Entrevista: «O que leva as pessoas a mudarem-se para o interior é ligação afetiva à comunidade local» – João Almeida, cofundador da associação Rural Move

Entre os dias 2 a 8 de janeiro, vários profissionais de diversas áreas estão a trabalhar à distância, desde Malhadas, numa iniciativa promovida pela associação Rural Move, em parceria com o município de Miranda do Douro, com o duplo objetivo de dinamizar o concelho e dar a conhecer as potencialidades deste território.

Miranda do Douro acolhe um grupo de 15 trabalhadores ligados a vários ramos de atividade, que vão trabalhar à distância.

Terra de Miranda – Notícias: Qual é a missão da associação Rural Move?

João Almeida: A Rural Move surgiu no período da pandemia, com o objetivo de ajudar os territórios rurais a aproveitar as oportunidades decorrentes daquele período de isolamento e de aposta no teletrabalho ou trabalho à distância. Ao longo daqueles dois anos da pandemia, verificámos que existia um grande número de pessoas interessadas em sair das grandes cidades e trabalhar nas localidades rurais. Para isso, a associação tem como missão reunir e prestar informações sobre essas localidades, de modo a apoiar a mudança e a fixação das pessoas nessas regiões.

T.M.N.: Que apoios prestam às pessoas para realizar essa mudança para o mundo rural?

J.A.: A associação Rural Move reúne e disponibiliza várias informações, tais como os espaços de coworking, os alojamentos, as oportunidades de emprego e as medidas do governo e dos municípios existentes para apoiar a mudança e a fixação das pessoas nas localidades rurais.

T.M.N: E qual tem sido a recetividade das pessoas para realizar essa mudança?

J.A.: Quando lançámos o projeto constatámos que havia um grande interesse e fomos contatados por centenas de pessoas. No entanto, com o passar dos tempo, apercebemo-nos de que embora haja o fascínio de viver e trabalhar no campo, muitas dessas pessoas acabavam por não o fazer. E isso levou-nos a focarmo-nos apenas nas pessoas que realmente querem e estão preparadas para fazer essa mudança.

T.M.N: O acolhimento da nova comunidade é muito importante para incentivar a mudança?

J.A.: Sim. E por isso a associação Rural Move procura conhecer a fundo as comunidades locais, estabelecendo parcerias com vários municípios, assim como com as instituições, as empresas e as associações locais de cada localidade. Porque não basta encaminhar as pessoas para uma dada localidade rural. É preciso que essa comunidade também esteja preparada para acolher e integrar os novos residentes.

T.M.N.: Sobre a experiência que está a decorrer em Miranda do Douro, de 2 a 8 de janeiro, do que se trata?

J.A.: Foi uma proposta que apresentámos ao município, a de convidar 15 pessoas, para viver e trabalhar desde Miranda do Douro, à distância, ao longo de uma semana. Esta experiência piloto vai permitir-nos recolher informações úteis, que serão depois entregues ao município, para que este possa melhorar a estratégia de atração de novos trabalhadores remotos. No final da semana vamos disponibilizar informações sobre o que está bem, o que falta e o que é preciso melhorar para atrair a vinda de mais pessoas que queiram trabalhar desde Miranda do Douro.

T.M.N.: Quem são estas 15 pessoas que estão a trabalhar remotamente desde Miranda do Douro? E que profissões desempenham?


J.A.: É um grupo muito variado, que é constituído por pessoas, com idades entre os 23 e mais de 50 anos e vêm de diversas localidades como o Porto, Lisboa, Viana do Castelo, Aveiro, Mação, Felgueiras, etc.. Trabalham em áreas como a tecnologia, investigação, engenharia mecânica, tradução, design, consultoria, etc. Em suma, é um grupo muito heterógeneo, com pessoas de diferentes idades, proveniências e áreas profissionais.

T.M.N.: De 2 a 8 de janeiro, como é que vai ser o vosso dia-a-dia?

J.A.: Vamos ficar alojados e vamos trabalhar desde o centro de formação agrícola, em Malhadas. O almoço é feito nos restaurantes locais. E os jantares variam consoante as nossas saídas ao final do dia, para conhecer o concelho e a comunidade de Miranda do Douro. No dia 4 de janeiro, por exemplo, vamos para Sendim, trabalhar desde o Centro de Inovação e Tecnologia – Terras de Trás-os-Montes (CIT-TT). Também fomos convidados para visitar a cidade de Miranda do Douro, as aldeias de Atenor e de Constantim e várias associações locais.

T.M.N.: O centro de formação agrícola de Malhadas oferece boas condições de alojamento?

