Vimioso: “Foi graças ao espaço coworking que pudemos trabalhar em Vimioso”

Vimioso: “Foi graças ao espaço coworking que pudemos trabalhar em Vimioso”

Vimioso foi um dos municípios a abrir um espaço coworking, no âmbito da iniciativa “Teletrabalho no Interior. Vida local, trabalho global”. João Costa é natural de Lisboa e foi uma das primeiras pessoas a beneficiar da existência deste inovador espaço de trabalho, durante os meses de verão, período em que os filhos estão a gozar as férias escolares.

A abertura destes espaços cowoking pretende dinamizar as regiões do interior do país, atraindo e fixando pessoas (e empresas) e diminuindo a necessidade de deslocações e a consequente pegada carbónica.

João Costa é informático e desde o início da pandemia, em março de 2020, que trabalha na modalidade de teletrabalho, dado que as suas funções permitem-lhe trabalhar à distância.

Quando terminou o ano letivo da sua filha de oito anos, juntamente com a esposa e o filho mais novo, tinham a intenção de vir passar uma temporada a Trás-os-Montes, onde têm família e desfrutam habitualmente um período de férias. Mas tinham um problema: precisavam de instalações e de acesso à internet para trabalhar à distância. Na aldeia de Campo de Víboras, há uma rede wi-fi disponibilizada pela junta de Freguesia, mas o sinal é fraco e não tem velocidade suficiente para trabalharem com eficácia. Foi então, que o João descobriu o espaço coworking de Vimioso ao ler uma notícia sobre o protocolo assinado pelo governo, com 51 municípios para a criação de espaços coworking em todo o país. E após uma pesquisa verificou que Vimioso também iria ter um espaço destes.

Com esta informação, João Costa contatou a Câmara Municipal de Vimioso e apurou que o futuro espaço coworking já era utilizado como uma incubadora de empresas – 3 INT Incubadora para Inovação do Interior e Negócios Transfronteiriços (3INT)  – e iriam apetrechá-lo com ligação à internet para que funcionasse também como um espaço de teletrabalho. De seguida, e juntamente com a esposa, o João realizou as inscrições, foram conhecer o espaço e começaram a trabalhar nessas instalações no final do mês de julho.

Desde então, já la trabalham há mais de um mês e segundo o João Costa, aa experiência profissional no espaço coworking está a ser bastante positiva. O acesso à internet é bom e as salas de trabalho estão instaladas numa antiga residência de estudantes, construída na década de 1940.

Na opinião de João Costa, o espaço coworking de Vimioso reúne as infraestruturas necessárias para o teletrabalho: “a ligação à internet é boa e o espaço é confortável para trabalhar”.

Embora, o João conheça Vimioso há cerca de 20 anos, foi esta experiência de teletrabalho que lhe permitiu uma estadia mais prolongada na região. Sobre esta permanência, diz que está a gostar de trabalhar em Vimioso, onde o ritmo de vida é bem diferente do de Lisboa. Contudo, adianta que nesta altura da vida, dificilmente viria viver para o interior do país. “Mais tarde, talvez. Neste momento faz-me falta o mar, a efervescência da cidade e a disponibilidade das coisas e dos serviços”.

Não obstante estas dificuldades, João Costa reconhece as mais valias de viver em territórios como o de Vimioso, em que há uma maior proximidade à natureza e por conseguinte há mais espaço e liberdade para as crianças brincarem e crescerem. “Para os meus filhos este tempo está a ser extraordinário”, disse. Enquanto os pais estão a trabalhar no espaço coworking, em Vimioso, os filhos de dois e oito anos, ficam com os avós, na aldeia de Campo de Víboras. “Na companhia dos primos andam de bicicleta, brincam na piscina e estão a gostar muito. E nós ficamos muito felizes ao vê-los assim”, disse.

“Na companhia dos primos andam de bicicleta, brincam na piscina e estão a gostar muito. E nós ficamos muito felizes ao vê-los assim”, disse.

Para a felicidade desta jovem família, muito contribuiu o espaço coworking de Vimioso. Afinal, foi a existência deste espaço que possibilitou a vinda e estadia do João e da sua família, em Vimioso, nestes meses de verão. Por essa razão e antes do regresso a Lisboa, o João Costa pretende agradecer ao município de Vimioso: “Fomos recebidos da melhor maneira. E antes de regressarmos a Lisboa, vamos agradecer às pessoas que nos acolheram, apresentaram e disponibilizaram este espaço coworking para trabalharmos à distância”.

HA

Emigração: “Ser emigrante é uma vida de sacrifício” – Francisco Anes

Emigração: “Ser emigrante é uma vida de sacrifício” – Francisco Anes

Neste mês de agosto, as aldeias portuguesas voltaram a encher-se de emigrantes. Se a vinda a Portugal é sempre motivo de alegria, a visita deste ano tem ainda mais sabor, dado o prolongado impedimento provocado pela pandemia. No estrangeiro, os emigrantes são considerados pessoas corajosas, autónomas e resilientes, que saem de Portugal à procura de melhores condições de vida. Francisco Anes foi um desses emigrantes. Viveu e trabalhou na Suíça ao longo de 37 anos e em 2017 decidiu regressar a Portugal. (Por Hugo Anes)

Francisco Anes e a esposa, Maria, regressaram a Portugal em 2017. (HA)

Nasceu na aldeia de Algoso, no concelho de Vimioso. Dos tempos da infância e adolescência na aldeia, recorda com saudade a união que existia entre as pessoas, no desempenho, comunitário, dos trabalhos agrícolas. “Havia menos dinheiro, mas isso não impedia que as pessoas fossem felizes”, recordou.

Em janeiro de 1981, com 24 anos, Francisco casou-se com Maria Otília Torrão Anes. E a 15 de Abril desse mesmo ano, o jovem casal emigrou para a Suíça, à procura de trabalho e de melhores condições de vida. Começaram a trabalhar sazonalmente. Nove meses de trabalho na Suíça. E regressavam a Portugal durante três meses.

