar o desinteresse dos alunos. Recordo que no primeiro confinamento, em março do ano passado, para nossa surpresa, houve alguns alunos que se dedicaram e trabalharam mais, em casa, do que na escola. Estes alunos que tiveram uma atitude mais responsável, aperceberam-se da gravidade do problema que estamos a viver a nível mundial, e aceitaram bem a obrigatoriedade de ter que estudar em casa.

T.M.N.: A privação da proximidade, do encontro e do convívio entre os alunos é uma grande provação para eles?

A.S.: É, sem dúvida. Os miúdos gostam de brincar! Recordo que no primeiro período, mesmo aconselhando regras estritas no comportamento dentro da escola, os miúdos adoram brincar, adoram correr atrás de uma bola, adoram agarrar-se, empurrar, etc., e isso faz parte da natureza humana. E infelizmente, a pandemia limitou-nos essa componente do contato físico. Por outro lado, hoje, com as novas tecnologias (telemóveis, whatsapp, zoom, Skype, etc.), eles facilmente comunicam uns com os outros. E a própria aula síncrona que o professor proporciona, também é um momento de encontro entre eles, pois vêem-se uns aos outros no ecrã, o que acaba por ser também um momento de convívio e não só de trabalho.

T.M.N.: O que dizem os pais sobre esta experiência das aulas em casa? Como estão a preparar as suas casas para que os filhos possam aprender à distância? Os pais acompanham as aulas dos filhos, para que estes não se distraiam?

A.S.: Esta é outras das grandes diferenças. Há pais que podem acompanhar os filhos, porque estão em casa a tempo inteiro ou porque estão em teletrabalho. Mas, infelizmente há outros pais que não podem acompanhar os filhos, ou porque têm que ir trabalhar, ou porque não sabem utilizar as novas tecnologias. E isto é outro fator de diferenciação que nos preocupa. Mas, de um modo geral todos os pais se esforçam por acompanhar os seus educandos.

T.M.N.: E do lado dos professores, como é lecionar à distância?

A.S.: Ensinar à distância é muito trabalhoso e aos professores é exigida uma grande preparação prévia dos materiais. E a verdade é que há professores que até gostam desta modalidade de ensino à distância e conseguem contruir boas relações com os alunos. Para tal, também foi muito importante o ensino presencial no primeiro período, durante o qual se estabeleceu um conhecimento e uma relação pedagógica entre os alunos e os professores. Isso permitiu-nos regressar as aulas à distância com maior à vontade, pois já há um conhecimento entre todos. Se o ensino à distância se fizesse sem esse conhecimento prévio entre professores e alunos seria mais difícil e custoso para todos.

T.M.N.: Até quando prevê que seja necessário manter as aulas à distância?

A.S.: Nós gostávamos que os alunos permanecessem em casa o menos tempo possível e regressassem rapidamente à escola. O ensino é presencial e todos os professores o defendem. Mas estamos a atravessar um momento em que temos mesmo que confinar, ficar em casa, e esperar que esta pandemia acabe. A minha convicção pessoal é a de que, antes de março, não será possível regressar à escola, a não ser que haja uma regressão muito acentuada dos níveis de contágio e de óbitos. Vamos aguardar pelo evoluir da situação epidemiológica.

“A minha convicção pessoal é a de que, antes de março, não será possível regressar à escola, a não ser que haja uma regressão muito acentuada dos níveis de contágio e de óbitos.”

T.M.N.: E porque estamos na Terra de Miranda, pergunto se também há aulas de mirandês à distância?

A. S.: Com certeza! Nós temos o privilégio de poder ensinar o mirandês nas escolas do agrupamento e haverá com certeza aulas à distância em mirandês. O professor Duarte, na Escola Básica e Secundária de Miranda do Douro, e o professor Emílio, na Escola Básica 1/2/3 de Sendim, são experientes na utilização das novas tecnologias e vão continuar a assegurar o ensino da língua mirandesa. A disciplina de mirandês é facultativa e é frequentada por 70% dos alunos. No primeiro ciclo, os alunos têm duas aulas por semana. E nos restantes ciclos, a aula de mirandês é semanal.

HA

“Há pressa no ar”, é o hino musical das JMJ Lisboa 2023

Igreja: “Há pressa no ar”, é o hino musical das JMJ Lisboa 2023

A canção “Há pressa no ar” é o hino da Jornada Mundial da Juventude, que vai realizar-se em Lisboa, em 2023, e foi inspirada no tema «Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc1,39).

O próximo encontro internacional dos jovens com o Papa (Jornada Mundial da Juventude), vai realizar-se na capital portuguesa, no verão de 2023, e ao longo de uma semana, jovens de todo o mundo, vão ter a oportunidade de conhecer o nosso país e confraternizar entre si, num evento que é simultaneamente, uma peregrinação, uma festa e um momento único de evangelização do mundo juvenil.

