Opinião: Aniversário do Padre António Maria Mourinho

Hoje, dia 14 de fevereiro de 2023 fazia 106 anos de vida o Pe. Dr. António Maria Mourinho de saudosa memória.  Os meus avós registaram-no no dia 14 de fevereiro, não fosse  o dia 13 considerado dia de mau agoiro. Lembro-o e gostaria que muitos o lembrassem como uma figura de relevo cultural e social de todo o Trás os Montes, desde a morte do Abade de Baçal.

Não esqueço o que dele aprendi, como figura especial que nele vi , desde os meus dois anos e, depois já desde o uso da razão, pelos meus sete anos.

Foi uma personalidade complexa que nem todos compreenderam. Certo é que aguentou os 42 anos na paróquia de Duas Igrejas que no tempo era o que podemos chamar de paróquia difícil. Entre 1942 e 1974, a povoação sofreu encontrões muito fortes no campo da fé e no campo social e político. Estamos em pleno Estado Novo. Com a chegada do comboio, em 1938, apareceu na Estação do Caminho de Ferro de Duas Igrejas apareceu uma “maltinha” que fundou, na povoação, uma célula  clandestina do Partido Comunista  e tentou afastar a mocidade da prática religiosa. Compreendemos que, naquelas décadas, quando cheirava a comunismo, os católicos entravam em pânico.

Por isso nos anos 1950 , o Pe. Mourinho construiu o salão paroquial e nele instalou jogos e divertimentos , a par com o Grupo Folclórico, para a mocidade e adquiriu candeeiros a petróleo  que iluminavam o salão e os moços reuniam-se nesse local onde jogavam e liam, amigavelmente,  e assim os desviou das “más ideias”.

Por isso foi conotado com o Estado Novo, mas teve um espírito democrata mais do que se pode imaginar. Esteve sempre muito próximo do seu povo. Digam o que quiserem. O Padre Mourinho foi pároco, foi enfermeiro, o carro dele foi carro de toda a gente. Recolheu em casa gente fugida de Espanha, contrabandistas, mendigos, forasteiros de toda as partes. Privou com gente de todas as ideologias, de todos os estratos sociais e de diversas culturas. 

Com todos os defeitos que tivesse, atendeu o povo, desenvolveu a cultura, promoveu a língua e a cultura mirandesa, além fronteiras e nunca perdeu a fé. Era muito livre no pensamento e na ação. Citou muitas vezes o pensamento de São Jerónimo: ” As leis são dos homens, mas o Evangelho é de Cristo “. 

Desde a sua morte , em 13 de Julho de 1996, tem havido quem pretenda denegrir as obra do Padre Mourinho para se autopromover. Tenho citado muitas vezes a máxima latina: De mortuis nihil nisi bonum . “Dos mortos nada se deve dizer senão o bem que fizeram”. 

É irracional e absurdo aquele que julga os mortos, porque já não se podem defender e, para lá desta vida, com certeza que haverá quem julgue com mais rigor e rectidão do que os juízes humanos. Preocupam mais os vivos que não se entendem e a toda a hora se ofendem mutuamente e criam ódios entre si. O Padre Mourinho aprendeu do povo a honradez, a amizade mútua, a filosofia prática da vida. 

Escreveu e citou os ditos populares, cheios de sabedoria e, tantos deles, cheios de humor saudável e prático. Vi-o sofrer com o povo as calamidades que vinham com trovoadas, secas, incêndios e acidentes de toda a ordem. Depois que faleceu a minha avó Rosa e sua mãe, em 7 de Janeiro de 1971, o Padre Mourinho sofreu a maior crise espiritual e vivencial de toda a sua vida, só comparável à que sofreu no dia 6 de Setembro de 1938 , com a morte acidental do pai e meu avô, João Pires Mourinho.

Depois de 1971 nada foi igual. Sentiu-se só e desamparado, apesar de não lhe ter faltado o apoio da família. Com sessenta e sete anos casou com Maria de Lourdes Mateus que nunca o compreendeu. Como dizia a minha avó Rosa,” são bidas”. Encontro muitas e muitas pessoas que o conheceram e falam dele com muita saudade e admiração. É para mim consolação e exercício de memória, porque lembro, eu também, tantas coisas que passei  e vivi com ele e tantas lições que ele me deu.

Lembro que o Pe. António Delgado, pároco de Palaçoulo tinha umas saídas muito própria só dele, castiças e genuínas e eu, ainda seminarista e rapaz novo, por vezes ficava estranho e ele comentava e dizia-me:” Ainda o hás de admirar”. E, meu dito meu feito. Ainda hoje lembro todas as peripécias do Pe. António e… também do meu saudoso tio e padrinho, o Pe. Mourinho e…que tais!  Diz São Paulo:  Sou Homem e nada do que é humano me é alheio. S IT VOBIS TERRA LEVIS. Que a Terra vos seja leve.  E que Deus os tenha na Sua glória.

A. Rodrigues Mourinho

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