Entrevista: «Agora estamos mais bem preparados para as aulas à distância» – António Santos
Com o agravamento da pandemia, os 600 alunos do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD) vão ter aulas através das tecnologias digitais, até que a situação epidemiológica desagrave e permita o regresso dos alunos à escola, informou o diretor do agrupamento.
Perfil:
O professor António Santos é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Inglês e Francês. Com um mestrado em Administração Escolar é também diretor do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD). Já lá vão 20 anos desde que assumiu essa responsabilidade. Diz que sente saudades de ser professor, de ensinar e de estar com os alunos, na sala de aula.
Terra de Miranda – Notícias: Ao longo da sua carreira no ensino, a escola mudou muito?
António Santos: Sim, a escola mudou muito. Se é verdade que a missão é a mesma de sempre, há muitos outros aspetos que mudaram e que melhoraram. Por exemplo, a escola que temos hoje, tem muito mais qualidade em termos de conforto para que alunos e professores possam desenvolver o seu trabalho. Introduzimos as novas tecnologias, o que há 20 anos praticamente não existia. E temos conseguido fazer com que a escola acompanhe os tempos da modernidade.
T.M.N.: Hoje, os alunos também são diferentes?
A.S.: Sim, os alunos também estão diferentes. E ao contrário do que, por vezes, o povo diz ou reclama dos jovens, como o “não têm maneiras”, eu vejo-os muito mais ordeiros e bem-comportados. E estou convencido de que isso se deve também ao trabalho que realizamos na escola. Por exemplo, hoje, um dos pontos fundamentais do nosso trabalho é transmitir aos alunos os valores da cidadania, da convivência democrática e do humanismo. Por isso, penso que a juventude de hoje sabe estar e sabe intervir. E isso deixa-me muito satisfeito.
T.M.N.: Pelo facto do decréscimo da população e consequentemente por haver menos alunos na escola, isso contribui para que haja mais ordem e um melhor ambiente para a aprendizagem?
A.S.: Claro que quando há muita gente a partilhar o mesmo espaço é natural que surjam mais atritos e um pouco mais de confusão. No entanto, o despovoamento das nossas aldeias, onde há pouca gente e quase não há crianças é motivo de muita preocupação. Este abandono do interior entristece-me e é uma das nossas maiores preocupações.
T.M.N.: Que papel é que a escola pode desempenhar junto dos alunos para agir contra o despovoamento?
A.S.: A tendência dos jovens que após a conclusão do ensino secundário ingressam nas universidades, indica que são muito poucos os que regressam ao concelho de Miranda do Douro, após a conclusão dos estudos. A maioria dos jovens vão para onde há emprego e mais oportunidades de trabalho. E isso, infelizmente, continua a concentrar-se, sobretudo, nas grandes cidades do litoral. Localmente, desde há vários anos que estamos a investir na formação profissional, sobretudo nas áreas do turismo e do comércio, dado que Miranda do Douro vive essencialmente destas duas atividades económicas. Alguns dos nossos alunos têm conseguido trabalho nas empresas da região. Os cursos têm também um componente forte de empreendedorismo, em que os alunos desenvolvem projetos pessoais para a sua fixação neste território.
“Os cursos têm também um componente forte de empreendedorismo, em que os alunos desenvolvem projetos pessoais para a sua fixação neste território.”
T.M.N.: Quanto alunos estudam no concelho de Miranda do Douro?
A.S.: No Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD) estudam 600 alunos. Este agrupamento é constituído por sete escolas: a Escola Básica e Secundária de Miranda do Douro, a Escola Básica de Miranda do Douro do 1º Ciclo e o Pré-escolar de Miranda do Douro. Em Palaçoulo, existe a Escola Básica de 1º ciclo e o Pré-escolar. E em Sendim, há a Escola Básica 1/2/3 e o Pré-escolar. Isso significa que todas as crianças e jovens do concelho de Miranda do Douro, que é bastante extenso, estudam nestas sete escolas. Dada a extensão do concelho, muitos alunos vêem-se obrigados a passar uma hora de viagem de manhã nos transportes escolares e outra ao final do dia, o que limita o seu tempo de estudo e de descanso. Para minimizar este problema, só começamos as aulas às 9h00, para permitir que estes alunos façam a viagem sem terem que se levantar ainda mais cedo. E terminamos às 17h00, também para permitir que cheguem a casa ainda de dia.
