Entrevista: “É importante saber os nossos direitos para exigir que sejam cumpridos”– Vítor Bernardo

No dia 3 de fevereiro, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais emitiu um despacho solicitando à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) uma avaliação e atualização das matrizes das barragens, de modo a avançar com a cobrança do Imposto Municipal sobre este tipo de Imóveis (IMI). Esta ação foi recebida pelo vereador do município de Miranda do Douro, Vitor Bernardo, como um importante passo para começar a fazer justiça fiscal à Terra de Miranda.

Vitor Bernardo é vereador do município de Miranda do Douro e responsável entre outros pelouros, pelas obras municipais.

Terra de Miranda Notícias: O despacho agora emitido pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais significa que a reivindicação do município de Miranda do Douro, de receber o valor dos impostos decorrentes da venda da concessão das barragens, vai finalmente ser atendida?

Vitor Bernardo: Sim, esperamos que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), desta vez, atue segundo o parecer consultivo da Procuradoria Geral da República, emitido em 2005, e cumpra o recente despacho do secretário de estado dos Assuntos Fiscais, que diz claramente que “as barragens concessionadas e construídas têm que ser inscritas na respetiva matriz e avaliadas para, posteriormente, se liquidar o correspondente Imposto Municipal sobre Imóvel (IMI), no corrente ano e nos quatro anos anteriores”.

T.M.N.: Até aqui, o que impedia a cobrança do IMI sobre as barragens?

V.B.: A AT escusava-se baseando-se num parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), de que todos os edifícios de apoio à exploração hidroelétrica eram do domínio público, o que não é verdade. Do domínio público é o rio, o leito, as águas e as margens. Já os edifícios, enquanto forem propriedade da empresa concessionária, como acontece nos contratos de concessão das barragens de Miranda do Douro, Picote e Bemposta, têm que pagar o IMI, como qualquer outra pessoa coletiva ou singular.

“Os edifícios enquanto forem propriedade da empresa concessionária, como acontece nos contratos de concessão das barragens de Miranda do Douro, Picote e Bemposta, têm que pagar o IMI, como qualquer outra pessoa coletiva ou singular.”

T.M.N.: O pagamento do IMI vai incluir os retroativos desde o ano 2019?

V.B.: Sim, dado que nem a EDP, nem a atual concessionária, a Movhera, requereram a inscrição na matriz dos imóveis de que são proprietários, a lei geral tributária prevê que a AT proceda a inscrição oficiosa desses imóveis. Neste caso, coube ao município de Miranda do Douro, como sujeito ativo do imposto em causa, informar a AT da não inscrição desses imóveis. Agora, compete à AT cobrar o IMI relativo aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, para depois entregar esse montante à Câmara Municipal de Miranda do Douro.

3- T.M.N.: Como se calcula este montante?

V.B.: A avaliação dos imóveis é feita segundo o código do IMI. E no artigo 46º, consta que a avaliação é feita de acordo com o critério do custo. Por exemplo, há que verificar quanto custou a construção da barragem de Miranda do Douro, em 1961. E a resposta é 900 mil contos à altura, ou seja, 4,5 milhões de euros, a que corresponderá atualmente, com as devidas correções, qualquer coisa como 360.000.000,00 €. Posteriormente, em 1991, foi construída a central II da barragem e teve um custo adicional de 90 milhões de euros. Em suma, uma barragem tem um elevado custo de construção e por isso o valor patrimonial tributário é de centenas de milhões de euros.

“Uma barragem tem um elevado custo de construção e por isso o valor patrimonial tributário também é elevado.”

T.M.N.: Qual o valor total do IMI devido ao município de Miranda do Douro?

V.B.: Por defeito, calculo que a arrecadação do IMI sobre as barragens vai corresponder a 10% da receita corrente da Câmara Municipal de Miranda do Douro, que são 12 milhões de euros. Ou seja, com os retroativos dos anos anteriores, o município de Miranda do Douro vai ter direito a 5 ou 6 milhões de euros de IMI. Segundo o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a liquidação do imposto deverá estar concluída no mais curto espaço de tempo.

T.M.N.: Recentemente, a presidente do município de Miranda do Douro, Helena Barril, expressou que a receita proveniente do Imposto Municipal sobre Imóveis [IMI] será importante para a sustentabilidade financeira do município e para realizar projetos estruturantes. Que obras são mais necessárias no concelho de Miranda do Douro?