O hino das JMJ 2023 é a canção “Há Pressa no Ar”, com letra de João Paulo Vaz, sacerdote, e música de Pedro Ferreira, professor e músico, ambos da diocese de Coimbra, no centro de Portugal. Os arranjos musicais são de Carlos Garcia.

O tema foi gravado, em duas versões: em português e na versão internacional em

cinco idiomas (português, inglês, espanhol, francês e italiano).

Ao cantar este hino, os jovens de todo o mundo são convidados a identificarem-se

com Maria, dispondo-se ao serviço, à missão e à transformação do mundo.

A letra evoca também a festa da JMJ e a alegria centrada na relação com Deus.

O Concurso que elegeu a música

A canção oficial da JMJ Lisboa 2023 foi escolhida em concurso nacional, aberto à participação de portugueses maiores de idade. O Comité Organizador Local (COL) recebeu mais de uma centena de candidaturas, que foram analisadas por um júri composto por profissionais das áreas da música e das artes.

Como requisitos principais para a participação na competição foi pedido aos participantes que o hino oficial se inspirasse no lema da JMJ 2023, definido pelo Papa Francisco; nos objetivos da JMJ, entre os quais sobressai o da evangelização; e na cultura portuguesa.

O processo de produção em estúdio, realizado em 2020, envolveu jovens de todo o país, alguns dos quais participantes na competição que, apesar de não terem sido selecionados, integraram o coro da gravação final.

Uma canção que nasceu para unir

A melodia nasceu primeiro do que a letra, contam os autores. Pedro Ferreira, de 41 anos, compôs, numa “pequena sala, sozinho ao piano”, uma melodia “pensada para congregar, unir uma comunidade”.

Com outros amigos da Banda da Paróquia, grupo musical que integra, pediu ao padre João Paulo Vaz para escrever a letra.

“Não alterando em nada a melodia, e com a guitarra na mão, fui escrevendo, como costumo fazer”, recorda o sacerdote, de 51 anos.

“O tema da edição de Lisboa [‘Maria levantou-se a partiu apressadamente’ (Lc 1, 39)] levou-me a rever a minha relação com a Mãe e, portanto, o processo criativo da letra tornou-se um tempo de oração muito profundo para mim.”, partilha João Paulo Vaz.

Quando ao estilo, foi solicitada no concurso “uma música popular, alegre, juvenil, fácil de aprender e de fácil tradução e adaptação”.

Os arranjos musicais de “Há Pressa no Ar” são da autoria do músico Carlos Garcia.

“Ao ouvir o tema, o Carlos acaba por se apropriar da melodia e num trabalho notável – não lhe mexe na estrutura, na forma – enriquece-a de uma forma única”, sublinha o autor da melodia, Pedro Ferreira, que foi fundador da banda portuguesa Anaquim, entre outros projetos musicais.

JMJ | HA

MCTM: Carta aberta aos Senhores Deputados à Assembleia da República

MCTM: Carta aberta aos Senhores Deputados à Assembleia da República

O Senhor Ministro analisou, mandou alterar e aprovou a realização do contrato quetransmitiu a concessão da exploração das barragens, mas não assegurou ter acautelado o pagamento, pela EDP, de qualquer contrapartida, nem ter cuidado de garantir o pagamento dos impostos devidos pela operação.

Apesar disso, estava alertado, pelo Movimento Cultural da Terra de Miranda(MCTM), pessoalmente e por escrito, para a possibilidade de o contrato conter cláusulas de planeamento fiscal, o que veio a ocorrer, sem que o Senhor Ministro nada tenha feito, ao contrário do que era sua obrigação legal.

Assim, o MCTM exorta os Senhores Deputados, como representantes do Povoportuguês, no cumprimento da função parlamentar de escrutínio do Governo, que exijam resposta clara e definitiva às seguintes questões:

1) Qual é o valor da contrapartida financeira exigida pelo Governo à EDP pelamais-valia adicional que lhe foi proporcionada pela autorização da realização de um negócio que não estava previsto no contrato inicial?

2) Por que motivo, quando o Ministro Manuel Pinho prorrogou as concessões,obrigou a EDP a pagar aproximadamente 700 milhões de euros ao Estado e agora nada foi exigido?

3) Qual é o valor de IRC que a EDP vai pagar por efeito desta mais-valia, ou oGoverno sabe que nada vai ser pago?

4) Qual é o valor do Imposto do Selo pago pela EDP, por efeito da cisão e daconsequente transmissão (trespasse) da concessão a favor da empresa veículo, queconstituiu para a realização do negócio?

5) Qual é o valor do Imposto do Selo a pagar pelas entidades adquirentes porefeito da fusão com aquela empresa veículo e da correspondente transmissão (trespasse) da concessão?

 6) Acautelou o Senhor Ministro que o contrato de venda não contivesse cláusulasde planeamento fiscal tendentes a evitar o pagamento destes impostos?