Nos anos seguintes nasceram os filhos: o Nélson, em1982; no ano seguinte nasceu o Luís e a Marina nasceu em 1985. Inicialmente, os filhos ficaram em Portugal com a avó materna. E quando o jovem casal obteve a autorização anual de residência na Suíça, vieram buscá-los.

Nesses primeiros anos de adaptação à Suíça, a aprendizagem da língua foi o maior desafio, No primeiro ano, Francisco comunicava em francês. E no ano seguinte começou a aprender o alemão.

“A vida de emigrante – diz – é uma vida de sacrifício”. Na Suíça, Francisco começou por trabalhar na hotelaria. Nessa atividade, iniciou-se na cozinha, depois passou para o serviço de balcão e quando já dominava a língua, para poder comunicar com os clientes, trabalhou no serviço de mesa. A dada altura e com o propósito de levar os filhos para a Suíça, solicitou um aumento ao patrão. O aumento salarial não foi aceite e Francisco Anes teve que mudar de trabalho. Começou então a trabalhar numa fábrica de componentes sanitários, onde trabalhou ao longo de 28 anos.

Sobre a vida de emigrante, diz que, por vezes, se sentiu “desenraizado”, pois vivia num país que não era o seu e quando regressava a Portugal, tratavam-no por “suíço”. Ou seja, não era de lado nenhum.

Quando emigrou em 1981, tinha 24 anos. Estes primeiros anos passados em Portugal deram-lhe uma forte ligação a às origens e vem daí o grande desejo de um dia regressar. Mas com os filhos já não é assim. Embora tivessem nascido em Portugal, foi na Suíça que cresceram, que frequentaram a escola, que fizeram amigos, que começaram a trabalhar e casaram. “Eles gostam de passar férias em Portugal. Mas não pensam em mudar-se para cá.”- diz Francisco.

Ao avaliar os quase quarenta anos vividos no estrangeiro, Francisco Anes disse que, embora a Suíça seja um país frio e húmido, profissionalmente é um país “bom” para trabalhar. “É uma nação muito organizada e onde há muita indústria”. E até a decisão de não pertencer à União Europeia, parece beneficiar a economia local, pois o mercado interno dá preferência aos seus produtos suíços.

Portugal é hoje o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção à sua população residente. O número de emigrantes portugueses supera os dois milhões de pessoas, o que significa que mais de 20% dos portugueses vive fora de Portugal.

O regresso a Portugal

Em fevereiro de 2017, Francisco e e Maria concretizaram o tão desejado sonho de regressar a Portugal. Após 37 anos de trabalho na Suíça e com os filhos bem encaminhados na vida, Francisco Anes solicitou a pré-reforma e regressou a Portugal, na companhia da esposa.

Já lá vão quatro anos desde que regressaram a Algoso e Francisco e Maria já se sentem parte da comunidade local. No seu dia-a-dia dedicam-se aos trabalhos de quem vive no campo: a agricultura, a olivicultura, o amendoal, a vinha, a produção de cereais, a criação de galinhas, o cultivo da horta, a confeção de compotas, etc.. são algumas das muitas ocupações que realizam ao longo do ano. “Há sempre que fazer”, dizem.

Suíça versus Portugal

À pergunta sobre as diferenças que existem entre viver na Suíça e em Portugal, Francisco respondeu que a maior diferença será a salarial. “Os salários na Suíça são mais elevados”, diz. E Maria, a esposa, mencionou também a assistência na saúde, que no pais helvético é melhor. “Aqui no nordeste transmontano há falta de médicos especialistas e de equipamentos de saúde”, constataram. E para se precaverem em caso de necessidade, Francisco e Maria, subscreveram um seguro de saúde familiar. Este seguro de saúde permite-lhes receber assistência no hospital privado Terra Quente, em Mirandela, sempre que o necessitam.

Nesta sua readaptação a Portugal e ao interior do país, Francisco identificou outro dos problemas da região: a dificuldade em comercializar ou escoar os produtos locais, como são o azeite, a fruta, a amêndoa, etc.. “Neste momento tenho muitos tomates e não sei o que fazer com tanta quantidade. E o mesmo acontece com a fruta, com o azeite e com a amêndoa. Se houvesse fábricas transformadoras destes produtos, a região ganharia muito com isso”, sugeriu.

Mas enquanto não há fábricas transformadoras, o excedente de produtos é partilhado com os familiares, os amigos e conhecidos. E este mês de agosto é o tempo propício para essa partilha com os compatriotas emigrantes que trazem movimento e animação à aldeia, embora sejam necessárias as devidas precauções por causa da pandemia.

A França continua a ser o país onde vivem mais emigrantes portugueses, em 2011, eram 592 mil 281 portugueses.

A Suíça surge em segundo lugar, em 2013, viviam na Suíça 211 mil 451 portugueses.

Educação: «Estamos a sacrificar os jovens» – Jorge Fidalgo

Educação: «Estamos a sacrificar os jovens» – Jorge Fidalgo

O presidente da Câmara Municipal de Vimioso, Jorge Fidalgo, em resposta à intenção do governo, comunicada pela secretária de Estado da Valorização do Interior, de proporcionar alojamento gratuito aos alunos que são obrigados a frequentar o ensino secundário noutras localidades, informou que esta é uma segunda opção e que o ideal é abrir o ensino secundário em Vimioso, para que os jovens cumpram a escolaridade obrigatória no seu concelho de origem.

Sobre o argumento de que existem poucos alunos para abrir o ensino secundário no Agrupamento de Escolas de Vimioso, o presidente do município, contrapõe dizendo que “se estes poucos alunos estudarem em Vimioso, estão a contribuir para que haja mais gente no concelho: mais professores, mais auxiliares nas escolas e mais dinâmica”.

O autarca vimiosense lembra que os concelhos que não têm ensino secundário, como acontece em Vimioso e Freixo de Espada à Cinta, são os mais vulneráveis. “Os jovens, quando chegam aos 15 anos, têm que ir embora da sua terra. E muitas vezes, vão os filhos e vão também os pais”, lamentou.

