«A cooperação transfronteiriça começa com pequenas atividades, com um torneio desportivo, um sarau cultural ou uma feira comercial» – David Carrión
Para assinalar os 40 anos de adesão conjunta de Espanha e Portugal à União Europeia, o jornal Terra de Miranda – Notícias foi até Alcanices (Espanha), entrevistar o jovem alcaide, David Gallardo Carrión, que seguindo o exemplo do seu avô, Tomás Carrión, decidiu dedicar-se à política para desenvolver esta localidade fronteiriça, célebre pela assinatura do Tratado em 1297.

Terra de Miranda Notícias.: David Gallardo Carrión, nasceu em 2 de novembro de 1985. É licenciado em Administração e Direção de Empresas (UNIR), concluiu uma pós-graduação em Análise Económica do Direito e Políticas Públicas e um mestrado em Ciências Empresariais (USAL). No âmbito do ensino, licenciou-se e concluiu uma pós-graducação como professor do ensino secundário. Quando decidiu dedicar-se à política.?
David Gallardo Carrión: O meu avô, Tomás Carrión, foi alcaide de Alcanices entre os anos 1968 até 1979. E depois entre 1983 e 2013, ano do seu falecimento. Inspirado pelo exemplo do meu avô e porque o acompanhei de perto nos últimos anos, nasceu também em mim esta vontade de dedicar-me à política. Entre 2013 e 2023, apercebi-me de que Alcanices estagnou e decidi candidatar-me a alcaide, obtendo uma grande vitória, com 75% dos votos.
T.M.N.: A 17 de julho de 2023 foi eleito alcaide do Ajuntamento de Alcanices. Quais são as tarefas e responsabilidades de um alcaide?
D. G. C.: Em primeiro lugar, é importante dizer que um alcaide de uma pequena união de freguesias como é a de Alcanices, não é remunerado. Sobre as responsabilidades e tarefas de um alcaide é a gestão do dia-a-dia da união de freguesias, ter as contas organizadas, gerir bem o orçamento e não ter dívidas. Outra responsabilidade é estar atento e responder às necessidades dos mais mil habitantes da união de freguesias, que é constituída pela vila de Alcanices e pelas aldeias de Alcorcilho, Vivinera e Santa Ana.
T.M.N.: Quais são as mais valias e os desafios de Alcanices? Quais são as principais atividades económicas desta localidade fronteiriça?
D. G. C.: Alcanices é uma vila que dispõe de todos os serviços públicos na educação, na saúde e na administração pública. No ensino, por exemplo, uma criança pode estudar em Alcanices desde a creche até ao final do secundário, ou seja, até ao ingresso na universidade. As atividades económicas mais desenvolvidas em Alcanices são desde logo o comércio e os serviços, dado que é uma localidade fronteiriça. A agricultura e a pecuária continuam a ter importância, no entanto há cada vez menos pessoas a dedicarem-se à agropecuária. O atual executivo da união de freguesias pretende desenvolver a zona industrial e desde que iniciámos o trabalho já foram vendidas oito parcelas das 18 disponíveis. Aí, também queremos instalar um centro de inspeção técnica de veículos.
T.M.N.: Porquê a dificuldade em atrair os jovens para a agricultura e a pecuária?
D. G. C.: Em Alcanices, ainda há dois ou três jovens que se dedicam à agropecuária, graças à tradição familiar. Estou convencido de que só quem nasce num ambiente agrícola e de criação de gado, é capaz de dedicar-se a estas atividades, porque é um trabalho duro e escravo, isto é, ocupa-te 365 dias por ano. Para além disso, são atividades económicas que dependem das condições meteorológicas, o que faz com que haja anos difíceis e outros mais rentáveis. Outra razão para a dificuldade em incentivar os jovens a dedicarem-se à agropecuária é o elevado custo do investimento para montar uma exploração, com os terenos, maquinaria e outras despesas.

T.M.N.: Simultaneamente, David Carrión é também presidente do grupo de Ação Local “Associación para el Desarrollo de Aliste, Tábara y Alba” (Adata). Que associação é esta? E qual é a sua missão?
D. G. C.: A associação Adata tem por missão apoiar pequenos empresários a candidatarem-se a fundos europeus para desenvolverem os seus negócios. Atualmente, para as regiões de Alista, Tábara e Alba estão destinados dois milhões e oitocentos mil euros, que já estão atribuídos, alguns dos quais a 60%.
T.M.N.: A provincia de Zamora e o distrito de Bragança têm muito em comum, como expressões linguísticas, culturais, etnográficas e também sofrem dos mesmos problemas como o despovoamento. O que está a fazer o Ajuntamento de Alcanices para repovoar as localidades?
D. G. C.: Em 2025, a vila de Alcanices foi a localidade da província de Zamora que mais aumentou a população, com a chegada de 58 novos habitantes, a maioria imigrantes vindos de países da América do Sul, como a Colômbia e a Venezuela. Estes novos habitantes trabalham na restauração, nos lares de idosos e na assistência ao domicílio. Na minha perspectiva, este afluxo de gente também é um indicador de que Alcanices está a desenvolver-se económica e socialmente.