T.M.N.: Tal como em março do ano passado, a pandemia obrigou a fechar novamente as escolas. As aulas vão decorrer à distância, através dos computadores e da televisão. A poucos dias do reinício das aulas à distância, como estão os preparativos para este desafio? Estão, agora, mais bem preparados do que no ano passado?
A. S.: Sim, estamos mais bem preparados. Os professores já sabem utilizar as plataformas informáticas e receberam formação. Por outro lado, também os pais já passaram por esta experiência do ensino em casa para os seus filhos. Há a dizer, no entanto, que não obstante a escola estar fechada, os alunos que são filhos de profissionais de atividades de risco (ou seja, os que estão na linha da frente no combate a esta pandemia) e os filhos de profissões essenciais que não estão sujeitos ao confinamento obrigatório, a escola, tem a obrigação de cuidar destas crianças e jovens. Significa isto, que os pais que não tenham outra forma de cuidar dos seus filhos, podem confiá-los às escolas de Miranda do Douro ou de Sendim. Também as crianças e jovens indicados pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ), que não têm as condições necessárias em casa para desenvolverem a sua aprendizagem, também vêm para a escola. Finalmente, a escola vai continuar a assegurar as refeições a todos os alunos carenciados que o peçam.
T.M.N.: Todos os alunos têm computador e acesso à internet?
A. S.: Ainda há muitos alunos sem computadores e sem acesso à internet. É um problema que estamos a tentar resolver, em colaboração com o município de Miranda do Douro. Em março passado, o município já havia contribuído facultando várias ligações à internet para os alunos. Em relação aos equipamentos informáticos, vamos tentar que haja, pelo menos, um computador em cada agregado familiar com ligação à internet.
“Ainda há muitos alunos sem computadores e sem acesso à internet. É um problema que estamos a tentar resolver, em colaboração com o município de Miranda do Douro.”
T.M.N.: Como vai acontecer o ensino à distância?
A. S.: Em relação às aulas à distância temos diferentes níveis de intervenção. No ensino secundário, por exemplo, já está garantido que todos os alunos têm o equipamento com o acesso à internet e as aulas vão decorrer de forma síncrona, isto é, em direto, como se estivessem na escola, com um horário bem definido e com aulas mais curtas para evitar o cansaço. Relativamente, ao terceiro ciclo, também temos a garantia de que os alunos vão ter aulas síncronas, pois já são jovens com autonomia para estar e aprender desta forma. No segundo ciclo, as aulas vão ser mistas, síncronas e também assíncronas. E no primeiro ciclo, dado que as crianças têm muito pouca autonomia para estarem sozinhos em frente a um computador, a sua aprendizagem será sobretudo realizada através dos manuais escolares, na realização de tarefas atribuídas pelos professores, que vão ter que utilizar mais o telefone ou outro tipo de estratégia de comunicação com os alunos. Desta vez, vamos voltar a contar com a colaboração da Escola Segura, que, periodicamente, vai distribuir material de estudo, em papel, aos alunos que, em suas casas, não têm as condições técnicas para o ensino à distância. Numa semana entregam esse material, na semana seguinte recolhem e os professores corrigem.
T.M.N.: A equidade de condições para a aprendizagem preocupa-o?
A. S.: Sim, uma das minhas preocupações é a igualdade de condições no processo da aprendizagem. Quando um professor comunica que numa aula síncrona, apenas um ou dois alunos não participaram, é uma situação que não posso aceitar. As aulas síncronas são para todos os alunos. Ninguém pode ficar de fora. E só podemos ensinar utilizando as tecnologias mais avançadas, quando todos podem fazê-lo. Temos que ter muito cuidado em garantir um ensino que seja justo e igual para todos.