Para agir contra este êxodo populacional, Jorge Fidalgo insiste que em defender que “o Estado deve proporcionar o ensino secundário em todos os concelhos”, uma condição essencial para fixar a população.

Jorge Fidalgo disse conhecer famílias, em que os filhos viajam diariamente de Argozelo para Bragança e pagam ao transportador 120 euros por mês. Segundo o presidente da Câmara Municipal de Vimioso, quem deve assegurar este transporte é o governo, “porque se houvesse ensino secundário em Vimioso, o sistema de transporte escolar garantiria esse serviço”.

Relativamente aos jovens vimiosenses que frequentam o ensino secundário em Miranda do Douro, a câmara municipal de Vimioso, informou que também aqui a situação não é a ideal. “A Câmara Municipal garante-lhes o transporte até ao limite do nosso concelho. E a Câmara Municipal de Miranda do Douro consegue vir a essa localidade buscar esses jovens”. Segundo autarca de Vimioso, esta situação exige um grande sacrifício aos jovens. “Os alunos para chegar a Miranda do Douro andam quase uma hora nos transportes, quando a viagem se faz em vinte minutos. Estamos a sacrificar estes jovens e a dizer-lhes que viver no interior, que devia ser atrativo, afinal é cheio de dificuldades”, disse.

HA

Miranda do Douro: Transporte de doentes é mais demorado com fronteiras fechadas

Miranda do Douro: Transporte de doentes é mais demorado com fronteiras fechadas

O transporte de doentes de Miranda do Douro para os principais hospitais transmontanos ficou “mais demorado” com o fecho das fronteiras devido à covid-19, numa região onde a ligação costuma ser feita por estrada espanhola.

As viagens entre Miranda do Douro e Bragança há muito são feitas por Espanha, para evitar a sinuosa estrada nacional portuguesa que atravessa os concelhos de Miranda do Douro, Vimioso e Bragança.

Mas o encerramento das fronteiras ditado pelas medidas de contenção da pandemia covid-19, tornou as viagens mais demoradas para chegar aos hospitais de Bragança e Vila Real. Para além disso, as viagens tornaram-se “muito dolorosas”, principalmente para as pessoas idosas, descreveu o comandante dos bombeiros voluntários de Miranda do Douro, Luís Martins, indicando que o transporte de doentes pode demorar quase o dobro por estradas portuguesas.

Segundo Luís Martins, “uma viagem de ambulância por território espanhol pode demorar 50 minutos”, mas com as fronteiras fechadas, o percurso tem de ser feito via Vimioso e “pode ter uma duração de uma hora e meia”.

No distrito de Bragança existe um ponto de passagem oficial na fronteira de Quintanilha, que faz parte do percurso habitual quando a viagem é feita por Espanha. Porém, antes de chegar a Quintanilha existem outros pontos de fronteira que se encontram encerrados e que não permitem a ligação por Espanha, o que faz com que as ambulâncias demorem mais tempo a chegar aos hospitais de Bragança e Vila Real.

“Esta é uma situação muito constrangedora, visto que estamos a falar numa população que na sua maioria é idosa. Nestes casos são os utentes quem mais sofre”, frisou Luís Martins.

Segundo o comandante, o traçado por Vimioso, que liga Miranda Douro à Autoestrada Transmontana, em Bragança, é o mais complicado devido às curvas sinuosas na zona de Carção.

A estrada portuguesa torna as viagens mais demoradas e, de acordo com o comandante, obriga também a uma maior mobilização de meios, nomeadamente ambulâncias, já que “por vezes podem não estar disponíveis devido ao tempo gasto em cada viagem”.

Esta questão, como explicou, coloca-se no transporte de doentes não urgentes e também de algumas emergências, nomeadamente aquelas que são feitas na ambulância atribuída ao Posto Emergência do Médica (PEM) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).

Segundo o comandante, este tipo de ambulância pode circular por território espanhol, “já que é permitido”.

O mesmo já não acontece com os veículos como a Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) ou as ambulâncias de Suporte Imediato de Vida (SIV), que são da responsabilidade direta do INEM e que circulam sempre por território nacional, devido a questões logísticas, nomeadamente, relacionadas com seguros.

“Se o doente ou sinistrado for acompanhado pela VMER ou pela ambulância SIV, este transporte é sempre efetuado por território português, independentemente das circunstâncias”, observou.

Apesar de já existirem acordos de cooperação entre Portugal e Espanha a nível de combate a incêndios ou forças de segurança, que permitem às autoridades atuar nos dois lados da fronteira, o mesmo não se verifica ao nível da emergência médica e saúde, segundo explicou à Lusa fonte da Proteção Civil.

Lusa | HA

                       

Entrevista: «Agora estamos mais bem preparados para as aulas à distância» – António Santos

Entrevista: «Agora estamos mais bem preparados para as aulas à distância» – António Santos

Com o agravamento da pandemia, os 600 alunos do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD) vão ter aulas através das tecnologias digitais, até que a situação epidemiológica desagrave e permita o regresso dos alunos à escola, informou o diretor do agrupamento.


António Santos é o diretor do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD)

Perfil:

O professor António Santos é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Inglês e Francês. Com um mestrado em Administração Escolar é também diretor do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD). Já lá vão 20 anos desde que assumiu essa responsabilidade. Diz que sente saudades de ser professor, de ensinar e de estar com os alunos, na sala de aula.

Terra de Miranda – Notícias: Ao longo da sua carreira no ensino, a escola mudou muito?

António Santos: Sim, a escola mudou muito. Se é verdade que a missão é a mesma de sempre, há muitos outros aspetos que mudaram e que melhoraram. Por exemplo, a escola que temos hoje, tem muito mais qualidade em termos de conforto para que alunos e professores possam desenvolver o seu trabalho. Introduzimos as novas tecnologias, o que há 20 anos praticamente não existia. E temos conseguido fazer com que a escola acompanhe os tempos da modernidade.