V.B.: Uma receita adicional dá sempre uma almofada financeira que o município não tinha, e estamos a falar de uma receita estrutural que não se esgota com o pagamento de um ano, mas perdura nos anos seguintes. Esta receita do IMI poderá apoiar a execução de obras, em que não há financiamento público, e alavancar os montantes das comparticipações municipais que não são financiados por Fundos Europeus, como é o caso da construção do novo matadouro intermunicipal. Outro compromisso assumido por este executivo é o Seguro Municipal de Saúde, cujo concurso público internacional vamos lançar em breve e que será suportado pelo orçamento Municipal. Também a construção de um novo sistema de abastecimento de água, no sul do concelho, para servir localidades como Silva, Fonte Ladrão, Granja e Águas Vivas, poderá ser alavancado com a receita do IMI.

“Uma receita adicional dá sempre uma almofada financeira que o município não tinha, e estamos a falar de uma receita estrutural que não se esgota com o pagamento de um ano, mas perdura nos anos seguintes.”

T.M.N.: Há ainda outros projetos que pretendem realizar?

V.B.: Sim, este executivo pretende requalificar o auditório municipal, localizado na zona histórica da cidade. Outro projeto, denominado “Carreirones”, visa promover o turismo de natureza nas Arribas do Douro. Na natureza, queremos construir uma praia fluvial na zona urbana do rio Fresno. Na cultura, temos a pretensão de musealizar o Castelo de Miranda. E vamos construir uma nave/pavilhão multifuncional, para assim alavancar definitivamente os grandes eventos realizados no concelho, como são o Festival dos Sabores Mirandeses e a Feira da Bola Doce e dar-lhe assim uma maior escala, o qual servirá também para acomodar o desporto de pavilhão que se pratica no concelho. Há ainda obras de requalificação dos balneários da piscina descoberta; do posto de turismo de Miranda do Douro; da Biblioteca Municipal António Maria Mourinho; dos cabanais do Largo do Castelo; das vias municipais; do sistema de saneamento básico, matérias nas quais em alguns casos não existe qualquer tipo de investimento há mais de 20 anos.

“Vamos construir uma nave/pavilhão multifuncional, para assim alavancar definitivamente os grandes eventos realizados no concelho, como são o Festival dos Sabores Mirandeses e a Feira da Bola Doce e dar-lhe assim uma maior escala, o qual servirá também para acomodar o desporto de pavilhão que se pratica no concelho.”

T.M.N.: No âmbito fiscal, uma das promessas é devolver o IRS aos municípes?

V.B.: Sim, a receita do IRS tendencialmente vai ser reduzida a zero, E isto é muito importante, porque a função essencial do município é dar condições condignas para que os seus munícipes residam no território, estancando assim a hecatombe demográfica que tem acontecido.

T.M.N.: O concelho de Miranda do Douro é sobejamente conhecido pela constante atividade cultural. O que pretendem fazer na área cultural?

V.B.: Com a receita adicional dos impostos sobre as barragens, pretendemos investir mais na promoção externa do nosso folclore, da capa de honras, da língua mirandesa, do território, da gastronomia, em suma da cultura mirandesa, quer nacional quer internacionalmente. Acredito que só com campanhas publicitárias de qualidade, promovendo o que de melhor temos para oferecer, é que teremos o retorno devido.

5- T.M.N.: Neste negócio de venda da concessão das barragens, estão também em causa a cobrança de outros impostos, como o Imposto de Selo, o Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis (IMT) e o IVA da produção de eletricidade. Estes impostos também são devidos?

V.B.: A partir do momento em que houve uma transmissão de imóveis, como aconteceu com as barragens de Miranda do Douro, de Picote e de Bemposta, o Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis (IMT) também deve ser cobrado. Relativamente aos 7,5% do IVA sobre a produção de eletricidade, que constava no artigo 134º, da lei do Orçamento de Estado de 2021, nunca foi cumprido. Por isso, vamos exigir que a AT comunique à Direção-Geral das Autarquias Locais, o valor dos 7,5% de IVA, sobre a produção de eletricidade. Na prática, se a barragem de Miranda do Douro produz anualmente 100 milhões de euros de eletricidade, 23 milhões são de IVA. E as autarquias têm direito a 7,5% desses 23 milhões.

“A partir do momento em que houve uma transmissão de imóveis, como aconteceu com as barragens de Miranda do Douro, de Picote e de Bemposta, o Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis (IMT) também deve ser cobrado.”

T.M.N.: Nestas diligências pela justiça fiscal, destaca-se a ação cívica do Movimento Cultural da Terra de Miranda (MCTM) que alertou, atempadamente, as autoridades para o perigo de evasão fiscal no negócio de venda das barragens. Que lição pode a sociedade civil aprender com este movimento?

