Entrevista: «A marca “Aldeias de Portugal” é uma distinção que trouxe orgulho e responsabilidade a Algoso» – Cristina Miguel
Desde 1 de outubro de 2023, Algoso passou a integrar a rede “Aldeias de Portugal”, uma distinção que segundo a presidente da União de Freguesias de Algoso, Campo de Víboras e Uva, Cristina Miguel, veio reconhecer a singularidade desta localidade, onde se destaca o património cultural, com o castelo construído nos inícios da nacionalidade (século XII) mas também a preservação de antigas tradições como o Sábado de Aleluia, que se celebra na Páscoa.
Terra de Miranda – Notícias: A 1 de outubro de 2023, Algoso assinou a carta de compromisso de adesão à rede “Aldeias de Portugal”. O principal objetivo desta rede é a promoção do desenvolvimento local. Que recursos existem e quais são as potencialidades de Algoso?
Cristina Miguel: A localidade de Algoso foi escolhida para integrar a marca “Aldeias de Portugal” porque apresenta um património material e imaterial distintivo, onde se destacam o castelo do século XII e o pelourinho do século XVI – dois imóveis de interesse público -, assim como igreja matriz, a fonte santa, as capelas de São João Batista, São Roque, Misericórdia, a antiga Câmara Municipal, as pontes românicas sobre os rios Maçãs e Angueira, entre outros edificados que fazem parte do património local.
T.M:N.: O castelo de Algoso é a principal atração turística da localidade. As visitas decorrem em que horário?
C.M.: As visitas ao centro de acolhimento do castelo e à torre do castelo decorrem de terça-feira (à tarde) a Domingo. As visitas podem ser acompanhadas por uma vigilante, que é contratada anualmente, ora pelo município de Vimioso, ora pela Freguesia de Algoso e pelo Instituto Público do Património Cultural.
T.M.N.: A rede “Aldeias de Portugal” visa apoiar as localidades na definição de estratégias de aproveitamento turístico do património cultural e natural. Concretamente em que consiste esse apoio?
C.M.: Juntamente com a Corane, a Associação do Turismo de Aldeia (ATA) e o Município de Vimioso, a freguesia de Algoso elaborou um plano de desenvolvimento e valorização da aldeia. Este plano envolve a conservação do património cultural edificado e no âmbito do património imaterial, o plano contempla a preservação das festas populares, a valorização do património religioso, os jogos tradicionais e tradições como o Ramo de São João e a segada tradicional.
T.M.N.: Portanto, é definido um plano anual de atividades?
C.M.: Sim, é um plano de atividades anual que começou em janeiro com a celebração da festa do padroeiro de Algoso, São Sebastião. Seguiu-se depois a Festa do Ramo de São João, uma antiga tradição que envolve a população da aldeia na confecção dos roscos, na ornamentação do andor do ramo, na arrematação e na corrida da rosca. No final de março, o Sábado de Aleluia e o Mercado Medieval vai animar a celebração da Páscoa. Em junho, vamos recriar a antiga ceifa ou segada comunitária, na festa de São João. Seguem-se as romarias de verão, o magusto de São Martinho e as oficinas de Natal.
T.M:N.: No que concerne ao património imaterial, Algoso integrou recentemente o projeto “Aldeias sem Fronteiras”. Que outro projeto é este?
C.M.: Este projeto visa quebrar o isolamento dos idosos, recolher os seus saberes e ao mesmo tempo promover o convívio com as crianças e jovens. Este projeto intergeracional visa aproveitar o conhecimento que as pessoas idosas têm de Algoso, como são as histórias, memórias, receitas, tradições, cantigas, danças, jogos tradicionais, lendas, toponímia dos lugares da aldeia, trabalhos comunitários, etc. e transmiti-los aos mais jovens.
T.M:N.: Na natureza, Algoso é circundada pelos vales dos rios Angueira e Maçãs. De que modo estão a promover o turismo ambiental?
C.M.: Em Algoso, uma das atrações ambientais é o percurso pedestre do Trilho do Castelo. Com uma distância de 6,2 quilómetros, esta caminhada tem início no centro da aldeia, passa pela antiga Câmara Municipal e o pelourinho e sobe em direção ao castelo. Depois desce em direção à ponte e a calçada medieval sobre o rio Angueira. De seguida, os caminhantes voltam a subir em direção à aldeia, passando por vinhas e olivais. À chegada a Algoso, está edificada a capela de São João Batista, com a fonte santa, onde os peregrinos do Caminho de Santiago de Compostela costumavam repousar. O percurso pedestre termina junto à igreja matriz.
T.M:N.: Segundo a ATA, o desenvolvimento de uma aldeia deve envolver os atores locais na conceção de estratégias socioeconómicas e na sua implementação. Qual é a recetividade e participação da população de Algoso na preservação e promoção do seu património?