T.M.N.: Hoje, os alunos também são diferentes?

A.S.: Sim, os alunos também estão diferentes. E ao contrário do que, por vezes, o povo diz ou reclama dos jovens, como o “não têm maneiras”, eu vejo-os muito mais ordeiros e bem-comportados. E estou convencido de que isso se deve também ao trabalho que realizamos na escola. Por exemplo, hoje, um dos pontos fundamentais do nosso trabalho é transmitir aos alunos os valores da cidadania, da convivência democrática e do humanismo. Por isso, penso que a juventude de hoje sabe estar e sabe intervir. E isso deixa-me muito satisfeito.

T.M.N.: Pelo facto do decréscimo da população e consequentemente por haver menos alunos na escola, isso contribui para que haja mais ordem e um melhor ambiente para a aprendizagem?

A.S.: Claro que quando há muita gente a partilhar o mesmo espaço é natural que surjam mais atritos e um pouco mais de confusão.  No entanto, o despovoamento das nossas aldeias, onde há pouca gente e quase não há crianças é motivo de muita preocupação. Este abandono do interior entristece-me e é uma das nossas maiores preocupações.

T.M.N.: Que papel é que a escola pode desempenhar junto dos alunos para agir contra o despovoamento?

A.S.: A tendência dos jovens que após a conclusão do ensino secundário ingressam nas universidades, indica que são muito poucos os que regressam ao concelho de Miranda do Douro, após a conclusão dos estudos. A maioria dos jovens vão para onde há emprego e mais oportunidades de trabalho. E isso, infelizmente, continua a concentrar-se, sobretudo, nas grandes cidades do litoral. Localmente, desde há vários anos que estamos a investir na formação profissional, sobretudo nas áreas do turismo e do comércio, dado que Miranda do Douro vive essencialmente destas duas atividades económicas. Alguns dos nossos alunos têm conseguido trabalho nas empresas da região. Os cursos têm também um componente forte de empreendedorismo, em que os alunos desenvolvem projetos pessoais para a sua fixação neste território.

“Os cursos têm também um componente forte de empreendedorismo, em que os alunos desenvolvem projetos pessoais para a sua fixação neste território.”

T.M.N.: Quanto alunos estudam no concelho de Miranda do Douro?

A.S.: No Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD) estudam 600 alunos. Este agrupamento é constituído por sete escolas: a Escola Básica e Secundária de Miranda do Douro, a Escola Básica de Miranda do Douro do 1º Ciclo e o Pré-escolar de Miranda do Douro. Em Palaçoulo, existe a Escola Básica de 1º ciclo e o Pré-escolar. E em Sendim, há a Escola Básica 1/2/3 e o Pré-escolar. Isso significa que todas as crianças e jovens do concelho de Miranda do Douro, que é bastante extenso, estudam nestas sete escolas. Dada a extensão do concelho, muitos alunos vêem-se obrigados a passar uma hora de viagem de manhã nos transportes escolares e outra ao final do dia, o que limita o seu tempo de estudo e de descanso. Para minimizar este problema, só começamos as aulas às 9h00, para permitir que estes alunos façam a viagem sem terem que se levantar ainda mais cedo. E terminamos às 17h00, também para permitir que cheguem a casa ainda de dia.

T.M.N.: Tal como em março do ano passado, a pandemia obrigou a fechar novamente as escolas. As aulas vão decorrer à distância, através dos computadores e da televisão. A poucos dias do reinício das aulas à distância, como estão os preparativos para este desafio? Estão, agora, mais bem preparados do que no ano passado?

A. S.: Sim, estamos mais bem preparados. Os professores já sabem utilizar as plataformas informáticas e receberam formação. Por outro lado, também os pais já passaram por esta experiência do ensino em casa para os seus filhos. Há a dizer, no entanto, que não obstante a escola estar fechada, os alunos que são filhos de profissionais de atividades de risco (ou seja, os que estão na linha da frente no combate a esta pandemia) e os filhos de profissões essenciais que não estão sujeitos ao confinamento obrigatório, a escola, tem a obrigação de cuidar destas crianças e jovens. Significa isto, que os pais que não tenham outra forma de cuidar dos seus filhos, podem confiá-los às escolas de Miranda do Douro ou de Sendim. Também as crianças e jovens indicados pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ), que não têm as condições necessárias em casa para desenvolverem a sua aprendizagem, também vêm para a escola. Finalmente, a escola vai continuar a assegurar as refeições a todos os alunos carenciados que o peçam.

T.M.N.: Todos os alunos têm computador e acesso à internet?

A. S.: Ainda há muitos alunos sem computadores e sem acesso à internet. É um problema que estamos a tentar resolver, em colaboração com o município de Miranda do Douro. Em março passado, o município já havia contribuído facultando várias ligações à internet para os alunos. Em relação aos equipamentos informáticos, vamos tentar que haja, pelo menos, um computador em cada agregado familiar com ligação à internet.

“Ainda há muitos alunos sem computadores e sem acesso à internet. É um problema que estamos a tentar resolver, em colaboração com o município de Miranda do Douro.”

T.M.N.: Como vai acontecer o ensino à distância?

A. S.: Em relação às aulas à distância temos diferentes níveis de intervenção. No ensino secundário, por exemplo, já está garantido que todos os alunos têm o equipamento com o acesso à internet e as aulas vão decorrer de forma síncrona, isto é, em direto, como se estivessem na escola, com um horário bem definido e com aulas mais curtas para evitar o cansaço. Relativamente, ao terceiro ciclo, também temos a garantia de que os alunos vão ter aulas síncronas, pois já são jovens com autonomia para estar e aprender desta forma. No segundo ciclo, as aulas vão ser mistas, síncronas e também assíncronas. E no primeiro ciclo, dado que as crianças têm muito pouca autonomia para estarem sozinhos em frente a um computador, a sua aprendizagem será sobretudo realizada através dos manuais escolares, na realização de tarefas atribuídas pelos professores, que vão ter que utilizar mais o telefone ou outro tipo de estratégia de comunicação com os alunos. Desta vez, vamos voltar a contar com a colaboração da Escola Segura, que, periodicamente, vai distribuir material de estudo, em papel, aos alunos que, em suas casas, não têm as condições técnicas para o ensino à distância. Numa semana entregam esse material, na semana seguinte recolhem e os professores corrigem.

