São Pedro da Silva: O Velho e a Galdrapa levaram alegria à comunidade
No Domingo, dia 17 de dezembro, a Festa em honra de Santa Luzia, em São Pedro da Silva, voltou a ser animada com o peditório protagonizado pelo “Velho e a Galdrapa”, duas personagens mascaradas de um antigo ritual, que evoca a celebração do fim das colheitas e a chegada do inverno.
A festa em honra de Santa Luzia, na aldeia de São Pedro da Silva, no concelho de Miranda do Douro, iniciou-se às 10h30 da manhã de Domingo, dia 17 de dezembro, com a celebração da eucaristia, na igreja paroquial.
Recorde-se que Santa Luzia viveu no fim do século III. O nome de Santa Luzia deriva do latim e significa: portadora da luz. Ela é invocada pelos fiéis como a protetora dos olhos, que são a “janela da alma”, canal de luz.
Após a celebração religiosa iniciou-se o peditório para a festa, pelas ruas da aldeia, uma tarefa realizada pelas personagens mascaradas o Velho e a Galdrapa.
Segundo o etnógrafo Mário Correia, trata-se de um ritual antigo, que promove a convivência entre as pessoas da aldeia.
“É um ritual de visita, de ir de casa em casa, de celebração comunitária. Esta festa está também relacionada com o ciclo solsticial, isto é, com o tempo circular da natureza. Com a chegada do inverno, celebra-se o fim das colheitas, das vindimas, da apanha da castanha e da azeitona. Depois da azáfama e satisfação pelas colheitas segue-se a festa, com a prova do vinho novo e a matança do porco. Os trabalhos agora são dentro de casa, com a fiação da lã e a preparação dos instrumentos de trabalho para o novo ano agrícola, que vai iniciar-se na primavera”, explicou.
Sobre o significado dos mascarados e travestidos no ritual do “Velho e a Galdrapa”, Mário Correia, disse que representam a inversão normal da sociedade, a recusa do velho e aspiram ao nascimento de algo novo no ciclo da vida.
Na perspectiva do etnógrafo, estas festas de solstício de inverno têm muito potencial para serem inscritas no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, mas dependem da preservação e da sua vivência nas comunidades.
“O despovoamento das aldeias é uma séria ameaça à continuidade destas tradições. E em São Pedro da Silva, a comunidade afirma que é difícil encontrar pessoas e sobretudo os jovens para fazer a festa. Por outro lado, o município de Miranda do Douro está muito empenhado em preservar estas festas de solstício de inverno, através da informação e divulgação, pelo que acredito que este legado cultural vai ser protegido”, disse.
Outro perigo apontado pelo etnógrafo é o tratamento superficial que se dá a estas tradições, encarando-as apenas, como uma diversão, uma espécie de “disneylândia”, que reúne uma comunidade de fotógrafos à volta do ritual.
O peditório é animado pela música do trio de gaiteiros e decorre pelas ruas da aldeia.
O Velho tem a missão de dar a beijar uma cruz de cortiça queimada, que depois de beijada tisna a cara das pessoas. Por sua vez, a Galdrapa, que é a mulher do Velho, guarda as esmolas na sua algibeira e numa estaca pendura o fumeiro recebido (e roubado!) das casas das pessoas.
Os dois bailadores têm a missão de dançar e distrair a população, enquanto a Galdrapa entra, sorrateiramente, pelas casas adentro, para “surrupiar” as chouriças e os salpicões.
Segundo Sérgio Ruano, natural de São Pedro da Silva, este ritual foi recuperado após uma interrupção de vários anos, devido à emigração e consequente despovoamento da aldeia.
“Antigamente, as quatro personagens eram interpretadas por jovens rapazes e o peditório demorava mais tempo, dado que havia mais famílias a residir na aldeia. A Galdrapa entrava sorrateiramente nas casas das famílias para tirar alguma peça de fumeiro. Hoje em dia, as pessoas dão sobretudo dinheiro pois há cada vez menos pessoas a fabricar fumeiro”, disse.
“No final da missa realizava-se o leilão do fumeiro e outros pertences que a Galdrapa tirou às escondidas da casa das pessoas”, contou.
O emigrante em França, António Eduardo, regressou a São Pedro da Silva para voltar a participar na Festa em honra de Santa Luzia e acompanhar o ritual do peditório, feito pelo Velho e a Galdrapa.
“Eu, os meus filhos e netos gostamos muito desta tradição”, disse.
Segundo Alfredo Cameirão, natural de São Pedro da Silva e presidente da Associação de Língua e Cultura Mirandesas (ALCM), o ritual do ‘Velho e da Galdrapa’ foi interrompido desde a década de 60 até aos anos 90 e foi recuperado graças ao empenho e dedicação dos habitantes da localidade.
“Provavelmente, esta é uma das festas mais antigas de São Pedro da Silva e por isso é muito importante preservar este ritual do peditório protagonizado pelo L Bielho i la Galdrapa. O dinheiro angariado no peditório serve para pagar as despesas da festa, como a missa, o trio de gaiteiros, o almoço comunitário, etc.”, indicou.
Já o presidente da União de Freguesia de Silva e Águas Vivas, Silvino Silva, destacou que esta festividade, que acontece no período de solstício de Inverno, é a que dá maior visibilidade à localidade de São Pedro da Silva.
“Na festa de Santa Luzia, a freguesia e a população local, num trabalho conjunto com o município de Miranda do Douro estamos a trabalhar para preservar e reavivar esta tradição do “Velho e da Galdrapa”. Após a missa e o peditório, a festa culmina com um almoço convívio para toda a comunidade”, disse.
A presidente do município de Miranda do Douro, Helena Barril, também participou na festa de Santa Luzia e acompanhou o peditório protagonizado pelo Velho, a Galdrapa e os Bailadores pelas ruas de São Pedro da Silva.
A autarca informou ainda do propósito do município de Miranda do Douro de inscrever as festas de solstício de inverno, a saber: Festa de Santa Luzia – L Bielho I La Galdrapa, em São Pedro da Silva; Festa de São João Evangelista – Fiesta dos Moços, em Constantim; e Festa do Menino – Fiesta De L Menino, em Vila Chã da Braciosa – no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial.
HA