7) O Senhor Ministro confirma que havia sido alertado por escrito, pelo MCTM,para a possibilidade de existirem cláusulas de planeamento fiscal destinadas a evitar o pagamento dos impostos devidos por operações deste tipo?

Terra de Miranda, 17 de dezembro de 2020

Covid-19: Lar do Senhor da Misericórdia e Lar de Palaçoulo registam infeções

Covid-19: Lares da Misericórdia e de Palaçoulo registam infeções

O lar do Senhor da Misericórdia e o lar de Palaçoulo, tutelados pela Misericórdia de Miranda do Douro, estão a ser afetados por surtos do coronavírus, entre utentes e funcionários”, informou a provedora da Instituição.

O número de mortes associadas à covid-19 no Lar da Misericórdia de Miranda do Douro subiu para 11 e todos os 61 utentes estão infetados pelo SARS-CoV-2

O lar de Palaçoulo, tutelado pela Misericórdia de Miranda do Douro, tem 30 pessoas infetadas pelo novo coronavírus, entre utentes e funcionários”, informou a provedora da Instituição.

Segundo a responsável, há idosos com “sintoma ligeiros”, mas a maioria está “estável”.

A pandemia de covid-19 provocou pelo menos 1.979.596 mortos resultantes de mais de 92,3 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

Em Portugal, morreram 8.236 pessoas dos 507.108 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.

Lusa |HA

Entrevista: «Com Deus a vida tem mais sentido» – Dom José Cordeiro, Bispo de Bragança-Miranda

Entrevista: «Com Deus a vida tem mais sentido» – Dom José Cordeiro

Como já é tradição, o Bispo de Bragança-Miranda veio celebrar a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, à Concatedral de Miranda do Douro para assim reforçar a unidade e a comunhão da Igreja diocesana.

Dom José Cordeiro é bispo da diocese de Bragança-Miranda desde 2011. (HA)

Terra de Miranda Notícias: No dia 1 de janeiro, Dom José Cordeiro veio celebrar a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, em Miranda do Douro. Que significado tem a presença do Sr. Bispo, em Miranda do Douro, neste primeiro dia do novo ano?

Dom José Cordeiro.: Tem o significado da unidade e de comunhão em toda a diocese. Acresce também o facto de a diocese ter nascido aqui e por isso faz parte dos deveres do Bispo visitar Miranda do Douro. Decidi realizar estas visitas na oitava do Natal e na oitava da Páscoa, para que seja realmente verdade aquilo que pronunciamos ao dizer: diocese de Bragança-Miranda. Na atitude agradecida da história, queremos continuar a ser a Igreja, que peregrina neste território. E Miranda do Douro tem sempre encanto, não só pela beleza da Concatedral, mas também por ter sido o berço da diocese.

T.M.N.: Neste dia também se celebrou o Dia Mundial da Paz. Este ano, o Santo Padre Francisco escolheu como tema da sua mensagem: “A cultura do cuidado como percurso de paz”. Na diocese de Bragança-Miranda, a vinda das Irmãs Trapistas para Palaçoulo vem aportar um maior cuidado e zelo espiritual à diocese? O que podemos (re)aprender com as pessoas que enveredam pela vida religiosa?

D.J.C.: O Papa Francisco quando recebeu as Irmãs antes da sua vinda, disse-lhes que vinham para Portugal, o que quer dizer que o desafio é maior. Para nós é uma enorme graça, ter sido escolhida a Terra de Miranda para o acolhimento deste mosteiro Trapista, de Santa Maria Mãe da Igreja, em Palaçoulo. A presença desta comunidade monástica é como aproximar-se de uma fonte cristalina numa terra deserta. Quem ali for que se sinta habitado pelo silêncio. Na nobre simplicidade e na sóbria beleza da liturgia, do trabalho e da vida das Irmãs, os mosteiros sempre foram lugares de cultura, de catequese, de culto e de caridade. Auguramos que o mosteiro de Santa Maria, Mãe de Deus, em Palaçoulo, seja isso mesmo. Ao mesmo tempo que pedimos a Deus, o dom das novas vocações, sobretudo vocações portuguesas, porque este mosteiro está sonhado para quarenta monjas. Dez já lá estão. Faltam 30. E trinta hão de surgir, portuguesas ou de outros países, que sintam esta interpelação para uma felicidade plena, vivida no silêncio e no encontro do mosteiro.

“Para nós é uma enorme graça, ter sido escolhida a Terra de Miranda para o acolhimento deste mosteiro Trapista, de Santa Maria, Mãe da Igreja, em Palaçoulo.”

T.M.N.: Inspirou-se nas palavras de uma Monja Beneditina para escrever a homília da Missa de Natal: «Perco-me na profundidade do grande mistério: mistério luminoso na noite; mistério do eterno no tempo; mistério do espírito na carne; mistério do Tudo no nada». Porque se diz que Deus é mistério? Deus esconde-se de nós?