T.M.N.: A equidade de condições para a aprendizagem preocupa-o?

A. S.: Sim, uma das minhas preocupações é a igualdade de condições no processo da aprendizagem. Quando um professor comunica que numa aula síncrona, apenas um ou dois alunos não participaram, é uma situação que não posso aceitar. As aulas síncronas são para todos os alunos. Ninguém pode ficar de fora. E só podemos ensinar utilizando as tecnologias mais avançadas, quando todos podem fazê-lo. Temos que ter muito cuidado em garantir um ensino que seja justo e igual para todos.

T.M.N.: A quem se destinam as aulas que são transmitidas através da RTP Memória?

A. S.: A chamada telescola é um bom complemento, com aulas para todos os níveis de ensino.  Nós, os professores temos acesso à grelha de programação da RTP Memória, e sempre que alguma das aulas televisivas coincidir com os interesses ou propósitos de ensino de cada professor, eles podem aconselhar os seus alunos a assistirem a essas aulas. Por exemplo, um professor pode recomendar os seus alunos a assistir à aula de português, às 10 horas, na RTP Memória, porque é muito interessante e vai expor os conteúdos que irão trabalhar. Mas repito, telescola é apenas um complemento.

T.M.N.: A partir de segunda-feira, como é que vai ser o dia-a-dia, de um aluno, por exemplo, do 8º ano? Ele vai ter um horário?

A.S.: A escola vai enviar aos pais a informação sobre o nosso procedimento.  O que se pretende é que os alunos cumpram o seu horário que tinham na escola. Se às 9h00 tinham português no ensino presencial, vão continuar a ter português no ensino à distância. Em cada aula, o professor liga a câmara e o microfone (através do zoom ou do google classroom) estabelece a relação com os alunos e inicia a aula.  A única diferença é que se a aula de português no ensino presencial durava 90 minutos, a aula online vai durar apenas 45 minutos. Porquê? Porque está comprovado que se as aulas se prolongarem por mais tempo torna-se cansativo e os alunos perdem o interesse. Os outros 45 minutos serão dedicados ao trabalho autónomo, durante o qual aos alunos podem estudar, desenvolver e aprofundar, sozinhos, os conteúdos recebidos. Depois segue-se o intervalo. De seguida vão ter outra disciplina, por exemplo, físico-química… Claro que estas aulas síncronas, em tempo real, são sobretudo destinadas aos alunos que já têm mais autonomia, como são os do 3º ciclo e do secundário.

“Está comprovado que se as aulas se prolongarem por mais tempo torna-se cansativo e os alunos perdem o interesse. Os outros 45 minutos serão dedicados ao trabalho autónomo, durante o qual aos alunos podem estudar, desenvolver e aprofundar, sozinhos, os conteúdos recebidos.”

T.M.N.: E como vão decorrer as aulas dos alunos do 1ª e 2ª ciclos?

A.S.:  Os alunos mais novos, nomeadamente os do 1º ciclo, sendo que a maioria não tem as condições técnicas para as aulas síncronas, nem tão pouco autonomia para participarem nas aulas à distância, os professores optam por comunicar com eles no início da semana, à segunda-feira, para transmitir-lhes uma série de orientação e atribuir-lhes tarefas para nos próximos dias. No decorrer da semana, os professores contatam os alunos sempre que for necessário. E na sexta-feira, os professores voltam a contatar todos os alunos, para fazer correção e a avaliação da semana, para dar o feedback aos alunos do trabalho que realizaram.

T.M.N.: Há quem diga que nesta modalidade de ensino à distância, as crianças e os jovens tornam-se mais preguiçosos, mais apáticos, sem entusiasmo? São horas infindáveis nas redes sociais, nos jogos, o que os priva da dinâmica e do interesse pelo aprender. Concorda?

A.S.: Sim, há esse risco. Eu compreendo que a tentação de estar em casa e poder fazer o que lhe apetece, ver os jogos ou outro tipo de canais e não estar com a câmara ligada para o professor, é uma preocupação que existe. Mas temos que trabalhar para evitar o desinteresse dos alunos. Recordo que no primeiro confinamento, em março do ano passado, para nossa surpresa, houve alguns alunos que se dedicaram e trabalharam mais, em casa, do que na escola. Estes alunos que tiveram uma atitude mais responsável, aperceberam-se da gravidade do problema que estamos a viver a nível mundial, e aceitaram bem a obrigatoriedade de ter que estudar em casa.

T.M.N.: A privação da proximidade, do encontro e do convívio entre os alunos é uma grande provação para eles?

A.S.: É, sem dúvida. Os miúdos gostam de brincar! Recordo que no primeiro período, mesmo aconselhando regras estritas no comportamento dentro da escola, os miúdos adoram brincar, adoram correr atrás de uma bola, adoram agarrar-se, empurrar, etc., e isso faz parte da natureza humana. E infelizmente, a pandemia limitou-nos essa componente do contato físico. Por outro lado, hoje, com as novas tecnologias (telemóveis, whatsapp, zoom, Skype, etc.), eles facilmente comunicam uns com os outros. E a própria aula síncrona que o professor proporciona, também é um momento de encontro entre eles, pois vêem-se uns aos outros no ecrã, o que acaba por ser também um momento de convívio e não só de trabalho.

T.M.N.: O que dizem os pais sobre esta experiência das aulas em casa? Como estão a preparar as suas casas para que os filhos possam aprender à distância? Os pais acompanham as aulas dos filhos, para que estes não se distraiam?