C.M.: Felizmente, a população de Algoso é muito participativa e adere com facilidade aos desafios e atividades propostas. Em determinados períodos do ano, como a Páscoa e as férias de verão, a junta de freguesia conta com a vinda dos muitos emigrantes que vivem e trabalham maioritariamente em Espanha e em França, para recriar antigas tradições como é o caso do Sábado de Aleluia, na Páscoa ou a romaria de Nossa Senhora do Castelo, no mês de agosto.
T.M:N.: O que é o “Sábado de Aleluia”?
C.M.: Em Algoso, a celebração da Páscoa da Ressurreição do Senhor, inicia-se na noite do Sábado Santo, com a tradição da benção da água e aspersão do povo, na igreja matriz. De seguida, o povo ruma em procissão até à capela de Nossa Senhora da Assunção, edificada junto ao castelo. Esta procissão é acompanhada de estandartes e com cânticos de louvor ou das “alvíssaras”. Na chegada ao castelo é lançado fogo de artifício e canta-se o “Aleluia” ao som da gaita-de-foles. No regresso à aldeia, o povo entoa cânticos de aleluia e começam a repicar os sinos da igreja matriz, anunciando a Ressurreição de Jesus.
T.M:N.: Este ano, no fim-de-semana da Páscoa, que acontece nos dias 30 e 31 de março, vai realizar-se também o V Mercado Medieval. Com este evento pretendem valorizar o património histórico da aldeia?
C.M.: Sim, o Mercado Medieval é uma recriação dos usos e costumes da Idade Média, período da construção do castelo de Algoso. Com este evento pretende-se promover a história da localidade e simultaneamente comercializar produtos locais e regionais, como o folar, os dormidos, o fumeiro, o vinho, os licores, o artesanato, entre outros produtos. Nos dias 30 e 31 de março, a animação também vai ser uma constante com teatro de rua, dança, jogos tradicionais, arruadas de gaiteiros, tabernas e concertos medievais.
T.M:N.: Outra riqueza das aldeias são os produtos agrícolas. O que é se produz em Algoso?
C.M.: Em Algoso, produz-se azeite, amêndoas, figos, nozes, uvas, medronhos, fumeiro, caça, roscos, pão, folares, dormidos, bolo centeio, licores, compotas, vinho, cortiça e na gastronomia local destaca-se o “bulho com cascas”.
T.M:N.: Algoso dispõe de uma albergaria que oferece os serviços de restauração e alojamento, o que contribui para a estadia dos turistas. Quem são os turistas que visitam a localidade?
C.M.: No inverno, Algoso recebe a visita de muitos caçadores que vêm do litoral para as zonas de caça desta região. Nestas estadias, os caçadores e as suas famílias visitam os principais locais de interesse da aldeia e também aproveitam para comprar produtos locais como o azeite, a amêndoa e o fumeiro. Ao longo do ano, também se verifica um cada vez maior afluência de turistas estrangeiros, que apreciam muito as paisagens do nordeste transmontano e a tranquilidade desta região.
T.M:N.: Outro objetivo do projeto “Aldeias de Portugal” é dar a conhecer as mais valias de viver no mundo rural, como é o maior contato com a natureza, a alimentação feita com produtos biológicos, o ar puro, o menor custo de vida e assim agir contra o despovoamento. Que oportunidades há em Algoso, para a fixação de novas famílias e em particular dos jovens?
C.M.: Em Algoso, há jovens casais que estão a instalar-se na aldeia. Dou os exemplo de um casal que está a investir no cultivo de árvores de fruto, para depois confeccionar e comercializar compotas. Também na agropecuária, recentemente, regressou à aldeia outro casal de jovens para se dedicarem à criação de bovinos de raça mirandesa. Existe ainda uma cozinha regional que se dedica à criação de suínos bísaros e à produção de fumeiro. E no turismo, destaco a existência da albergaria, com serviços de alojamento e restaurante, o que atrai a vinda e a estadia dos turistas e visitantes.
T.M:N.: A adesão à rede “Aldeias de Portugal” que novo impulso pode dar a Algoso?
C.M.: A marca “Aldeias de Portugal” é uma distinção que enche de orgulho e responsabilidade a população de Algoso. Ao mesmo tempo, este prémio incentiva-nos a continuar a trabalhar na promoção das localidades que compõem a União de Freguesias. Para isso, quero agradecer o contributo de muitos casais de emigrantes, que após a reforma, regressam à terra natal e estão sempre disponíveis e entusiasmados para recuperar as tradições e participar nas atividades ao longo do ano.
Perfil
Cristina Maria de Oliveira Miguel nasceu em França, filha de pais emigrantes, naturais de Algoso. Regressou a Portugal, onde estudou do 2º ao 6º ano, em regime presencial e em tele-escola, na escola de Algoso. Prosseguiu os estudos no Liceu Nacional de Bragança.
Licenciou-se em Administração, no Instituto Superior de Administração e Gestão do Porto. E concluiu uma pós-graduação em Gestão Pública, no Instituto Politécnico de Bragança (IPB).
Em outubro de 2017, assumiu o cargo de presidente da União de Freguesias de Algoso, Campo de Víboras e Uva, que compreende ainda as aldeias de Mora, Vale de Algoso e Vila Chã.
HA