Mogadouro: Ritual do Velho de Vale de Porco resiste ao despovoamento
Em algumas aldeias do concelho de Mogadouro, os rituais profanos do solstício de inverno continuam a resistir ao despovoamento, tornando-se mesmo num cartaz turístico nos tempos de natal e ano novo.
A aldeia de Vale de Porco continua a apostar na tradição do Velho, como figura singular, que resiste à erosão dos tempos, tendo sido mesmo criada uma associação para a sua salvaguarda e divulgação.
Ana Maria Martins, uma das mentoras deste projeto de salvaguarda do Velho de Vale de Porco, disse que este ritual do Velho se estava a perder, sendo o objetivo desta coletividade revitalizar a tradição e todo o ritual.
“É necessário transmitir estas tradições aos mais jovens, porque achamos que ainda não é sentida como fazem os mais velhos da aldeia. A continuidade da tradição é um dos objetivos”, disse.
Em Vale de Porco, concelho de Mogadouro, a figura do Velho protagoniza todos os rituais da festa do Natal, associadas ao Solstício de Inverno, muito enraizadas na cultura e etnografia da região do Planalto Mirandês.
Segundo alguns investigadores transmontanos, o mascarado de Vale de Porco é denominado de Velho/Belho Chocalheiro ou até mesmo de Diabo.
Um dos segredos mais bem guardados deste ritual é o nome de quem veste o traje do Velho e, pelo que disse à Lusa, prefere o anonimato, mas conta a história.
“Há um princípio em que o Velho não deve ser identificado, e sua identidade tem de ser secreta, e só conhecida pelos mordomos da festa. A máscara deve ser retirada sem público para a pessoa não ser reconhecida”, disse o protagonista da festa.
Segundo o personagem, esta identidade secreta poderá estar ligada “a certas patifarias” que o Velho faz ao longo do seu ritual.
“Mesmo aqueles que conheciam a identidade das pessoas que vestem o traje do Velhos não a podem divulgar. Era um segredo que se mantinha entre toda a rapaziada do grupo”, vincou.
Só os chamados “mancebos”, rapazes entre os 13 e os 17 ou 18 anos, é que podiam vestir o traje. “Era um ritual de passagem para a fase adulta”, disse.
Moisés Falcão recorda o ano de 1947 quando vestiu a fato de serapilheira e colocou a máscara do Velho, “eram tempos diferentes, mas era uma festa em que a rapaziada participava, porque havia muita”.
“Era uma honra representar o Velho, mas era preciso pagar em vinho e outros géneros”,vincou.
Esta figura sai sempre acompanhada pelos mordomos e realiza assim o ritual do peditório.
O velho percorre a aldeia, metendo-se com a garotada que, por sua vez, o vai provocando e atingindo-o de várias formas.
No ano novo, o “Velho” volta a sair à rua. Este momento festivo liga-se à mitologia da expulsão do ano velho e preparação do novo ano.
Antigamente também saía à rua no dia de consoada, para pedir e recolher cepos para a Fogueira do Galo da praça central desta aldeia.
Os rituais são celebrados ainda hoje em várias localidades transmontanas com alguns misticismo. Inserem-se num conjunto de rituais do solstício de inverno que se estendem até ao carnaval.
Fonte: Lusa