25 de Abril: “Rumo à Revolução”, retrato de um regime com “pena suspensa”
“Rumo à Revolução” faz o retrato de um país aflito, de um “governo com pena suspensa”, pressionado pelos aliados a negociar uma solução para a guerra colonial, e com dificuldades em comprar armas para combater em África.
O livro é a história dos últimos meses do Estado Novo, desde o lançamento do livro de António Spínola “Portugal e o Futuro”, que defendia ser impossível vencer a guerra colonial, iniciada em 1961, até 26 de abril de 1974, um dia depois do golpe que derrubou a ditadura, quando foram retirados os retratos de Marcello Caetano e Salazar na sede da polícia política, a PIDE.
“O de Salazar era mais difícil por estar mais alto” e foi preciso ir buscar um escadote, mas “também foi removido”, lê-se na última frase do livro do historiador José Matos e da jornalista Zélia Oliveira, da agência Lusa, editado pela Guerra e Paz, que chega hoje às livrarias.
São mais de 240 páginas de história e estórias escritas a partir de documentos dos arquivos da diplomacia norte-americana e francesa, que revelam, no caso de França, estar bem informada sobre o que se passava em Portugal a poucos meses da queda da ditadura de Salazar e Caetano derrubada pelo Movimento das Forças Armadas, a que se juntam testemunhos de alguns dos protagonistas.
Homem do regime, Feytor Pinto encontra-se em Paris, já em Abril de 1974, com um assessor do Presidente Pompidou, e procura apoio para uma solução de autonomia progressiva, evitando uma “independência repentina” das colónias. Em vão. E é aí que surge a frase da “pena suspensa”. De facto, o regime estava prestes a cair pela mão dos militares.
Os episódios relatados em “Rumo à Revolução” revisitam a história, mas alguns deles surgem com mais pormenores.
Para a História ficou o encontro de Londres – revelado por José Pedro Castanheira no Expresso em 1994 – de um enviado de Marcello com uma delegação do PAIGC no exílio. E o que este livro revela é a pressão da França para o diálogo que depois aconteceu em Londres, iniciativa de diplomatas britânicos em Lisboa.
Em janeiro de 1974, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício, reúne-se com o seu homólogo francês, Michel Jobert, que lhe fala do crescente isolamento de Portugal em África, fala-lhe numa solução confederal, mas os “argumentos de Patrício mostravam claramente a dificuldade em aceitar qualquer tipo de solução negociada para a Guiné e, por arrasto, para as restantes colónias”, escrevem os autores, com base num relatório francês sobre essa conversa.
Dias depois, é Freitas Cruz, diretor-geral dos Negócios Políticos, a falar com o seu homólogo francês, e na conversa prometia que Portugal iria refletir sobre as ideias de Jobert, nomeadamente em conversações com o PAIGC. E argumentou que “se podia encontrar uma personalidade portuguesa, não governamental, não oficial, que poderia cumprir essa tarefa de forma discreta, não envolvendo diretamente o Estado português”.
Afinal, a solução foi mais oficial para o encontro de Londres e a escolha recaiu no embaixador José Manuel Villas-Boas, que foi em “missão secreta”, em março de 1974, para negociar uma possível independência da colónia com o PAIGC, também vista como uma manobra para ganhar tempo e comprar armamento.
A situação do regime era aflitiva, não só com a guerra, mas também com a dificuldade em comprar armas, devido ao isolamento internacional.
Portugal tentou comprar, sem sucesso, mísseis israelitas, com a ajuda mais ou menos relutante dos EUA, pressionados pelos facto de Portugal ter autorizado o uso da Base das Lajes, nos Açores, durante a guerra de Yom Kippur, entre Israel, Egito e Síria, em 1973.
Tudo avançou em segredo, mais tarde. Aproveitando o facto de Israel “estar a receber grandes quantidades de armamento depois da guerra”, lê-se no livro, Henry Kissinger, secretário de Estado dos Estados Unidos, “terá convencido os israelitas a desviar 500 mísseis ‘Redeye’ do seu ‘stock’ e a enviá-los para Portugal através de um intermediário alemão”.
“O número de mísseis encomendado mostra que os ‘Redeye’ não se destinavam apenas à Guiné, onde as forças portuguesas necessitavam de cerca de 200 mísseis, mas também a outros pontos das colónias portuguesas. Os mísseis custaram 209 mil contos (um milhão e 42 mil euros), e já tinham chegado à Alemanha quando se deu o 25 de Abril e a queda do regime”, concluem José Matos e Zélia Oliveira. Nunca foram usados.
Fonte: Lusa