Reportagem: Caçadores lutam pela sobrevivência da perdiz e do coelho-bravo

A 1 de outubro iniciou-se o período geral de caça, que decorre até 31 de dezembro. Nas zonas de caça associativas de Palaçoulo e na Póvoa e Ifanes, a atividade cinegética continua a ser praticada por muitos caçadores, locais e visitantes, para quem esta atividade é hoje encarada como um modo de cuidar do ambiente e de preservação de espécies como a perdiz e o coelho-bravo.

Situada em pleno planalto mirandês, a zona de caça associativa de Palaçoulo tem uma área de 2500 hetares, onde caçam, anualmente, 50 associados. São maioritariamente caçadores locais e também seis caçadores nacionais, provenientes dos distritos do Porto e de Viana do Castelo.

De acordo com o presidente desta zona de caça associativa, António Gonçalves, ao longo dos anos, tem-se registado um declínio na variedade e no número de espécies cinegéticas.

“Houve tempos em que a caça atraía mais caçadores ao nordeste transmontano. Mas, com o passar dos anos por causa da mudança na agricultura e com o aumento no uso de herbicidas e pesticidas, houve uma diminuição significativa do número de espécies. A isto, juntou-se também o aumento do custo de vida, o que provocou um decréscimo da atividade turística relacionada com a caça nesta região”, explicou.

Mais recentemente, as alterações climáticas e os recorrentes períodos de seca, como o que assolou o país em 2022, também prejudicaram não só a agricultura, mas concomitantemente a caça, com uma acentuada diminuição das espécies.

“No corrente ano, as pespetivas são melhores. Já vi bandos de perdizes, com 28, 25 e 18 perdigotos. A perdiz de Trás-os-Montes é uma espécie muito apreciada pelos caçadores, pois é robusta e grande”, adiantou.

Segundo António Gonçalves, na zona de caça associativa de Palaçoulo, os caçadores encarregam-se mesmo de semear os campos, para alimentar as espécies de caça menor, como são a perdiz, o coelho-bravo e a lebre.

“Este ano, a época em Palaçoulo, iniciou-se com a caça ao pombo. No dia 22 de outubro, vamos iniciar a caça à perdiz, à lebre e ao coelho, que vai decorrer até 10 de dezembro. A caça à perdiz decorre apenas em oito Domingos, de modo a não extinguir a espécie”, indicou.

Outra razão para o decréscimo das espécies cinegéticas é, segundo este responsável, a política adoptada pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), na defesa e introdução de aves de rapina e do lobo ibérico.

“Ao invés de apoiar as zonas de caça associativas, na defesa e repovoamento de espécies como a perdiz e o coelho bravo, o ICNF opta por proteger e alimentar as aves de rapina e o lobo, que são predadores e se alimentam da pouca quantidade de espécies de caça menor que existem”, criticou.

Relativamente ao aumento da caça de maior porte, como são o javali, os corços, as raposas, etc. António Gonçalves referiu que a propagação destas espécies também é prejudicial para a caça menor, pois são igualmente predadores.

Com o objetivo de regular o número destes animais, a zona de caça associativa de Palaçoulo obteve recentemente autorização para a caça ao corço.

“A licença permite caçar um corço por cada 500 hectares. Ou seja, na área dos 2500 hectares da zona de caça associativa de Palaçoulo é permitido caçar 5 corços anualmente”, indicou.

A zona de caça associativa de Póvoa e Ifanes

Túlio Esteves é o presidente da zona de caça associativa de Póvoa e Ifanes, que ocupa uma área de quase cinco mil hétares, onde há autorização para caçar o pombo torcaz, a codorniz, perdiz, coelho bravo, lebre, galinhola, javali, corço e a raposa.

Nesta área que se estende pelas freguesias da Póvoa e Paradela, caçam anualmente 54 caçadores, entre os quais 12 caçadores associados, que vêm da zona metropolitana do Porto e de Ponto de Lima.

“Para satisfazer os caçadores, a zona de caça associativa têm que providenciar a existência de espécies de caça no monte. E a preferência dos caçadores são as perdizes e os coelhos bravos. Por isso, após as batidas à raposa, que decorrem nos meses de janeiro e fevereiro, introduzimos alguns casais de perdizes no monte, para se reproduzirem e repovoarem a zona de caça”, informou.

No entanto, este repovoamento tem custos e as receitas dos zonas de caça associativas assentam unicamente nas quotas dos associados. Para dificultar ainda mais este objetivo de repovoamento, espécies como a perdiz correm um sério risco de sobrevivência, perante o crescente número com predadores na região, como são as aves de rapina, a pega-rabuda, a garça preta e a raposa.

Neste cenário, as zonas de caça associativas debatem-se com o problema de efetivar algumas espécies, nomeadamente a perdiz e o coelho-bravo. O coelho bravo continua a debater-se com doenças como a mixomatose e a hemorrágica, o que impede a repovoamento desta espécie em determinadas zonas.

“Já tentámos fazer o repovoamento de coelhos-bravos, devidamente vacinados, mas os resultados são escassos”, disse.

Segundo Túlio Esteves, para que o setor da caça volte a atrair a vinda de mais caçadores do litoral para o interior, é necessário que haja um repovoamento efetivo das espécies da caça menor. Mas isso depende da implementação de políticas, como o controlo de predadores, o que colide com os interesses das organizações ambientais.

Na zona associativa de Póvoa e Ifanes, outra condicionante à prática da caça é a proximidade ao Parque Natural do Douro Internacional (PNDI), onde se protegem e alimentam as aves de rapina.

Nas freguesias da Póvoa e em Ifanes, a caça também tem mudado muito com o decorrer dos anos, sobretudo por causa do despovoamento do território.

“Há 20 ou 30 anos atrás, as aldeias do nordeste transmontano estavam mais densamente povoadas. Outrora, esta maior densidade populacional favorecia a agricultura e o cultivo dos campos, nomeadamente dos cereais, que eram a base da alimentação da caça menor. Por outro lado, a maior densidade populacional restringia a existência de caça maior, ou seja, dos predadores no monte”, disse.

Em consequência do despovoamento e do abandono dos campos, ocorreu um aumento da caça maior e em particular das pragas de javalis.

No âmbito social, a caça promove o convívio e a criação de relações entre as gentes locais e os caçadores vindos dos centros urbanos, reforçando assim o sentido de coesão territorial. A par da caça, os caçadores que visitam a região apreciam a tranquilidade, a beleza natural, a gastronomia e os produtos locais.

Na Póvoa e em Ifanes, os caçadores visitantes, que muitas vezes vêm acompanhados das suas famílias, são presenteados pela população com produtos hortícolas.

“É uma forma de agradecer a sua visita à nossa região. Aos Domingos, também organizamos um almoço convívio entre todos, para reforçar os laços de amizade entre nós”, concluiu.

HA

Deixe um comentário