D.J.C: Essas palavras são Ana Maria Cánopi, uma monja que já vive a eternidade e que teve um ministério muito fecundo. O mosteiro onde ela viveu e que restaurou, na diocese de Novara, em Itália, tem cerca de 100 monjas. O que ela escreveu acerca do Natal, está num livro muito expressivo de poemas, que se chama “Pezinhos nus”. De facto, a palavra “mistério” para muitos ainda assusta e às vezes não se entende bem na cultura em que vivemos. Mas mistério não é um enigma, não é um segredo, não é nada de misterioso. É uma Pessoa. É Deus no meio de nós. E celebrar o Natal é sobretudo aprofundar a nossa fé. Porque o Natal só à luz da Páscoa se pode compreender. E de facto, muitos cristãos continuam a viver essa fé infantil, muito envolta na representação das lendas, das histórias ou do sentimento do Natal, mas não do espírito do Natal. E o verdadeiro espírito do Natal é esse mistério que nos ultrapassa, porque é Deus que vem ao nosso encontro. A fé é sobretudo essa iniciativa de Deus que vem ao nosso encontro, da nossa humanidade fragilizada. E estes tempos que estamos a viver mostram isso mesmo.

“A fé é sobretudo essa iniciativa de Deus que vem ao nosso encontro, da nossa humanidade fragilizada.”

T.M.N.: Na noite de Natal costumava jantar com alguns estudantes internacionais do IPB e com outras pessoas que vivem sós. Este ano, por causa da pandemia, como viveu a noite de Natal?

D.J.C.: Este ano não foi possível juntarmo-nos. Houve anos em que nos juntávamos mais de 200 pessoas, sobretudo aqueles que passavam sós o Natal, como os estudantes internacionais. Também não tive oportunidade de visitar os hospitais e as cadeias de Bragança e de Izeda, como habitualmente fazia. Mas tive a graça, com a Cáritas Diocesana, de ir ao encontro de algumas famílias, com mais carências e de alguns jovens estudantes internacionais, que nos abriram a porta do seu coração e aceitaram a generosidade de muitos benfeitores e de instituições. Estes fizeram chegar à Cáritas as suas doações para podermos partilhar o verdadeiro e autêntico espírito do Natal. Que não pode ficar circunscrito a um dia, tem de ser todos os dias, porque Deus nasce e renasce cada vez que temos essa atitude mais humana, mais próxima e mais fraterna.

“Deus nasce e renasce cada vez que temos essa atitude mais humana, mais próxima e mais fraterna.”

T.M.N.: Na sua homília da Missa da Noite de Natal escreveu: “A noite da pandemia que atravessamos seja Páscoa para um novo tempo de paz, justiça, amor, liberdade, fraternidade e amizade social.” São Paulo ensinou-nos que de tudo se pode retirar um bem. Que bem se pode retirar desta pandemia?

D.J.C.: A pandemia é um mal. Todos nós reconhecemos e estamos a atravessá-la como se fosse a noite escura da história mundial. Esta crise trouxe muitas outras crises. Mas a crise é também um momento de purificação, de convergência para o essencial, do dom da vida e da vida como dom. Por isso, há muito bem que podemos colher disto que realmente é um grande mal. No provérbio popular diz-se que há males que vêm por bem. Não é que a pandemia seja um bem, é um grande mal. No entanto, Deus dá-nos a força, a coragem e a criatividade para nos voltarmos para aquilo que dá sentido à nossa vida. E de estarmos mais próximos de todos, sobretudo dos que mais precisam. Há muita gente que vive só. Se calhar o maior mal é a solidão forçada. Na nossa diocese sabemos que existem mais de 3.000 pessoas que vivem sós, em suas casas. Muitas delas têm o sentido da companhia de Deus, da oração e de alguns vizinhos que velam por eles. Mas uma boa parte destas pessoas vive mesmo só e às vezes esquecidos. Daí que, em todas as aldeias, vilas, cidades, bairros temos que ser mais próximos e estar mais atentos aos vizinhos, às pessoas com quem vivemos e convivemos. Este tempo da pandemia trouxe talvez essa maior atenção e abertura. Há pessoas que me têm dito que viviam na mesma rua e no mesmo prédio e não se conheciam. E agora passaram a conhecer-se. É a tal cultura do cuidado que o Papa Francisco nos desafia a praticar na fé e na vida, uns com os outros e uns pelos outros.

“Este tempo da pandemia trouxe talvez essa maior atenção e abertura. Há pessoas que me têm dito que viviam na mesma rua e no mesmo prédio e não se conheciam. E agora passaram a conhecer-se.”

