Entrevista: «A raça churra galega mirandesa continua em vias de extinção» – Engenheira Andrea Cortinhas

A criação de ovinos no planalto mirandês é uma atividade que tem contribuído para a fixação da população nas zonas rurais. Nestas aldeias, merece uma especial atenção a raça Churra Galega Mirandesa. São uns ovinos de pequeno porte, com lã abundante e que providenciam uma carne de qualidade. Mas, tal como todas as raças autóctones corre o risco de extinção, informou a engenheira Andrea Cortinhas, administradora da Cooperativa de Ovinos Mirandeses, CRL.

A engenheira Andrea Cortinhas é a administradora da Churracoop – Cooperativa de Ovinos Mirandeses, CRL

Terra de Miranda – Notícias: Porque se chama a esta raça de ovinos Churra Galega e Mirandesa?

Andrea Cortinhas: O nome “churra” deriva da lã grosseira, comprida e lisa que “veste” estas ovelhas. A designação “galega” remete para os nossos vizinhos espanhóis e diz respeito ao tronco comum dos animais. E a raça diz-se “mirandesa” porque é mesmo originária daqui, do planalto mirandês.

T.M.N.: O que a distingue a raça Churra Galega Mirandesa das outras raças de ovinos?

A.C.: Os ovinos da raça churra galega mirandesa são de pequeno porte, comparativamente com as outras raças. A sua pequena estatura é a principal razão pela qual a raça tem sofrido uma diminuição significativa. Os criadores de ovinos optam por raças de maior porte, que lhes garantam uma produção e um rendimento mais rápido. Por exemplo, os cordeiros da raça churra galega mirandesa quando nascem, têm um peso reduzido, pelo que demoram mais tempo a atingir o escalão que se pretende para a sua venda.

A raça Churra Galega Mirandesa em concorrência com as raças mais competitivas apresenta-se menos produtiva e daí que a sua exploração continue a sofrer uma diminuição significativa.

T.M.N.: Para além da estatura, a lã é outra marca distintiva desta raça de ovinos?

A.C.: Sim, são animais rústicos e com lã abundante, o que lhes permite enfrentar melhor o frio rigoroso do inverno, tão caraterístico do planalto mirandês. É o tal velho ditado que carateriza o clima desta região: “nove meses de inverno e três de inferno”.

T.M.N.: A criação destes ovinos é uma atividade rentável?

A.C.: Sim, é uma atividade rentável se considerarmos a qualidade da carne que produzem. Mas atenção, a qualidade exige tempo. Como disse anteriormente, os ovinos da raça churra galega mirandesa demoram mais tempo a desenvolverem-se. Enquanto, as outras raças são mais direcionadas para a produção de carne em regime intensivo. A nossa raça de ovinos desenvolve-se num regime extensivo. Ou seja, a criação destes ovinos faz-se através do pastoreio em áreas extensas, no exterior.

“A criação de ovinos no Planalto Mirandês é uma atividade viável em termos económicos, que em muito tem contribuído para a manutenção das populações rurais. As explorações têm como principal fonte de rendimento a atividade pecuária e os ovinos contribuem em grande parte como a principal fonte de rendimento com o produto de venda anual, com o resultado do fornecimento de lã e de carne.”

T.M.N.: Do que se alimenta o cordeiro mirandês?

A.C.: No planalto mirandês, os rebanhos alimentam-se essencialmente das pastagens espontâneas, dos restolhos ou restos de cereais que ficaram nos campos e da flora arbustiva existente.

T.M.N.: Estamos a aproximar-nos da Páscoa, a época do ano em que tradicionalmente se come o cordeiro. Qual é a mais-valia do cordeiro Mirandês ou canhono mirandês, que é considerado um produto de Denominação de Origem Protegida (DOP)?

A.C.: A carne do cordeiro mirandês distingue-se pelo sabor e pela qualidade. Volto a sublinhar que enquanto um cordeiro de outra raça, em 15 dias está pronto para abate, um cordeiro da raça churra galega mirandesa demora cerca de 1,5 mês a dois meses a desenvolver-se. Este maior período de tempo permite que o cordeiro mirandês, alimentando-se da flora típica desta região, adquira um certo tipo de gordura, uma maior formação muscular e por isso, a carne do cordeiro mirandês é extremamente tenra, suculenta e muito pouco aromatizada.

“As feiras de gado mais importantes que se realizavam na Antiguidade no Planalto eram as feiras mensais do Naso a 8 de Setembro e a feira dos Gorazes em Outubro em Mogadouro. A localização geográfica do Planalto Mirandês foi sempre influenciada, durante a sua história, pelas trocas comerciais transfronteiriças.”

T.M.N.: No processo de comercialização do cordeiro mirandês, qual é a missão da Churracoop, a Cooperativa dos Ovinos Mirandeses, CRL?