T.M.N.: A quem se destinam as aulas que são transmitidas através da RTP Memória?
A. S.: A chamada telescola é um bom complemento, com aulas para todos os níveis de ensino. Nós, os professores temos acesso à grelha de programação da RTP Memória, e sempre que alguma das aulas televisivas coincidir com os interesses ou propósitos de ensino de cada professor, eles podem aconselhar os seus alunos a assistirem a essas aulas. Por exemplo, um professor pode recomendar os seus alunos a assistir à aula de português, às 10 horas, na RTP Memória, porque é muito interessante e vai expor os conteúdos que irão trabalhar. Mas repito, telescola é apenas um complemento.
T.M.N.: A partir de segunda-feira, como é que vai ser o dia-a-dia, de um aluno, por exemplo, do 8º ano? Ele vai ter um horário?
A.S.: A escola vai enviar aos pais a informação sobre o nosso procedimento. O que se pretende é que os alunos cumpram o seu horário que tinham na escola. Se às 9h00 tinham português no ensino presencial, vão continuar a ter português no ensino à distância. Em cada aula, o professor liga a câmara e o microfone (através do zoom ou do google classroom) estabelece a relação com os alunos e inicia a aula. A única diferença é que se a aula de português no ensino presencial durava 90 minutos, a aula online vai durar apenas 45 minutos. Porquê? Porque está comprovado que se as aulas se prolongarem por mais tempo torna-se cansativo e os alunos perdem o interesse. Os outros 45 minutos serão dedicados ao trabalho autónomo, durante o qual aos alunos podem estudar, desenvolver e aprofundar, sozinhos, os conteúdos recebidos. Depois segue-se o intervalo. De seguida vão ter outra disciplina, por exemplo, físico-química… Claro que estas aulas síncronas, em tempo real, são sobretudo destinadas aos alunos que já têm mais autonomia, como são os do 3º ciclo e do secundário.
“Está comprovado que se as aulas se prolongarem por mais tempo torna-se cansativo e os alunos perdem o interesse. Os outros 45 minutos serão dedicados ao trabalho autónomo, durante o qual aos alunos podem estudar, desenvolver e aprofundar, sozinhos, os conteúdos recebidos.”
T.M.N.: E como vão decorrer as aulas dos alunos do 1ª e 2ª ciclos?
A.S.: Os alunos mais novos, nomeadamente os do 1º ciclo, sendo que a maioria não tem as condições técnicas para as aulas síncronas, nem tão pouco autonomia para participarem nas aulas à distância, os professores optam por comunicar com eles no início da semana, à segunda-feira, para transmitir-lhes uma série de orientação e atribuir-lhes tarefas para nos próximos dias. No decorrer da semana, os professores contatam os alunos sempre que for necessário. E na sexta-feira, os professores voltam a contatar todos os alunos, para fazer correção e a avaliação da semana, para dar o feedback aos alunos do trabalho que realizaram.
T.M.N.: Há quem diga que nesta modalidade de ensino à distância, as crianças e os jovens tornam-se mais preguiçosos, mais apáticos, sem entusiasmo? São horas infindáveis nas redes sociais, nos jogos, o que os priva da dinâmica e do interesse pelo aprender. Concorda?
A.S.: Sim, há esse risco. Eu compreendo que a tentação de estar em casa e poder fazer o que lhe apetece, ver os jogos ou outro tipo de canais e não estar com a câmara ligada para o professor, é uma preocupação que existe. Mas temos que trabalhar para evitar o desinteresse dos alunos. Recordo que no primeiro confinamento, em março do ano passado, para nossa surpresa, houve alguns alunos que se dedicaram e trabalharam mais, em casa, do que na escola. Estes alunos que tiveram uma atitude mais responsável, aperceberam-se da gravidade do problema que estamos a viver a nível mundial, e aceitaram bem a obrigatoriedade de ter que estudar em casa.