T.M.N.: Com a pandemia aumentaram em Portugal, os pedidos de ajuda, devido às dificuldades económicas e ao desemprego. Recentemente, D. José Cordeiro acompanhou uma equipa da Cáritas Diocesana e distribuiu cabazes de Natal a famílias carenciadas em vários concelhos. Na diocese de Bragança-Miranda também há situações de pobreza?

D.J.C.: Há, sobretudo nos meios onde existe mais gente, como é o eixo Bragança – Macedo de Cavaleiros – Mirandela. Em Bragança, onde tenho mais oportunidade e facilidade de conhecer a realidade existe muita pobreza envergonhada. Há muitas pessoas que viviam do seu trabalho, que foi suspenso ou lhe foi retirado, e têm dificuldade em trazer o pão de todos os dias para casa. Bragança tem hoje uma nova realidade, com muitos migrantes e muitos estudantes internacionais. Alguns destes estudantes vêm com bons apoios e bolsas de estudo. Mas há outros estudantes, que por vezes, se veem-se em situações muito complicadas e têm encontrado na Cáritas e noutras instituições – como o recém-formado grupo Jovens Sem Sofá – a resposta às suas necessidades. Para além destes, também há muitas outras pessoas que não têm sequer a coragem de bater à porta. Por isso, é preciso estar muito atento, para irmos ao seu encontro. É de realçar que muitos destes jovens estudantes necessitados só têm pedido o que realmente precisam. E sabem que há outros que passam pelas mesmas dificuldades. Felizmente tem havido muitas pessoas e instituições que têm dado à Cáritas, para que a Cáritas possa assisti-los.

T.M.N.: Sermos mais atentos e cuidadosos uns com os outros. É esse o sonho que tem para a Diocese de Bragança-Miranda?

D.J.C.: O nosso projeto pastoral de três anos, rumo à Jornadas Mundial da Juventude 2023, que se vai realizar em Lisboa, também têm esse sonho de sermos uma Igreja mais servidora da humanidade. Uma Igreja que educa, que celebra e que festeja. Significa isto que é uma Igreja que está atenta a todas as dimensões da vida humana, para que seja um cuidado integral. E de facto esse é um sonho. E esperamos que cada vez mais se vá tornando uma realidade. Sonhar para a frente. Sem esquecer que temos um passado, uma história da qual estamos agradecidos. Também temos este presente duro e difícil que enfrentamos. Mas acreditamos que Deus é maior e quer o nosso maior bem. Nós que somos criados à imagem e semelhança de Deus. Tendo -O connosco, a vida tem mais sentido, temos mais coragem, mais inteligência, mais esperança para enfrentar as contrariedades da vida. É por isso que mantemos esse sonho, de sonhar para a frente e em grande, como Deus faz connosco.

“Tendo Deus connosco, a vida tem mais sentido, temos mais coragem, mais inteligência, mais esperança para enfrentar as contrariedades da vida.”

HA


Homilia

Senhora Mãe de Deus e da Igreja

Na conclusão da oitava do Natal sabe bem cantar com regozijo a Senhora Mãe, a Santa Maria Maior: «Ó Virgem gloriosa, Mãe de Deus, ó filha predileta do Altíssimo, habitou em teu seio virginal Aquele que o mundo todo não contém, ó Virgem, que à luz deste a luz do mundo, Senhora, Mãe de Cristo e nossa Mãe!» (Hino da Liturgia das Horas).

Hoje, a narrativa do Evangelho refere a reação de Maria ao ver a adoração dos pastores ao Menino Jesus, acentuando: «Maria conservava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração». O coração guarda a memória agradecida que faz a grande transformação da história. Guardar no coração, é meditar com ternura. O Mistério contempla-se no silêncio crente e orante.

O primeiro dia do novo ano educa-nos a celebrar e a festejar com esperança a Mãe de Deus e nossa Senhora com o amor de S. José. E, brota espontâneo da nossa alma o desejo enorme de um feliz, abençoado e favorável ano 2021.

  1. A gramática do cuidado integral

O Papa Francisco, na sua mensagem para este 54º dia mundial da Paz, desperta-nos para «a cultura do cuidado como percurso de Paz». Ao constatar que «o ano de 2020 ficou marcado pela grande crise sanitária da Covid-19, que se transformou num fenómeno plurissectorial e global, agravando fortemente outras crises inter-relacionadas como a climática, alimentar, económica e migratória, e provocando grandes sofrimentos e incómodos», indica «a cultura do cuidado para erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer».

Para a gramática do cuidado, ou seja, para a promoção da cultura do cuidado requer-se um processo educativo integral e a bússola dos princípios basilares da doutrina social da Igreja: na família, núcleo natural e fundamental da sociedade; na casa; na escola e na universidade; na comunicação social (hoje o nosso jornal diocesano Mensageiro de Bragança completa 81 anos); nas religiões; na própria Igreja servidora da humanidade.

Com efeito, «a educação constitui um dos pilares de sociedades mais justas e solidárias». Não há Paz sem a cultura do cuidado integral.