A.C.: A nossa missão é precisamente valorizar o cordeiro mirandês. Queremos que o nosso produto seja reconhecido pela sua qualidade. E a atribuição da Denominação de Origem Protegida (DOP) é para nós motivo de grande satisfação.

T.M.N.: A pandemia está a prejudicar a vossa atividade?

A.C.: A pandemia começou há precisamente um ano, em plena véspera da Páscoa. Nessa altura, como também agora, fecharam o setor da restauração e nós deixámos de receber encomendas. Esta situação, completamente inesperada, obrigou-nos a uma adaptação. Iniciámos então uma campanha de promoção do cordeiro mirandês através do facebook. E a verdade é que conseguimos vender os nossos cordeiros e também fidelizamos clientes. Este ano, dado que os restaurantes voltam a estar fechados, continuamos a vender o cordeiro mirandês sobretudo através do online.

“O nome da raça corresponde à sua região originária, o Planalto Mirandês, que engloba os concelhos de Miranda do Douro, Mogadouro e Vimioso.” 

T.M.N.: Para além do fornecimento de carne, as ovelhas também contribuem para a limpeza dos campos e a prevenção dos incêndios.

A.C.: Sim, tal como as cabras, as ovelhas são “sapadoras florestais”, pois ao comerem muitos das ervas e arbustos do solo, estão a realizar uma importante tarefa na limpeza dos campos e assim a prevenir incêndios.

T.M.N.: E para além da limpeza dos campos, as ovelhas também contribuem para a fertilização das terras.

A.C.: Sim, os seus excrementos são utilizados para adubar as terras de cultivo. Na aldeia do Palancar, por exemplo, há um senhor, associado da Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa, que continua a utilizar o chamado “chiqueiro” ou cercado. São as tais caniças ou cancelas onde se guardam as ovelhas durante a noite. Ele vai mudando o “chiqueiro” de lugar e assim vai estrumando as suas propriedades. Quando tudo está estrumado, retira de lá as ovelhas e lavra o campo. E assim a terra está pronta para fazer a sementeira. Este método tradicional é valiosíssimo e dispensa a utilização de adubos. E o mais interessante é que as ovelhas sempre tiveram esta função de adubar os solos mais pobres, para a posterior sementeira dos cereais, para o cultivo das hortas, etc.

“O despovoamento das aldeias, acompanhado do envelhecimento da população residente é uma das grandes preocupações.”

T.M.N.: A raça Churra Galega Mirandesa esteve quase em extinção?

A.C.: Sim, a Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa foi criada precisamente para proteger a raça. Inicialmente, coube aos serviços da Direção Regional de Agricultura avançar com o livro genealógico, com a definição do padrão da raça e com os estatutos. E só posteriormente foi criada a associação, em 1996, com sede no Posto Zootécnico, em Malhadas.

T.M.N.: Anualmente, a Associação de Criadores de Ovinos Mirandeses (ACOM) realiza um concurso nacional onde são exibidos e premiados os melhores ovinos. Como se faz esta avaliação?

A.C.: Com um grande conhecimento da raça Churra Galega Mirandesa. Nesse concurso nacional, o júri avalia morfologicamente os animais, consoante a abundância de lã, consoante o careto ou as marcas (pintas) na cabeça, consoante a robustez e beleza do animal. Dado que é sobretudo uma avaliação visual e sendo um concurso, é importante que os criadores tenham um particular cuidado na limpeza e apresentação dos animais.

“O registo rootécnico da raça foi criado em 1994 e a Associação Nacional de Criadores da raça foi fundada em 1996, com sede no Posto Zootécnico de Malhadas, em Miranda do Douro.”

T.M.N.: Atualmente, quantos ovinos de raça churra galega mirandesa existem?

A.C.: Os ovinos de raça churra galega mirandesa ainda correm o risco de extinção. Neste momento, no livro genealógico da raça, estão registados 6762 animais.

T.M.N.: Se eu quiser ser criador de ovinos, o que preciso saber? E fazer?

A.C.: O essencial é ter paixão pelos animais. Depois, há que que ter consciência que é uma atividade que exige uma atenção diária, todos os dias do ano. E no inverno, a atividade é mais difícil pois há que pastorear as ovelhas, ao frio e à chuva. Quem estiver interessado em ser criador de ovinos desta raça, aconselho a contatar a Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa, em Malhadas. Aí, prestamos todas as informações necessárias, tais como onde adquirir animais da raça, como solicitar o pedido de marca de exploração aos serviços de veterinária, etc. Depois de obter a sua marca de exploração já pode iniciar a atividade de pecuária.

“Segundo Andrea Cortinhas existem 6762 ovinos da raça churra galega mirandesa registados, entre a variedade branca e a variedade preta.”

Perfil:

Andrea Cortinhas, nasceu em Miranda do Douro. Licenciou-se em engenharia Zootécnica, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Trabalha na Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa, desde 2015. É também a atual administradora da Churracoop – Cooperativa dos Ovinos Mirandeses, C.R.L.

HA

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