T.M.N.: A privação da proximidade, do encontro e do convívio entre os alunos é uma grande provação para eles?
A.S.: É, sem dúvida. Os miúdos gostam de brincar! Recordo que no primeiro período, mesmo aconselhando regras estritas no comportamento dentro da escola, os miúdos adoram brincar, adoram correr atrás de uma bola, adoram agarrar-se, empurrar, etc., e isso faz parte da natureza humana. E infelizmente, a pandemia limitou-nos essa componente do contato físico. Por outro lado, hoje, com as novas tecnologias (telemóveis, whatsapp, zoom, Skype, etc.), eles facilmente comunicam uns com os outros. E a própria aula síncrona que o professor proporciona, também é um momento de encontro entre eles, pois vêem-se uns aos outros no ecrã, o que acaba por ser também um momento de convívio e não só de trabalho.
T.M.N.: O que dizem os pais sobre esta experiência das aulas em casa? Como estão a preparar as suas casas para que os filhos possam aprender à distância? Os pais acompanham as aulas dos filhos, para que estes não se distraiam?
A.S.: Esta é outras das grandes diferenças. Há pais que podem acompanhar os filhos, porque estão em casa a tempo inteiro ou porque estão em teletrabalho. Mas, infelizmente há outros pais que não podem acompanhar os filhos, ou porque têm que ir trabalhar, ou porque não sabem utilizar as novas tecnologias. E isto é outro fator de diferenciação que nos preocupa. Mas, de um modo geral todos os pais se esforçam por acompanhar os seus educandos.
T.M.N.: E do lado dos professores, como é lecionar à distância?
A.S.: Ensinar à distância é muito trabalhoso e aos professores é exigida uma grande preparação prévia dos materiais. E a verdade é que há professores que até gostam desta modalidade de ensino à distância e conseguem contruir boas relações com os alunos. Para tal, também foi muito importante o ensino presencial no primeiro período, durante o qual se estabeleceu um conhecimento e uma relação pedagógica entre os alunos e os professores. Isso permitiu-nos regressar as aulas à distância com maior à vontade, pois já há um conhecimento entre todos. Se o ensino à distância se fizesse sem esse conhecimento prévio entre professores e alunos seria mais difícil e custoso para todos.
T.M.N.: Até quando prevê que seja necessário manter as aulas à distância?
A.S.: Nós gostávamos que os alunos permanecessem em casa o menos tempo possível e regressassem rapidamente à escola. O ensino é presencial e todos os professores o defendem. Mas estamos a atravessar um momento em que temos mesmo que confinar, ficar em casa, e esperar que esta pandemia acabe. A minha convicção pessoal é a de que, antes de março, não será possível regressar à escola, a não ser que haja uma regressão muito acentuada dos níveis de contágio e de óbitos. Vamos aguardar pelo evoluir da situação epidemiológica.
“A minha convicção pessoal é a de que, antes de março, não será possível regressar à escola, a não ser que haja uma regressão muito acentuada dos níveis de contágio e de óbitos.”
T.M.N.: E porque estamos na Terra de Miranda, pergunto se também há aulas de mirandês à distância?
A. S.: Com certeza! Nós temos o privilégio de poder ensinar o mirandês nas escolas do agrupamento e haverá com certeza aulas à distância em mirandês. O professor Duarte, na Escola Básica e Secundária de Miranda do Douro, e o professor Emílio, na Escola Básica 1/2/3 de Sendim, são experientes na utilização das novas tecnologias e vão continuar a assegurar o ensino da língua mirandesa. A disciplina de mirandês é facultativa e é frequentada por 70% dos alunos. No primeiro ciclo, os alunos têm duas aulas por semana. E nos restantes ciclos, a aula de mirandês é semanal.
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