  1. Planalto de Silêncio

Neste Tempo do Advento-Natal aconteceu a tão esperada abertura da hospedaria ou casa de acolhimento, onde já vive transitoriamente a comunidade monástica do Mosteiro de Palaçoulo, em projeto de construção. Sim, ide experimentar o silêncio orante na hospitalidade do Mosteiro de Santa Maria, Mãe da Igreja, em Palaçoulo, uma nova fundação do Mosteiro de Vitorchiano em Itália. Rezar e estar naquele lugar sagrado é como aproximar-se de uma fonte límpida em território deserto .

As dez Monjas trapistas fundadoras transmitem a Esperança alegre e contagiante de quem é autenticamente feliz. Deus lhes conceda os seus dons e novas vocações portuguesas.

Todos os dias, cada ação litúrgica celebra-se com sóbria beleza e nobre simplicidade. O dia é ritmado pelas sete orações litúrgicas: Vigílias, Laudes, Eucaristia com Tércia, Sexta, Noa, Vésperas e Completas. O trabalho e o estudo completam o dia em livre pobreza e alegre simplicidade, de harmonia à insígnia beneditina: ora et lege et labora.

Em Portugal, depois da extinção das ordens religiosas em 1834, os Cistercienses não restauraram nenhum mosteiro. Damos graças a Deus, por nascer no Planalto Mirandês, um Mosteiro Trapista, da Ordem Cisterciense da Estrita Observância.

A Divina Generosidade dá, aqui e agora a Portugal, como referiu o Papa Francisco na audiência que concedeu às “corajosas” Monjas fundadoras antes de partirem para esta sublime Missão, o dom da Graça de uma nova comunidade monástica, como uma ‘aldeia para Deus’. Bendigamos o Senhor por tamanha Graça.

Os horizontes da espiritualidade e da cultura do cuidado integral alargam-se assim no Arciprestado de Miranda com os Pastores, as Consagradas e todo o Povo Santo de Deus.

É tempo de cuidar com a Senhora Mãe da Esperança e com São José, para que «Cristo habite pela fé em vossos corações» (Ef 3,17). Ele é a nossa Paz!

Miranda do Douro, 1 de janeiro de 2021

D. José Cordeiro, bispo de Bragança-Miranda

Entrevista: «Temos de ser pacientes e resilientes com a atual pandemia»

Entrevista: «Temos de ser pacientes e resilientes com a atual pandemia»

César João é o atual presidente da Associação Comercial e Industrial de Miranda do Douro (ACIMD), sendo também empresário conhece bem as dificuldades que as empresas, sobretudo, as ligadas ao comércio, à restauração e ao turismo estão a enfrentar, devido à atual pandemia.

César João é o atual presidente da Associação Comercial e Industrial de Miranda do Douro (ACIMD)

Em Miranda do Douro, o turismo, o comércio, a restauração e a agropecuária são o suporte económico do concelho. Na indústria realça-se a construção civil, a cutelaria, a tanoaria e o fabrico de fumeiro.

O comércio é o setor que tem o maior número de trabalhadores derivado ao turismo e dada a proximidade com Espanha. Ligado ao turismo está também a atividade artesanal, onde se destacam as colchas feitas nos teares tradicionais ou as gaitas de foles.

Terra de Miranda – Notícias: Desde o início da pandemia, em março passado, a atividade económica em Portugal e a confiança das pessoas registou uma acentuada quebra. Como estão as empresas do concelho de Miranda do Douro a enfrentar a paralisação da economia?

César João: Muitas das empresas do concelho de Miranda do Douro, tal como acontece em todos os concelhos transfronteiriços do país, vive muito da interação com a vizinha Espanha. Com a atual pandemia, o medo está a impedir a afluência de espanhóis e de turistas aos comércios e restaurantes da cidade, e por isso, a situação é arrasadora. Para enfrentar esta situação, as empresas estão a conter os custos ao máximo e procuram rentabilizar as poucas vendas que realizam. Em suma, as empresas estão a procurar sobreviver.

2- Quais são os setores de atividade mais afetados?

C.J.: Nesta tradicional época natalícia, o comércio e a restauração costumavam ser os setores mais procurados. No entanto, com atual pandemia, estes vão ser também os setores mais afetados e temo que vai ser um Natal muito pobre em termos comerciais. Neste momento é desolador dar uma volta pela cidade de Miranda do Douro e não encontrar ninguém. Também o setor da restauração, tão procurado e apreciado pelos visitantes e turistas, com a atual pandemia viu-se obrigado a fechar portas ou a suspender temporariamente a atividade. Faço votos de que este interregno ou passo atrás, seja tão só um momento que antecede os muitos passos em frente que se vão dar no futuro.

T.M.N.: Por vezes, estas situações de crise económica exigem novas respostas e apelam à criatividade. Que novos negócios e/ou produtos têm surgido desta situação?

