Opinião: “Da esperança ao ceticismo: para onde vai a economia portuguesa?”, por Óscar Afonso
Na entrada do novo milénio, Portugal era o futuro. O que correu mal?
À medida que os turistas visitam Lisboa e Porto, ou se movimentam entre ambas as cidades, passam por grandes realizações relativamente recentes: Centro Cultural de Belém, Parque das Nações, Gare do Oriente, Ponte Vasco da Gama, Casa da Música, novas pontes sobre o Douro ou novas linhas de Metro. São os emblemas da mais recente “Belle Époque” portuguesa, do período pós-adesão à Comunidade Económica Europeia, quando o país podia reivindicar ser uma verdadeira terra de oportunidades e de possuir um desígnio – estar no pelotão da frente da União Europeia. O país era um íman para os imigrantes europeus, que afluíam à procura de trabalho, e convergia rapidamente com a média da UE.
Se, para além dessa performance, atendermos ao facto de Portugal ser um país com história, língua e cultura próprias, condições naturais de exceção – clima ameno, rios, mar, ilhas, paisagens deslumbrantes e solos férteis em boa parte do território, entre outros recursos naturais -, com fronteiras estáveis, com uma população trabalhadora, sem grandes conflitos, e sem fendas sociais e territoriais, pareceria difícil imaginar um novo afundamento. No entanto, nós, os portugueses, temos demonstrado uma rara capacidade para evitar o sucesso, de modo que a posição como economia vibrante, em sintonia com o resto da UE, é já uma memória cada vez mais distante.
Apesar do processo de convergência inicial, o padrão de especialização não se alterou realmente, continuando a assentar em mão-de-obra barata. Depois, fruto das generosas taxas de juro, permitidas com a adesão ao euro, os políticos endividaram o país e este habituou-se a viver de fundos comunitários. Estes fundos, que deveriam ter servido para promover a coesão social e territorial, originaram exatamente o seu contrário. Os indivíduos e territórios beneficiados enriqueceram e a população comum e a generalidade do território empobreceram, porque a atividade económica não se transformou, porque a população envelheceu e porque a dívida é paga com impostos.
À medida que a “Belle Époque” se foi desvanecendo, a dependência crescente do Orçamento do Estado foi permitindo que os governos do Partido Socialista, sem instituições para equilibrar interesses concorrentes, passassem a controlar a vida de cada vez mais portugueses. O mote passou a ser em como manter as despesas governamentais, que nunca pararam de crescer, nunca em investir para crescer. A reconstrução institucional assumiu a forma de uma redistribuição muito rápida e clientelista. A corrupção, aparentemente crescente, ou a interrupção da democracia por altura da pandemia são também manifestações da reconstrução institucional, assim como o é o facto de os Orçamentos do Estado passarem a ser documentos de credibilidade reduzida, que se destinam a ser aprovados pela Assembleia da República, podendo ou não ser executado pelo governo, sobretudo ao nível da despesa de investimento.
Perante o novo cenário, a maioria da população olha para o que está a acontecer com indiferença, pelo que se pode dizer que o caso português mostra como grupos de interesses poderosos podem reconfigurar o quadro institucional em seu próprio benefício através de políticas distorcidas, que tendem a destruir os alicerces do desenvolvimento sustentado.
Apesar da “Belle Époque”, hoje parece evidente que a presença da classe média era escassa para impedir a tomada de controlo da política por grupos sociais bem organizados e politicamente poderosos, pelo que resta o ceticismo e a falta de esperança.
Numa nota de maior ânimo, podemos estar certos de que a situação terá forçosamente de mudar quando acabarem os fundos comunitários, ou seja, quando houver menos para distribuir, sendo que esse momento está já ao virar da próxima esquina, leia-se orçamento financeiro plurianual. A “bazuca” europeia, que permitiu o PRR (Programa de Recuperação e Resiliência), foi financiada com endividamento por conta de recursos futuros da UE, ou seja, dos seus Estados-membros, não se prevendo que haja capacidade política para aumentar os recursos tradicionais (contribuições para o Orçamento da UE) nem alavancar os novos recursos previstos ou instaurar outros mais decisivos, como impostos europeus.
Infelizmente, penso que Portugal só conseguirá encontrar a força para a mudança quando for confrontado com um choque de realidade ainda maior, o que acontecerá bem antes de 2030. Os sinais de insustentabilidade da má gestão pública são crescentes e cada vez mais visíveis na vida diária dos Portugueses, agravados pela conjuntura adversa. Se hoje grande parte do investimento púbico (e mesmo despesa corrente) é financiado por fundos europeus e os serviços públicos já estão “a rebentar pelas costuras”, imagine-se o que acontecerá quando essa “torneira” fechar. Só não vê quem não quer!
Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Sócio fundador do OBEGEF.
oafonso@fep.up.pt