A.S.: Esta é outras das grandes diferenças. Há pais que podem acompanhar os filhos, porque estão em casa a tempo inteiro ou porque estão em teletrabalho. Mas, infelizmente há outros pais que não podem acompanhar os filhos, ou porque têm que ir trabalhar, ou porque não sabem utilizar as novas tecnologias. E isto é outro fator de diferenciação que nos preocupa. Mas, de um modo geral todos os pais se esforçam por acompanhar os seus educandos.

T.M.N.: E do lado dos professores, como é lecionar à distância?

A.S.: Ensinar à distância é muito trabalhoso e aos professores é exigida uma grande preparação prévia dos materiais. E a verdade é que há professores que até gostam desta modalidade de ensino à distância e conseguem contruir boas relações com os alunos. Para tal, também foi muito importante o ensino presencial no primeiro período, durante o qual se estabeleceu um conhecimento e uma relação pedagógica entre os alunos e os professores. Isso permitiu-nos regressar as aulas à distância com maior à vontade, pois já há um conhecimento entre todos. Se o ensino à distância se fizesse sem esse conhecimento prévio entre professores e alunos seria mais difícil e custoso para todos.

T.M.N.: Até quando prevê que seja necessário manter as aulas à distância?

A.S.: Nós gostávamos que os alunos permanecessem em casa o menos tempo possível e regressassem rapidamente à escola. O ensino é presencial e todos os professores o defendem. Mas estamos a atravessar um momento em que temos mesmo que confinar, ficar em casa, e esperar que esta pandemia acabe. A minha convicção pessoal é a de que, antes de março, não será possível regressar à escola, a não ser que haja uma regressão muito acentuada dos níveis de contágio e de óbitos. Vamos aguardar pelo evoluir da situação epidemiológica.

“A minha convicção pessoal é a de que, antes de março, não será possível regressar à escola, a não ser que haja uma regressão muito acentuada dos níveis de contágio e de óbitos.”

T.M.N.: E porque estamos na Terra de Miranda, pergunto se também há aulas de mirandês à distância?

A. S.: Com certeza! Nós temos o privilégio de poder ensinar o mirandês nas escolas do agrupamento e haverá com certeza aulas à distância em mirandês. O professor Duarte, na Escola Básica e Secundária de Miranda do Douro, e o professor Emílio, na Escola Básica 1/2/3 de Sendim, são experientes na utilização das novas tecnologias e vão continuar a assegurar o ensino da língua mirandesa. A disciplina de mirandês é facultativa e é frequentada por 70% dos alunos. No primeiro ciclo, os alunos têm duas aulas por semana. E nos restantes ciclos, a aula de mirandês é semanal.

HA

Entrevista: «Com Deus a vida tem mais sentido» – Dom José Cordeiro, Bispo de Bragança-Miranda

Entrevista: «Com Deus a vida tem mais sentido» – Dom José Cordeiro

Como já é tradição, o Bispo de Bragança-Miranda veio celebrar a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, à Concatedral de Miranda do Douro para assim reforçar a unidade e a comunhão da Igreja diocesana.

Dom José Cordeiro é bispo da diocese de Bragança-Miranda desde 2011. (HA)

Terra de Miranda Notícias: No dia 1 de janeiro, Dom José Cordeiro veio celebrar a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, em Miranda do Douro. Que significado tem a presença do Sr. Bispo, em Miranda do Douro, neste primeiro dia do novo ano?

Dom José Cordeiro.: Tem o significado da unidade e de comunhão em toda a diocese. Acresce também o facto de a diocese ter nascido aqui e por isso faz parte dos deveres do Bispo visitar Miranda do Douro. Decidi realizar estas visitas na oitava do Natal e na oitava da Páscoa, para que seja realmente verdade aquilo que pronunciamos ao dizer: diocese de Bragança-Miranda. Na atitude agradecida da história, queremos continuar a ser a Igreja, que peregrina neste território. E Miranda do Douro tem sempre encanto, não só pela beleza da Concatedral, mas também por ter sido o berço da diocese.

T.M.N.: Neste dia também se celebrou o Dia Mundial da Paz. Este ano, o Santo Padre Francisco escolheu como tema da sua mensagem: “A cultura do cuidado como percurso de paz”. Na diocese de Bragança-Miranda, a vinda das Irmãs Trapistas para Palaçoulo vem aportar um maior cuidado e zelo espiritual à diocese? O que podemos (re)aprender com as pessoas que enveredam pela vida religiosa?

D.J.C.: O Papa Francisco quando recebeu as Irmãs antes da sua vinda, disse-lhes que vinham para Portugal, o que quer dizer que o desafio é maior. Para nós é uma enorme graça, ter sido escolhida a Terra de Miranda para o acolhimento deste mosteiro Trapista, de Santa Maria Mãe da Igreja, em Palaçoulo. A presença desta comunidade monástica é como aproximar-se de uma fonte cristalina numa terra deserta. Quem ali for que se sinta habitado pelo silêncio. Na nobre simplicidade e na sóbria beleza da liturgia, do trabalho e da vida das Irmãs, os mosteiros sempre foram lugares de cultura, de catequese, de culto e de caridade. Auguramos que o mosteiro de Santa Maria, Mãe de Deus, em Palaçoulo, seja isso mesmo. Ao mesmo tempo que pedimos a Deus, o dom das novas vocações, sobretudo vocações portuguesas, porque este mosteiro está sonhado para quarenta monjas. Dez já lá estão. Faltam 30. E trinta hão de surgir, portuguesas ou de outros países, que sintam esta interpelação para uma felicidade plena, vivida no silêncio e no encontro do mosteiro.

“Para nós é uma enorme graça, ter sido escolhida a Terra de Miranda para o acolhimento deste mosteiro Trapista, de Santa Maria, Mãe da Igreja, em Palaçoulo.”

T.M.N.: Inspirou-se nas palavras de uma Monja Beneditina para escrever a homília da Missa de Natal: «Perco-me na profundidade do grande mistério: mistério luminoso na noite; mistério do eterno no tempo; mistério do espírito na carne; mistério do Tudo no nada». Porque se diz que Deus é mistério? Deus esconde-se de nós?