J.A.: Sim, as instalações são bastante amplas. Têm salas de trabalho e uma sala de convívio, onde o grupo de trabalhadores remotos tem a oportunidade de conviver e conhecer-se entre si. Ainda assim, este espaço que já oferece boas condições e onde já trabalham duas associações locais, com as devidas adaptações, pode tornar-se um ótimo espaço de coworking.

T.M.N.: Para que estas pessoas decidam trabalhar e mudar-se definitivamente para Miranda do Douro, que condições são imprescíndiveis?

J.A.: Para trabalhar à distância, o computador e a internet são imprescindíveis. Mas outro fator que não deve ser descurado é a importância da comunidade. E isso vê-se nos espaços coworking, onde a grande motivação das pessoas para saírem de casa é o encontro com outros profissionais e o trabalho em grupo.

T.M.N.: Os espaços coworking e as incubadoras de empresas têm vindo a aumentar em Portugal, mas nem sempre são muito procurados e utilizados. Porquê?


J.A.: Esses espaços estão vazios, porque a estratégia não se pode limitar a oferecer a cadeira, a mesa e a internet. Também é preciso criar comunidade, envolver as pessoas e juntá-las em torno de um objetivo comum. E este objetivo por ser o desenvolvimento da sua localidade e do seu concelho. Há que responder à questão: “De que modo a minha atividade profissional pode contribuir para o desenvolvimento local?”

T.M.N.: Como se desenvolvem concelhos de baixa densidade populacional?

J.A.: Este tipo de territórios têm uma carga negativa muito acentuada, derivada da falta de oportunidades, da falta de infraestruturas e da falta de serviços, o que normalmente é verdade. No entanto, se nos focarmos apenas nessas desvantagens, tanto a população local, como os visitantes, não conseguirão ver as vantagens de viver e trabalhar nestas localidades. Por isso, é imprescindível focarmo-nos nas mais-valias como é o contato com a natureza, a alimentação com produtos de melhor qualidade, o menor custo de vida, o maior equilíbrio entre a vida profissional, familiar e pessoal, a redução do stress, a maior proximidade e interação com a comunidade local, onde toda a gente se conhece, e a possibilidade de participar nas associações, tradições e festividades locais.

T.M.N.: Significa isso que viver no mundo rural tem vantagens?

J.A.: Claro que sim! Por isso, é importante parar de reclamar que não há educação, não há saúde e não há transportes. E aproveitar o que há de bom em cada território.

T.M.N.: Que políticas deveriam ser implementadas para incentivar mais pessoas a fixarem-se nas localidades rurais?

T.M.N.: Estou convencido que não são as políticas que fazem mudar as pessoas. Veja-se o exemplo do apoio à mobilidade na função pública para trabalhar no interior, onde houve apenas a mudança de 10 pessoas. Isso mostra que a parte financeira não é mobilizadora. O que move as pessoas para a fixação no interior é ligação afetiva à localidade e à comunidade.

T.M.N.: O que leva as pessoas a querer sair das cidades?

J.A.: Estou convencido que é sobretudo o ritmo de vida. Creio que há muitas pessoas que se sentem escravas do ritmo acelerado de vida nas cidades. E por isso, escolhem o campo. E dou um exemplo elucidativo: aquando da nossa chegada a Malhadas, fomos almoçar ao restaurante. Por sugestão da Andreia, decidimos ir a pé e caminhamos durante 20 minutos, para cada lado. Eu achei que seriam 40 minutos de tempo desperdiçado. Mas, em grupo, concluímos que a caminhada para além do bem-estar físico que proporciona, também é um modo de nos darmos a conhecer à população local.

Perfil

João Almeida, é natural de Viseu e tem 27 anos.

Na universidade de Aveiro formou-se em Línguas e Relações Empresariais e concluiu um mestrado em Gestão.

Atualmente, está a realizar um doutoramento em Ciências Económicas e Empresariais, dedicado ao tema “Desenvolvimento de Territórios de Baixa Densidade, através de iniciativas de empreendedorismo e inovação”. Disse que escolheu este tema para a tese de doutoramento, motivado pelas suas origens rurais.

“As minhas férias eram sempre passadas na montanha, onde praticava BTT e trails runs. E o tema do empreendedorismo sempre me interessou e fiz parte de várias associações ligadas a esta área. Por isso, foi com naturalidade que escolhi o tema para doutoramento juntando as duas áreas que mais gostava: o rural e o empreendedorismo. Ou seja, usar o empreendedorismo para dinamizar os territórios rurais”, explicou.

É co-fundador e coordenador da associação Rural Move, que presta apoio às comunidades rurais e a todas as pessoas que queiram viver, trabalhar ou investir nestes territórios.

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