Igreja: Padre Telmo Ferraz, 100 anos de vida e profecia
Esta terça-feira, dia 25 de novembro, o padre Telmo Ferraz, antigo pároco de Picote, celebra 100 anos de vida, estando programada uma homenagem na Casa Calvário de Beire – Casa do Gaiato, em Paredes, onde reside atualmente.

Telmo Ferraz é natural da aldeia de Bruçó, no concelho de Mogadouro, onde nasceu a 25 de Novembro de 1925.
“No padre Telmo vemos que é possível, que algo floresce atrás de nós. A sua vida é para nós uma palavra clara, um pacto de misericórdia, perdão e confiança.
A seu lado não há escorraçados nem banidos. Disso dão testemunho as remotas gentes de Picote ou Cambambe, os gaiatos do Culamuxito ou Paço de Sousa, os leprosos de Dange-ia-Menha ou os doentes do Calvário – todos quantos o conhecem.
Nos anos cinquenta foi capelão da barragem de Picote, desenvolvendo um extraordinário trabalho pastoral e humanitário junto dos operários. A todos o padre Telmo recebeu e ajudou, incentivando-os a conseguir o seu abrigo e ajudando-os a encontrar trabalho.
Denunciava a tragédia humanitária provocada pelas condições péssimas em que viviam quantos davam a vida na construção das barragens, naquele Trás-os-Montes longínquo e abandonado dos anos 50. Dedicava-se a todos os deserdados e denunciava as violações dos direitos destes pobres trabalhadores. O seu primeiro livro, ‘O lodo e as estrelas’(1960) é tão duro e profético acerca da vida dos trabalhadores na construção da Barragem do Picote, que foi visado e proibido pela censura. Mas – e talvez por isso mesmo – já em 1959 estava em Angola com os trabalhadores da barragem de Cambambe.
1963 marca o início da grande aventura pastoral e social da sua vida: a Casa do Gaiato de Malanje! Ali dedicou o melhor de si, no acolhimento e formação de jovens rapazes, órfãos ou vindos de famílias pobres. É uma obra notável que seria várias vezes arrasada e pilhada durante a longa guerra civil de Angola. Sem nunca atirar a toalha ao chão, sempre reconstruiu e recomeçou. A par de todo um notável trabalho pastoral e social, escreveu muito e de forma muito acutilante, mexendo em feridas dolorosas como só uma guerra civil pode abrir. Foi em Malanje, nesta Casa do Gaiato, que encontrei o P. Telmo pela primeira vez. Decorria o ano de 1992, após as eleições que deviam abrir as portas à paz e à democracia, depois de uma guerra colonial dura e de uma guerra civil ainda mais mortífera e destrutiva. Recorda-me a alegria e a esperança que saíam das suas palavras e gestos quando me mostrava as casas, os campos, as oficinas e, sobretudo, os jovens ‘gaiatos’ que ali viviam com ele, abrindo de par em par as portas a um futuro melhor. Só que, dias depois, recomeçaria a guerra que voltou a destruir os edifícios da Casa do Gaiato e dispersou os jovens. Mas – sempre que os militares o permitiam – o P. Telmo regressava a Casa e recomeçava a Obra com uma fé, uma coragem e uma persistência à prova de tudo.
Gostamos da sua voz sem autoridade incisiva, da sua fala de menino e de poeta embevecido: “Há beleza em todas as coisas! Até nas areias do chão desta terra batida!”. Gostamos da sua escrita: o que é periférico, minúsculo, sem glória ou invisível ao olhar, as suas palavras o revelam com desconcertante simplicidade. E é como se o mundo se recriasse.
Telmo Ferraz, publicou vários livros, desde contos, poesia e orações. Lançou obras como “O Lodo e as Estrelas” (1960, edição de autor), do período em que foi capelão na Barragem de Picote, retirado do mercado pela censura do regime de Salazar; “Mibangas e Frutos” – recolha integral dos seus textos no jornal “O Gaiato”, entre 1960 e 2013 – são testemunho eloquente desse trabalho e da sua coragem no atravessar da guerra junto dos mais desfavorecidos; “Mourela”; “Contigo no Planalto”; “Pelo Caminho das Tipóias”; “A Mulemba e o Grão de Areia”; “Um Retiro na Montanha”; “Terra Batida”; “As Abelhas e o Mel”; “O Silêncio de Deus”; “Sinais” e mais recentemente, em 2025, a obra “Fui Pároco de Aldeia”. Além destes livros, o padre Telmo Ferraz lançou ainda a obra “Rostos de uma Barragem – o Álbum de Telmo Ferraz”, que retrata a realidade da barragem de Picote entre os inícios da sua construção e inauguração.
O padre Telmo Ferraz, celebra o centenário de vida na Casa do Calvário (Beire, Paredes), onde reside, onde é homenageado com uma celebração mais íntima do que ruidosa, por parte de alguns dos seus amigos, para assinalar esta bonita data”.
Artigo escrito por Jorge Lourenço, presidente da Freguesia de Picote; e Tony Neves, Missionário Espiritano.