T.M.N.: À semelhança do que acontece no município de Vimioso também apoiam a natalidade?
D. G. C.: Sim, para apoiar a natalidade atribuímos 200 euros por criança nascida em Alcanices. É uma pequena ajuda que serve de complemento aos apoios dos governos regional e provincial. Mas mais importante do que o dinheiro, o Ajuntamento de Alcanices pretende oferecer às famílias todos os serviços essenciais para a sua qualidade de vida, no ensino, na educação e na administração pública. Alcañices, graças a Deus, é uma vila com vida, com, movimento e com oportunidades de trabalho. Atualmente, há falta de trabalhadores para a limpeza da floresta e na construção civil. Outro problema que temos é a falta de habitação.
T.M.N.: Que importância têm as associações locais?
D.G. C.: Em Alcanices há várias associações que dinamizam a vida desportiva, recreativa e cultural. Indico, por exemplo, a Associação Cultural de Amigos de Alcanices ou a Associação de Gigantilhas que organizam atividades na localidade ou representam a localidade fora de portas.
T.M.N.: No passado dia 29 de mayo, Alcanices acolheu o fórum “Praças da Europa”, para celebrar os 40 anos da assinatura de adesão de Espanha e Portugal à Unión Europea. Entre os dois países já não há fronteiras físicas e as relações estão mais próximas entre espanhóis e portugueses. O que falta fazer para incrementar as relaçóes transfronteiriças? Entre Alcanices e Vimioso, por exemplo?
D. G. C.: Entre as localidades fronteiriças como com Avelanoso e São Martinho de Angueira sempre houve boas relações e a prova é a grande quantidade de casamentos entre espanhóis e portugueses. Inclusive a minha mãe é portuguesa, sendo natural de Algoso, no concelho de Vimioso. Para desenvolver as relações transfronteiriças creio que o caminho começa por realizar pequenas iniciativas em conjunto, como um torneio desportivo, um sarau cultural ou uma feira comercial.
T.M.N.: Seria possível realizar uma feira anual conjunta, entre Alcanices e Vimioso, para dar a conhecer a gastronomia, os produtos locais, as tradições e a música?
D: G. C.: No passado recente, através da associação Adata já organizámos uma feira denominada “Contrabando”, destacando os produtos que antigamente se transacionavam entre Espanha e Portugal. Atualmente, concordo que a gastronomia e os produtos locais são duas das principais atrações turísticas, quer do lado espanhol, quer do lado português. Portanto, é uma ideia que merece uma reflexão conjunta entre as localidades de Espanha e Portugal.

T.M.N.: E que cooperação se poderia realizar no âmbito da cultura?
D: G. C.: Dou o exemplo de que todos os anos, na Festa de Nossa Senhora da Assunção, em Alcanices, tem como convidados os pauliteiros de São Martinho de Angueira. No mesmo sentido, a Escola de Música Etnográfica Manteos e Monteras também têm tido uma grande aceitação em Portugal.
T.M.N.: A vila de Alcanices ficou conhecida pela assinatura do tratado de Alcanices, em 1297, entre o rei de Castela, Fernando IV e o rei de Portugal, Dom Dinis. Este legado histórico tem sido bem aproveitado para promover o turismo local?
D: G. C.: Não, a importância histórica de Alcanices não estava a ser bem aproveitada. Por essa razão, já está em marcha um projeto para instalar no posto de turismo, um centro interpretativo do Tratado de Alcanices. Outra iniciativa que estamos a preparar são os 730 anos da assinatura do Tratado de Alcanices, que se celebram em 2027. Para tal e em colaboração, com a Fundação Rei Afonso Henriques, estamos a planear uma série de atividades que vão desde estudos universitários, em Espanha e Portugal, sobre o Tratado de Alcanices. E à semelhança do que aconteceu em 1997, pretendemos voltar a convidar o Rei de Espanha e o Presidente de República de Portugal para a cerimónia comemorativa. Todas estas iniciativas visam aproveitar esta enorme riqueza histórica e cultural de Alcanices.

T.M.N.: O que há mais para visitar em Alcanices?
D: G. C.: Ainda no âmbito cultural, os locais de maior interesse em Alcanices, são o claustro do Concento de São Francisco e a antiga muralha, onde está situada a torre do Relógio, considerada o símbolo de Alcanices. No verão, sobretudo no mês de agosto, há muitas atividades culturais e concertos, para todas as idades. Antes, nos dias 1, 2 e 3 de julho celebram-se as festas de Nossa Senhora da Saúde.
T.M.N.: Já está em construção a futura auto-estrada A11 – Duero, que vai ligar Portugal à cidade de Zamora. Atualmente, a vila de Alcanices é um ponto de passagem com muito trânsito, sobretudo de camiões. A auto-estrada é um bom ou mau investimento para Alcanices?
D: G. C.: Do ponto de vista da segurança, a auto-estrada é uma necessidade, dado que a atual estrada nacional 122, que liga a fronteira de Quintanilha até Zamora, é um perigo pela grande quantidade de acidentes rodoviários aí ocorridos e de mortes. Outro problema é a passagem contínua de camiões pelo centro de Alcañices, o que causa ruído e poluição. Desde a abetura do túnel do Marão, em 2016, a quantidade de camiões que passam por Alcanices aumentou exponencialmente. Outra vantagem da autoestrada é a facilidade e rapidez em chegar a Alcaníces, vindos de outras localidades para deesfrutar da natureza, da gastronomia e da qualidade de vida do meio rural.
T.M.N.: Mas a auto-estrada também poderá afastar gente de Alcanices?
D: G. C.: Sim, da perspectiva económica, a autoestrada provavelmente vai afastar automobilistas de Alcanices e portanto causará um decréscimo nos negócios. Ainda assim, sublinho que Alcanices é uma localidade fronteiriça que vive muito do comércio local, sobretudo com Portugal. Em suma, a autoestrada traz prós e contras e portanto teremos que trabalhar para encontrar respostas para minimizar as contrariedades. Ainda assim, prevê-se que a construção da auto estrada A11 – Duero demore 10 anos, ou seja, só em 2035 estará concluída.
HA