25 de Abril: «Um país não passa a ser democrático de um dia para o outro» – António Matos Ferreira
O historiador António Matos Ferreira, coordenador de um projeto de investigação sobre o 25 de Abril, na Universidade Católica Portuguesa (UCP), destacou a “mutação” de consciência, na Igreja e na sociedade portuguesa, que promoveu a resistência ao regime.
“Um país não passa a ser democrático, imediatamente, de um dia para o outro. 25 de Abril é um dia, mas quando falamos do 25 de Abril, falamos de um grande processo de mutação”, indica o docente universitário.
O Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da UCP desenvolve até 2026 o projeto ‘25 de Abril: permanências, ruturas e recomposições’, que procura suscitar novas reflexões entre investigadores, no âmbito da História Religiosa Contemporânea.
“Os nossos objetivos não são comemorar, mas repensar com elementos que introduzem contraditório, que introduzem novas perspetivas”, precisa Matos Ferreira.
O especialista recorda que, após 1974, “houve efetivamente ruturas, mas também houve resistências”.
“Um dos grandes perigos do conhecimento histórico é fornecer – mais do que até a questão revisionista – falsas imagéticas que alimentam a atualidade das pessoas”, adverte.
Para o investigador responsável pelo projeto do CEHR, o regime do Estado Novo foi “um regime de compromisso entre os republicanos moderados, fações da maçonaria”.
O historiador sublinha a necessidade de estudar os motivos para que a Ação Católica não aparecesse na Concordata (1940), havendo quem entendesse que Salazar “teria receio de que essa instituição fosse a base da criação de um outro partido”.
“Se ele existisse, de alguma maneira, retiraria à União Nacional – em que estavam católicos, maçons e republicanos conservadores – o apoio do setor católico”, aponta.
António Matos Ferreira entende que o papel dos setores operários e os setores universitários, na Igreja Católica, são “extremamente importantes para perceber o terreno onde vai emergir uma lenta e clara oposição ao regime”.
“O setor católico começa a ter dissidências internas. O importante foi não só a dissidência, mas – sobretudo a partir de Humberto Delgado- o crescendo, haver sectores que passaram a ser oposição”, precisa.
O investigador destaca que, em Portugal, existia uma elite que lia, membros do clero e leigos, a literatura produzida no Concílio Vaticano II (1962-1965), num processo de renovação que não foi acompanhado por “parte significativa” do mundo católico.
Para muitos desses protagonistas, isso implicava uma rutura com a ordem pública e política. Mesmo que não fosse formulada nestes termos, exatamente, dizia respeito a uma sociedade livre, portanto, necessariamente democrática”.
Num olhar sobre o presente, Matos Ferreira convida a aprender com a história, sustentando que “a segurança só vale se for realizada em nome da liberdade”.
“Aprender a ser livres é aprender no interior das relações. É por isso que uma sociedade democrática favorece a liberdade”, indica.
O historiador sustenta, a este respeito, que “não há liberdade sem o reconhecimento dos outros”.
“Isso é uma aprendizagem, não é porque um dia as tropas saíram à rua. Esse sair das tropas à rua é como que um grito, mas depois é preciso construir para além do grito”, conclui.
Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)