V.B.: O Movimento Cultural de Terra de Miranda (MCTM) está a mostrar à sociedade civil o quão importante é viver informados dos direitos (e deveres) e lutar para que sejam cumpridos. Recordo também que, aquando das eleições autárquicas de 2021, a candidatura “Tempo de Acreditar” foi a única a denunciar a injustiça fiscal decorrente da venda da concessão das barragens. Em suma, tivemos a coragem de ficar ao lado do MCTM (e da verdade!), seja no caso do IMI, como também nos outros impostos. Felizmente, o senhor secretário dos Assuntos Fiscais percebeu, e bem, que o MCTM e os municípios têm razão, tendo ordenado a inscrição das barragens na matriz para que possa ser cobrado o IMI.

“O Movimento Cultural de Terra de Miranda (MCTM) está a mostrar à sociedade civil o quão importante é viver informados dos direitos (e deveres) e lutar para que sejam cumpridos”.

T.M.N.: O Movimento Cultural da Terra de Miranda (MCTM) elaborou também um Plano Estratégico para o desenvolvimento desta região, de modo a tornar o território mais atrativo para o investimento e para a fixação de pessoas. Este documento foi recentemente elogiado pela ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa. Que investimentos poderão dar mais dinamismo demográfico e económico à Terra de Miranda?

V.B.: Sublinho que o MCTM surgiu com um propósito maior de preservar e promover a cultura desta região, nas suas várias vertentes, como são a história, a língua mirandesa, as tradições, os pauliteiros, as raças autctótones e a agricultura. E para que esta região não morra há que criar condições para estancar o êxodo demográfico. Sem pessoas, não há cultura! Segundo o Plano Estratégico elaborado pelo MCTM, a Terra de Miranda, que compreende os concelhos de Miranda do Douro, Mogadouro e Vimioso, dispõe de recursos suficientes para inverter o declínio demográfico e económico. E entre estes recursos destacam-se a produção hidroelétrica e a agricultura, que carece de um sistema de regadio. No que respeita à vinicultura, veja-se o estado da cooperativa Ribadouro, em Sendim, que não tem um investimento e modernização desde a sua fundação. E se não há investimento, equipamento e conhecimento não é possível produzir vinhos de qualidade. Na minha perspetiva, a atração de pessoas para esta região só é possível mediante a diferenciação positiva em termos fiscais, reduzindo o valor dos impostos das pessoas, das famílias e das empresas que se instalem ou residam nesta região, e a Sr.ª Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, percebeu isto facilmente, dada a qualidade técnica do documento elaborado.

“No que respeita à vinicultura, veja-se o estado da cooperativa Ribadouro, em Sendim, que não tem um investimento e modernização desde a sua fundação. E se não há investimento, equipamento e conhecimento não é possível produzir vinhos de qualidade”.

T.M.N.: No dia 11 de fevereiro, vai realizar-se em Miranda do Douro, um debate sobre a possibilidade do Plano Ferroviário Nacional, incluir o concelho na linha de Alta Velocidade Porto-Zamora-Madrid. Que impacto poderá ter este investimento ferroviário na região?

V.B.: Na década de 1980, os sucessivos Governos decidiram acabar com a ferrovia no distrito de Bragança. E desde então toda a província de Trás-os-Montes não é servida de comboio. Este possível regresso da linha ferroviária ao concelho de Miranda do Douro é uma mudança de paradigma. Segundo o estudo da Associação Vale D´Ouro, a ligação ferroviária Porto – Zamora-Madrid, ao passar pelo concelhos de Vimioso e de Miranda do Douro cumpre os critérios do maior número de habitantes, do melhor custo-benefício e da maior promoção da coesão territorial. Acredito que esta linha ferroviária de Altas Prestações vai aproximar-nos simultaneamente, do litoral, de Espanha, da Europa e seguramente vai dinamizar a economia e o turismo em toda a nossa região.

Perfil

Vítor Manuel Vaz Bernardo, nasceu a 22 de setembro de 1969.

Licenciou-se em Direito, pela Universidade Lusófona. É Oficial de Justiça desde 2 de maio de 1992, sendo um dos dois Secretários de Justiça da Comarca de Bragança.

A 18 de outubro de 2021, assumiu as funções de vereador da Câmara Municipal de Miranda do Douro. Sobre este novo serviço público, Vítor Bernardo, informou que o volume de trabalho aumentou consideravelmente, aumentando também a responsabilidade inerente e no seu dia-a-dia contacta com mais pessoas.

“Há 31 anos que trabalho na persecução do interesse público. Portanto, esta nova missão no município de Miranda do Douro não é assim tão diferente. Estou aqui com espirito de missão, e a missão principal é ajudar as mirandesas e os mirandeses a terem uma vida melhor. O atual executivo está a tentar implementar um modo de proceder mais transparente nos diferentes âmbitos do município, da contratação pública à fiscalização de obras públicas, passando por humanizar mais os serviços”, disse.

HA

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