D.J.C: Essas palavras são Ana Maria Cánopi, uma monja que já vive a eternidade e que teve um ministério muito fecundo. O mosteiro onde ela viveu e que restaurou, na diocese de Novara, em Itália, tem cerca de 100 monjas. O que ela escreveu acerca do Natal, está num livro muito expressivo de poemas, que se chama “Pezinhos nus”. De facto, a palavra “mistério” para muitos ainda assusta e às vezes não se entende bem na cultura em que vivemos. Mas mistério não é um enigma, não é um segredo, não é nada de misterioso. É uma Pessoa. É Deus no meio de nós. E celebrar o Natal é sobretudo aprofundar a nossa fé. Porque o Natal só à luz da Páscoa se pode compreender. E de facto, muitos cristãos continuam a viver essa fé infantil, muito envolta na representação das lendas, das histórias ou do sentimento do Natal, mas não do espírito do Natal. E o verdadeiro espírito do Natal é esse mistério que nos ultrapassa, porque é Deus que vem ao nosso encontro. A fé é sobretudo essa iniciativa de Deus que vem ao nosso encontro, da nossa humanidade fragilizada. E estes tempos que estamos a viver mostram isso mesmo.

“A fé é sobretudo essa iniciativa de Deus que vem ao nosso encontro, da nossa humanidade fragilizada.”

T.M.N.: Na noite de Natal costumava jantar com alguns estudantes internacionais do IPB e com outras pessoas que vivem sós. Este ano, por causa da pandemia, como viveu a noite de Natal?

D.J.C.: Este ano não foi possível juntarmo-nos. Houve anos em que nos juntávamos mais de 200 pessoas, sobretudo aqueles que passavam sós o Natal, como os estudantes internacionais. Também não tive oportunidade de visitar os hospitais e as cadeias de Bragança e de Izeda, como habitualmente fazia. Mas tive a graça, com a Cáritas Diocesana, de ir ao encontro de algumas famílias, com mais carências e de alguns jovens estudantes internacionais, que nos abriram a porta do seu coração e aceitaram a generosidade de muitos benfeitores e de instituições. Estes fizeram chegar à Cáritas as suas doações para podermos partilhar o verdadeiro e autêntico espírito do Natal. Que não pode ficar circunscrito a um dia, tem de ser todos os dias, porque Deus nasce e renasce cada vez que temos essa atitude mais humana, mais próxima e mais fraterna.

“Deus nasce e renasce cada vez que temos essa atitude mais humana, mais próxima e mais fraterna.”

T.M.N.: Na sua homília da Missa da Noite de Natal escreveu: “A noite da pandemia que atravessamos seja Páscoa para um novo tempo de paz, justiça, amor, liberdade, fraternidade e amizade social.” São Paulo ensinou-nos que de tudo se pode retirar um bem. Que bem se pode retirar desta pandemia?

D.J.C.: A pandemia é um mal. Todos nós reconhecemos e estamos a atravessá-la como se fosse a noite escura da história mundial. Esta crise trouxe muitas outras crises. Mas a crise é também um momento de purificação, de convergência para o essencial, do dom da vida e da vida como dom. Por isso, há muito bem que podemos colher disto que realmente é um grande mal. No provérbio popular diz-se que há males que vêm por bem. Não é que a pandemia seja um bem, é um grande mal. No entanto, Deus dá-nos a força, a coragem e a criatividade para nos voltarmos para aquilo que dá sentido à nossa vida. E de estarmos mais próximos de todos, sobretudo dos que mais precisam. Há muita gente que vive só. Se calhar o maior mal é a solidão forçada. Na nossa diocese sabemos que existem mais de 3.000 pessoas que vivem sós, em suas casas. Muitas delas têm o sentido da companhia de Deus, da oração e de alguns vizinhos que velam por eles. Mas uma boa parte destas pessoas vive mesmo só e às vezes esquecidos. Daí que, em todas as aldeias, vilas, cidades, bairros temos que ser mais próximos e estar mais atentos aos vizinhos, às pessoas com quem vivemos e convivemos. Este tempo da pandemia trouxe talvez essa maior atenção e abertura. Há pessoas que me têm dito que viviam na mesma rua e no mesmo prédio e não se conheciam. E agora passaram a conhecer-se. É a tal cultura do cuidado que o Papa Francisco nos desafia a praticar na fé e na vida, uns com os outros e uns pelos outros.

“Este tempo da pandemia trouxe talvez essa maior atenção e abertura. Há pessoas que me têm dito que viviam na mesma rua e no mesmo prédio e não se conheciam. E agora passaram a conhecer-se.”

T.M.N.: Com a pandemia aumentaram em Portugal, os pedidos de ajuda, devido às dificuldades económicas e ao desemprego. Recentemente, D. José Cordeiro acompanhou uma equipa da Cáritas Diocesana e distribuiu cabazes de Natal a famílias carenciadas em vários concelhos. Na diocese de Bragança-Miranda também há situações de pobreza?

D.J.C.: Há, sobretudo nos meios onde existe mais gente, como é o eixo Bragança – Macedo de Cavaleiros – Mirandela. Em Bragança, onde tenho mais oportunidade e facilidade de conhecer a realidade existe muita pobreza envergonhada. Há muitas pessoas que viviam do seu trabalho, que foi suspenso ou lhe foi retirado, e têm dificuldade em trazer o pão de todos os dias para casa. Bragança tem hoje uma nova realidade, com muitos migrantes e muitos estudantes internacionais. Alguns destes estudantes vêm com bons apoios e bolsas de estudo. Mas há outros estudantes, que por vezes, se veem-se em situações muito complicadas e têm encontrado na Cáritas e noutras instituições – como o recém-formado grupo Jovens Sem Sofá – a resposta às suas necessidades. Para além destes, também há muitas outras pessoas que não têm sequer a coragem de bater à porta. Por isso, é preciso estar muito atento, para irmos ao seu encontro. É de realçar que muitos destes jovens estudantes necessitados só têm pedido o que realmente precisam. E sabem que há outros que passam pelas mesmas dificuldades. Felizmente tem havido muitas pessoas e instituições que têm dado à Cáritas, para que a Cáritas possa assisti-los.

