Entrevista: “O artesanato, para além do lucro, tem como objetivo a dinamização cultural e turística da Terra de Miranda” – Sofia Ortega

Pitica de Dius” é uma marca de artesanato criada em 2012, pela artesã, Sofia Ortega, em Fonte de Aldeia, no concelho de Miranda do Douro, com a finalidade de divulgar a língua mirandesa, através de palavras, ditos e provérbios bordados em t-shirts, bonés, sacolas, jogos didáticos e vários outros artigos.

Terra de Miranda – Notícias: “Pitica de Dius” é uma designação em língua mirandesa que significa “joaninha”. Quando e como decidiu criar esta marca de artesanato?

Sofia Ortega: Eu nasci e cresci em Lisboa. Mas vinha regularmente a esta região, passar as férias de verão, porque os meus pai e a minha mãe eram naturais da Especiosa e de Bemposta, respetivamente. A dada altura fui desafiada por um familiar a mudar-me para o planalto mirandês e na verdade eu já sentia vontade de viver no campo. Até que em 2012, decidi mudar-me mesmo para a Especiosa.

T.M.N.: E veio fazer o quê?

S.O.: Em Lisboa, eu trabalhava como contabilista por conta própria e nas horas vagas fazia peças de artesanato. Ao mudar-me para a Especiosa, continuei a trabalhar à distância como contabilista, pois já tinha uma carteira de clientes e ia uma vez por mês a Lisboa. Há alguns trabalhos como a contabilidade, em que a distância geográfica não é um impedimento e podem ser realizados no interior do país. Atualmente, 50% dos nossos clientes são de Lisboa e os outros 50% são do planalto mirandês.

T.M.N.: E o artesanato?

S.O.: Quando me mudei para o planalto mirandês, uma das primeiras coisas que fiz foi inscrever-me na Feira dos Sabores Mirandeses, em Miranda do Douro, para expor as minhas peças de artesanato, que naquela época eram apenas almofadas térmicas feitas com trigo e alfazema.

T.M.N.: Como é que surgiu o nome e a marca “Pitica de Dius”?

S.O.: Desde sempre gostei muito da “joaninha”, de tal modo que a desenhei nos sacos oferta do artesanato. Depois perguntei à escritora Adelaide Monteiro, como é que se escrevia joaninha em mirandês e ela deu-me a conhecer a designação “Pitica de Dius”. Achei o nome tão bonito que decidi atribui-lo ao nome do projeto de artesanato e registei a marca.

T.M.N.: A originalidade das peças de artesanato “Pitica de Dius” é a constante referência à lingua mirandesa. Onde vai buscar este saber?

S.O.: Na minha mudança para a Terra de Miranda, tive o interesse em aprofundar o conhecimento do mirandês e frequentei um curso ministrado pela Associação de Língua e Cultura Mirandesa (ALCM). Foi no decorrer do curso que comecei a fazer peças de artesanato com palavras, frases e ditos em língua mirandesa.

T.M.N.: Outro aspeto que chama à atenção nas suas peças de artesanato é o humor (em mirandês)?

S.O.: Sim, o humor, as mensagens alegres, positivas e até “picantes” despertam mais a atenção do público.

T.M.N.: Atualmente, que peças de artesanato manufatura?

S.O.: T-Shirts, sacolas, mochilas, bonés, ímanes, porta-chaves, emblemas, jogos didáticos para crianças e outros artigos. São peças que têm uma boa aceitação por parte do público, em particular aquelas pessoas que têm ligação com esta região ou apreciam a língua e cultura da Terra de Miranda.

T.M.N.: Como vende as peças de artesanato?

S.O.: Costumo participar em feiras e eventos na região, como os próximos Gorazes de Mogadouro, agendados para os dias 12 a 16 de outubro. Para além disso, o público também pode fazer encomendas através das páginas “Pitica de Dius” no facebook, instagram e linkedin. E ainda através do site piticadedius.pt.

T.M.N.: O artesanato “Pitica de Dius” tem como propósito contribuir para a preservação e divulgação da língua e cultura mirandesa. Mas, este património está em risco de desaparecer por causa do despovoamento da Terra de Miranda. O negócio do artesanato em mirandês é lucrativo?

S.O.: Por várias vezes, já pensei que poderia ter um negócio mais lucrativo se fizesse outros artigos, com outras referências, para além da língua e cultura mirandesas. No entanto, o meu artesanato, para além do lucro, também tem como objetivo a dinamização cultural, social e turística desta região.

T.M.N.: Outra atividade que desenvolve é a animação turística?

S.O.: Sim, a empresa “Rigueiro da Aldeia” desenvolve atividades culturais, sociais e experiências turísticas para quem visita esta região.

T.M.N.: A Sofia decidiu viver em Fonte de Aldeia, no concelho de Miranda do Douro. Como é viver numa aldeia? Quais são as vantagens?

S.O.: O que me fez mudar de Lisboa para o planalto mirandês é a maior qualidade de vida, o viver serenamente e em segurança. Aqui é possível desfrutar da natureza que nos envolve e apreciar a cultura local. E também é possível ser-se empreendedor! Brevemente, juntamente com o meu marido, Francisco, vamos iniciar a recuperação de uma antiga curralada, aqui em Fonte Aldeia, que é de uma arquitetura belíssima, para aí instalar as novas instalações da Pitica de Dius e organizar atividades culturais aqui em Fonte de Aldeia.

T.M.N.: E quais são as desvantagens de viver numa aldeia?

S.O.: Uma das desvantagens de viver numa aldeia é que por vezes, as pessoas, com boas ou más intenções, metem-se demais na vida alheia. Outra desvantagem é a maior dificuldade em aceder a cuidados de saúde e consultas de especialidade.

T.M.N.: O que diria às pessoas que pensam mudar-se para o planalto mirandês?

S.O.: Em primeiro lugar, aconselharia a conhecerem bem esta realidade do interior do país. É que há uma grande diferença cultural, social, demográfica e até económica entre viver numa cidade do litoral ou numa localidade do interior. Aqui não temos tudo à mão, como nas cidades em que há centros comerciais, o que nos obriga a viajar 80 a 100 quilómetros para comprar o produto A ou B. Mas em contrapartida, temos mais qualidade de vida!

Perfil

Sofia Ortega, nasceu e estudou em Lisboa, onde concluiu a licenciatura em Contabilidade.

Atualmente, com o marido, Francisco, trabalham no escritório Contaldeia – Contabilidade e Serviços, sediado em Fonte de Aldeia, onde também prestam uma valiosa ajuda à população local, maioritariamente envelhecida.

Desde jovem, Sofia Ortega sentiu que a sua vocação eram as artes e com o passar dos anos começou a dedicar-se ao artesanato. Em 2012 criou a marca “Pitica de Dius”.

HA

1 comentário em “Entrevista: “O artesanato, para além do lucro, tem como objetivo a dinamização cultural e turística da Terra de Miranda” – Sofia Ortega”

Deixe um comentário