C.J.: Surgiu, por exemplo, o jornal digital local Terra de Miranda – Notícias, que está na sua fase de arranque e pretende ser um órgão de informação local, generalista, e um meio de promoção da identidade cultural da Terra de Miranda, e para o qual desejo os maiores sucessos profissionais. Tenho conhecimento deste projeto e espero que continuem a surgir outros.

Com a construção das barragens de Picote e Miranda, na década de 1950, a região desenvolve-se e a cidade emerge como um ponto comercial, que ainda hoje se mantém. Muitos são os espanhóis que atravessam frequentemente a fronteira em busca dos têxteis, calçado, ourivesaria, da gastronomia mirandeses e das peças de artesanato tradicionais como as colchas feitas nos teares tradicionais, tecidos de Saragoça e Buréis, bordados, gaitas de foles, flautas, castanholas e rocas são alguns dos produtos artesanais característicos da região e com admiradores em todo o país.

T.M.N.: Miranda do Douro continua a ser um centro comercial para os espanhóis. Com atual pandemia e, as restrições à circulação, os espanhóis deixaram de vir a Miranda do Douro?

C.J.: O medo está a impedir os espanhóis de visitar Miranda do Douro. Na verdade, as fronteiras com Espanha continuam abertas. Mas existe uma campanha de desinformação, por parte dos meios de comunicação espanhóis, que dizem às pessoas que as fronteiras entre as comunidades internas estão fechadas, mas esquecem-se de dizer que as fronteiras com Portugal permanecem abertas. Trata-se, portanto, de uma comunicação enviesada, o que faz com que os espanhóis não venham a Miranda do Douro.

O desenvolvimento transfronteiriço

T.M.N.: Na recente cimeira luso-espanhola, os governos de ambos os países, definiram um conjunto de medidas para desenvolver estas regiões transfronteiriças, consideradas das menos desenvolvidas da Europa. Na sua opinião, que medidas são mais necessárias para desenvolver estas regiões de fronteira?

C.J.: As regiões de fronteira, quer do lado português, quer do lado espanhol, sofrem dos mesmos problemas, sendo que o mais grave é o despovoamento destas terras. E as causas que levaram (e continuam a levar) ao despovoamento são o desinvestimento dos governos, português e espanhol, nestas regiões periféricas. Quando se centralizam todos os investimentos no litoral, as pessoas, obviamente, vão para onde há melhores condições de vida. Sobre as decisões tomadas na recente cimeira luso-espanhola, por exemplo, a promessa de conclusão do IC5 até à fronteira, com o objetivo de dinamizar toda esta a região transfronteiriça, aguardo com expetativa o cumprimento dessas promessas. Mas, tal como os alcaides espanhóis, adianto que não estou muito otimista. Estou como São Tomé: quero ver para crer.

T.M.N.: E ao nível local que cooperação transfronteiriça existe?

C.J.: Ao nível das instituições locais sempre tivemos boas relações com as autoridades administrativas espanholas. No âmbito associativo, por exemplo, há conversas regulares e há cooperação entre nós. No entanto, continuamos incapazes de vencer os problemas comuns que nos assolam. E a nossa capacidade reivindicativa junto dos governos centrais simplesmente não é atendida. Não somos ouvidos.


A Estação Biológica Internacional é um empreendimento turístico com vocação ecológica. (flickr)

T.M.N.: Os cruzeiros ambientais que se realizam no rio Douro são um ótimo exemplo de cooperação transfronteiriça.  Estes cruzeiros atraem o interesse de milhares de turistas, pois para além do passeio de barco permitem conhecer a geologia do vale escarpado do Douro, a fauna e a flora. Tal como este, que outros bons exemplos de cooperação transfronteiriça existem nesta região?

C.J.: O Cruzeiro ambiental Douro-Duero é um excelente exemplo de cooperação transfronteiriça e gostaria que houvesse mais projetos como este. Trata-se de uma cooperação entre empresários espanhóis e portugueses. E pela minha experiência entendo que os empresários têm um sentido de oportunidade mais apurado do que as instituições. Ou seja, a cooperação empresarial é sempre mais fácil do que a cooperação institucional. Também ao nível associativo a cooperação transfronteiriça não é a ideal, dado que os nossos recursos humanos não têm disponibilidade para se dedicaram por inteiro às associações comerciais, o que leva a que vivamos um pouco adormecidos. Ainda assim, no âmbito da cooperação entre as associações comerciais e empresariais transfronteiriças, temos alguns acordos programados, e assim que a pandemia nos deixar, esperamos pela oportunidade para os implementar.

T.M.N.: O concelho de Miranda do Douro tem uma área privilegiada para a agricultura. No entanto, desde 1970 tem-se registado uma diminuição sucessiva da população ativa no setor agrícola. Há empresas do setor agropecuário na ACIMD?

