Opinião: Inepta deputação

Com a entrada em vigor da lei 69/2021, de 20 de Outubro, a partir de 1 de Janeiro de 2022, passou a ser possível, em todas as Juntas de Freguesia, a opção para os Presidentes de Junta poderem exercer o seu mandato em regime de meio tempo, sendo esses custos suportados pelo Orçamento do Estado, ou seja, os Presidentes de Junta, que optarem por esta solução, passam a auferir vencimento.


A mesma lei estatui que o Presidente de Junta pode delegar o exercício do Regime em questão noutro membro da Junta de Freguesia. Nesse sentido, essa delegação terá de ser aprovada em reunião de Junta, elaborada a respectiva acta e enviada para a Direcção Geral das Autarquias Locais (DGAL).


Até aqui parece tudo dentro da normalidade. Mas puro engano. Quando o legislador decidiu elaborar a Proposta de Lei, em questão, antes da sua
aprovação, pela Assembleia da República, publicação e entrada em vigor, deveria ter esclarecido as seguintes questões:

A primeira questão que deveria ter sido aclarada juridicamente, era a seguinte: podem os funcionários públicos acumular o meio tempo, com as funções públicas que desempenham, ou têm de ficar em Comissão extraordinária de serviço?

Têm sido várias as opiniões sobre este tema, uns a dizer que sim, que podem acumular (como por exemplo, parecer da ANAFRE), outros a dizer que não.

Não sendo eu da área do direito e utilizando o principio da prudência, chamo à atenção para o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da
República 12/2015, que diz o seguinte: “o exercício do cargo de eleito em regime de tempo inteiro ou meio tempo não pode ser acumulado com um
emprego público sujeito ao regime estabelecido no artigo 21.º da LGTFP, já que as referidas funções não assumem natureza esporádica ou pontual sendo configuradas como atividade pública de índole profissional”.

(…)


Sem prejuízo, o exercício do mandato autárquico em regime de meio tempo por parte de trabalhadora com contrato de trabalho em funções públicas cabe na previsão do n.º 2 do artigo 22.º do EEL (aplicável ao caso conforme o artigo 11.º da Lei n.º 11/96, de 18.04), que estatui:

«Os funcionários e agentes do Estado, de quaisquer pessoas colectivas de direito público e de empresas públicas ou nacionalizadas que exerçam as funções de presidente de câmara municipal ou de vereador em regime de permanência ou de meio tempo consideram-se em comissão extraordinária de serviço público». Ou seja, o trabalhador pode exercer o seu mandato autárquico em regime de meio tempo, desde que o faça em comissão extraordinária de serviço público, tendo, para tal, de suspender o seu contrato na origem na mesma proporção (meio tempo).

A segunda questão que deveria ter ficado esclarecida é a seguinte: quem já trabalha e desconta para a segurança social, se optar por este regime de meio tempo, tem de voltar a descontar para a segurança social? Ou como já desconta não precisa. Aqui a confusão tem sido ainda maior, uma vez que nem os próprios centros regionais de segurança social se entendem. Cada um tem a sua opinião. Aplica-se e o principio de que as opiniões são como as cerejas, cada um tem a sua.


Para se evitar toda esta confusão, deveria o legislador – vulgo Deputados – ter, antes de votar a presente alteração legislativa, pensado (coisa cada vez mais rara na Deputação), nas implicações que decorriam da presente alteração legislativa. Deveriam ter feito uma espécie de tabela e aclarado todas estas questões, a bem da segurança jurídica, a bem da democracia e a bem de todos os autarcas de freguesia, democraticamente eleitos, que dão o seu melhor em prol da sua população e que não mereciam estar metidos nesta embrulhada jurídica.


Da minha parte, independentemente das opções que sejam tomadas, apenas desejo que, o mais breve possível, estas questões fiquem esclarecidas e que a democracia possa seguir com naturalidade.


Fernando Vaz das Neves
(Deputado Municipal na Assembleia Municipal de Miranda do Douro)

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