T.M.N.: Sermos mais atentos e cuidadosos uns com os outros. É esse o sonho que tem para a Diocese de Bragança-Miranda?

D.J.C.: O nosso projeto pastoral de três anos, rumo à Jornadas Mundial da Juventude 2023, que se vai realizar em Lisboa, também têm esse sonho de sermos uma Igreja mais servidora da humanidade. Uma Igreja que educa, que celebra e que festeja. Significa isto que é uma Igreja que está atenta a todas as dimensões da vida humana, para que seja um cuidado integral. E de facto esse é um sonho. E esperamos que cada vez mais se vá tornando uma realidade. Sonhar para a frente. Sem esquecer que temos um passado, uma história da qual estamos agradecidos. Também temos este presente duro e difícil que enfrentamos. Mas acreditamos que Deus é maior e quer o nosso maior bem. Nós que somos criados à imagem e semelhança de Deus. Tendo -O connosco, a vida tem mais sentido, temos mais coragem, mais inteligência, mais esperança para enfrentar as contrariedades da vida. É por isso que mantemos esse sonho, de sonhar para a frente e em grande, como Deus faz connosco.

“Tendo Deus connosco, a vida tem mais sentido, temos mais coragem, mais inteligência, mais esperança para enfrentar as contrariedades da vida.”

HA


Homilia

Senhora Mãe de Deus e da Igreja

Na conclusão da oitava do Natal sabe bem cantar com regozijo a Senhora Mãe, a Santa Maria Maior: «Ó Virgem gloriosa, Mãe de Deus, ó filha predileta do Altíssimo, habitou em teu seio virginal Aquele que o mundo todo não contém, ó Virgem, que à luz deste a luz do mundo, Senhora, Mãe de Cristo e nossa Mãe!» (Hino da Liturgia das Horas).

Hoje, a narrativa do Evangelho refere a reação de Maria ao ver a adoração dos pastores ao Menino Jesus, acentuando: «Maria conservava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração». O coração guarda a memória agradecida que faz a grande transformação da história. Guardar no coração, é meditar com ternura. O Mistério contempla-se no silêncio crente e orante.

O primeiro dia do novo ano educa-nos a celebrar e a festejar com esperança a Mãe de Deus e nossa Senhora com o amor de S. José. E, brota espontâneo da nossa alma o desejo enorme de um feliz, abençoado e favorável ano 2021.

  1. A gramática do cuidado integral

O Papa Francisco, na sua mensagem para este 54º dia mundial da Paz, desperta-nos para «a cultura do cuidado como percurso de Paz». Ao constatar que «o ano de 2020 ficou marcado pela grande crise sanitária da Covid-19, que se transformou num fenómeno plurissectorial e global, agravando fortemente outras crises inter-relacionadas como a climática, alimentar, económica e migratória, e provocando grandes sofrimentos e incómodos», indica «a cultura do cuidado para erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer».

Para a gramática do cuidado, ou seja, para a promoção da cultura do cuidado requer-se um processo educativo integral e a bússola dos princípios basilares da doutrina social da Igreja: na família, núcleo natural e fundamental da sociedade; na casa; na escola e na universidade; na comunicação social (hoje o nosso jornal diocesano Mensageiro de Bragança completa 81 anos); nas religiões; na própria Igreja servidora da humanidade.

Com efeito, «a educação constitui um dos pilares de sociedades mais justas e solidárias». Não há Paz sem a cultura do cuidado integral.

  1. Planalto de Silêncio

Neste Tempo do Advento-Natal aconteceu a tão esperada abertura da hospedaria ou casa de acolhimento, onde já vive transitoriamente a comunidade monástica do Mosteiro de Palaçoulo, em projeto de construção. Sim, ide experimentar o silêncio orante na hospitalidade do Mosteiro de Santa Maria, Mãe da Igreja, em Palaçoulo, uma nova fundação do Mosteiro de Vitorchiano em Itália. Rezar e estar naquele lugar sagrado é como aproximar-se de uma fonte límpida em território deserto .

As dez Monjas trapistas fundadoras transmitem a Esperança alegre e contagiante de quem é autenticamente feliz. Deus lhes conceda os seus dons e novas vocações portuguesas.

Todos os dias, cada ação litúrgica celebra-se com sóbria beleza e nobre simplicidade. O dia é ritmado pelas sete orações litúrgicas: Vigílias, Laudes, Eucaristia com Tércia, Sexta, Noa, Vésperas e Completas. O trabalho e o estudo completam o dia em livre pobreza e alegre simplicidade, de harmonia à insígnia beneditina: ora et lege et labora.

Em Portugal, depois da extinção das ordens religiosas em 1834, os Cistercienses não restauraram nenhum mosteiro. Damos graças a Deus, por nascer no Planalto Mirandês, um Mosteiro Trapista, da Ordem Cisterciense da Estrita Observância.

A Divina Generosidade dá, aqui e agora a Portugal, como referiu o Papa Francisco na audiência que concedeu às “corajosas” Monjas fundadoras antes de partirem para esta sublime Missão, o dom da Graça de uma nova comunidade monástica, como uma ‘aldeia para Deus’. Bendigamos o Senhor por tamanha Graça.

Os horizontes da espiritualidade e da cultura do cuidado integral alargam-se assim no Arciprestado de Miranda com os Pastores, as Consagradas e todo o Povo Santo de Deus.

É tempo de cuidar com a Senhora Mãe da Esperança e com São José, para que «Cristo habite pela fé em vossos corações» (Ef 3,17). Ele é a nossa Paz!

Miranda do Douro, 1 de janeiro de 2021

D. José Cordeiro, bispo de Bragança-Miranda