C.J.: Os associados da Associação Comercial e Industrial do concelho de Miranda do Douro (ACIMD) são sobretudo empresas ligadas ao comércio. No que concerne aos agricultores, estão agrupados em associações específicas desse sector. Ainda assim, destaco que o setor agropecuário é muito importante na economia do concelho de Miranda do Douro. À riqueza histórica, cultural, etnográfica, gastronómica, ambiental e turística junta-se também a riqueza da agricultura e da pecuária, com destaque para as raças autóctones, como são os bovinos de raça mirandesa, os ovinos de raça churra mirandesa e os asininos de raça mirandesa. Tudo isto, dá muito dinamismo à economia do nosso concelho. No entanto, precisamos de gente nova para explorar ainda mais o setor agropecuário.

T.M.N.: Outro dos problemas desta região, é a dificuldade dos produtores em comercializarem os seus produtos. O que se pode fazer para ajudar os produtores nesta tarefa?

C.J.: Começo por dizer que os nossos produtos, como a carne, o azeite, o vinho, o fumeiro, os frutos e legumes, etc., têm uma qualidade de excelência. No entanto, a maioria dos produtores produzem pequenas quantidades. E há uma grande resistência dos pequenos produtores para se juntarem em associações. Felizmente, ainda temos bons exemplos no concelho de Miranda do Douro, como são a associação de criadores de raça bovina mirandesa, ou a Sendindense – Cooperativa Olivícola, ou ainda a Cooperativa Agrícola Ribadouro.  Nestas associações, os produtores conseguiram agrupar-se para assim comercializar melhor a carne, o azeite e o vinho. Relativamente a outros produtos, como por exemplo, a bola doce mirandesa, o fumeiro, a raça ovina, a castanha, etc., têm sido feitas várias tentativas para agrupar os produtores, mas não temos conseguido. Porquê? Por uma questão cultural, por receio, por desconfiança. Contudo, eu tenho esperança de que mais associações vão surgir, pois as pessoas quando se juntam têm mais força, e assim poderão comercializar e rentabilizar melhor os seus produtos.

T.M.N.: A Associação Comercial e Industrial do Concelho de Miranda do Douro (ACIMD), tem divulgado várias medidas de apoio aos empresários locais para os ajudar a enfrentar as dificuldades provocadas pela paralisação da economia. Que outras medidas de apoio existem?

C.J.: Infelizmente, muitas das medidas anunciadas pelo governo são escassas, inadequadas ou chegam tarde. Ainda assim, neste momento existem duas medidas que são: o programa Apoiar.pt e a Redução do período normal de trabalho. São dois apoios importantes para as empresas, mas insuficientes. Na minha opinião são necessárias mais medidas de apoio às empresas para que estas possam sobreviver à atual paralisação da economia.

O Programa Apoiar.pt

O Programa Apoiar.pt vai financiar empresas da restauração, comércio e cultura, que sofreram quebras de faturação superiores a 25% nos primeiros 9 meses do ano. Em causa estão compensações a fundo perdido, que podem ir até 7500 euros no caso das microempresas e até 40 mil euros no caso das pequenas empresas. Os estabelecimentos que estão encerrados desde março, com é o caso dos bares e discotecas, terão majorações de 50% que elevam os limites dos subsídios para 11 250 euros no caso das microempresas e para 60 mil euros no caso das pequenas empresas.

As empresas beneficiárias têm de ter situação líquida positiva a 31 de dezembro de 2019, e não podem distribuir dividendos aos sócios, promover despedimentos coletivos ou extinguir postos de trabalho por motivos económicos.

No total, são 750 milhões de euros de subsídios a fundo perdido para micro e pequenas empresas dos setores mais afetados pela crise, de setores como comércio, cultura, alojamento e atividades turísticas e restauração, com quebras de faturação superiores a 25% registadas nos primeiros nove meses de 2020 e que tenham a situação fiscal e contributiva regularizada. As candidaturas são submetidas online, através do Balcão Portugal 2020.

Já pode registar a sua empresa ou organização no Balcão Portugal 2020, se pretender requerer este novo apoio dirigido às micro e pequenas empresas dos setores mais afetadas pela pandemia COVID-19.

T.M.N.: Nesta época natalícia estão a surgir iniciativas para apoiar os produtores e as empresas locais. Que mensagem gostaria de transmitir aos mirandeses para fazerem as compras de Natal no comércio local?

C.J.: Neste Natal, é difícil dar uma mensagem de ânimo às pessoas. Há um vírus que continua a condicionar a vida de toda a gente. As empresas estão a atravessar sérias dificuldades. Às pessoas é-lhes dito para ficarem em casa. O que posso dizer às pessoas é que sejam pacientes e resilientes. Ao que parece a vacina está a chegar, para podermos regressar à rua e voltar a dinamizar a economia local.

HA